Ademais, o artigo 2º. do decreto determina
explicitamente: “A extinção de que trata o art. 1º não afasta a aplicação
de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de
conservação da natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira.”
Atuando no modo automático, o aparato ambientalista-indigenista não perdeu
tempo em assestar baterias contra a medida. Outra vez, de Nova York, onde
vive, a sua nova militante, a modelo Gisele Bündchen, utilizou o Twitter
para demonstrar o seu vasto conhecimento da realidade amazônica e dos
problemas nacionais, como já havia feito anteriormente, no ruidoso caso da
Floresta Nacional do Jamanxim (Alerta Científico e Ambiental,
13/07/2017). Em mensagem disparada em 24 de agosto, ela
vociferou: “Vergonha! Estão leiloando nossa Amazônia! Não podemos destruir
nossas áreas protegidas em prol de interesses privados.”
Horas depois, empolgada com a repercussão da manifestação, a “über-model”
subiu o tom fez uma “convocação” aos
brasileiros para uma campanha maciça contra o decreto: “Convoco a todos os
brasileiros a dizerem NÃO ao abrandamento da proteção da Amazônia, seja por
decreto, medida provisória, projeto de lei ou o que for. Vamos nos unir e
usar a hashstag #todospelaamazonia e mostrar ao governo que não estamos de
acordo com o fatiamento da Amazônia para exploração.”
Como o Governo Temer tem prestado muita atenção às manifestações de Gisele,
a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República
divulgou uma nota de esclarecimento. “Como explicita o nome, o que deixou
de existir foi uma antiga reserva mineral - e não ambiental. Nenhuma
reserva ambiental da Amazônia foi tocada pela medida. A extinção da Reserva
Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as Unidades de Conservação
Federais existentes na área - todas de proteção integral, onde não é
permitido a mineração”, diz a nota (O Estado de S. Paulo, 24/08/2017).
Igualmente, o escritório do Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM) no Amapá explicou que nenhuma área protegida será incluída no pacote
de concessões minerais, além do que o processo está sendo acompanhado pelos
órgãos ambientais do estado, aos quais caberá aprovar as concessões (G1 AP,
23/08/2017).
As explicações foram inúteis. O WWF-Brasil, por intermédio do seu
coordenador de Políticas Públicas, Michel de Souza, qualificou a decisão
como uma “catástrofe anunciada”:
A Floresta Amazônica é nosso maior ativo. Nesse momento de desespero
e de crise, estão colocando em risco as áreas protegidas que se encontram
dentro da reserva. É um risco tremendo dar esse tipo de sinalização por
decreto, sem discutir com a sociedade. Abrir a reserva sem transparência
nos preocupa muito. É uma catástrofe anunciada. Temos vários exemplos de
contaminação mineral. Pode haver uma corrida para a região. E como garantir
que as grandes empresas de mineração vão seguir acordos de cooperação dos
quais o Brasil não é signatário (O Globo, 24/08/2017)?
Para o diretor-executivo Maurício Voivodic, a liberação da atividade
minerária na área colocará em risco diversas áreas protegidas, podendo
causar impactos irreversíveis ao meio ambiente e povos da região: “Além da
exploração demográfica, desmatamento, perda da biodiversidade e
comprometimento dos recursos hídricos, haverá acirramento dos conflitos
fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais (WWF, 23/08/2017).”
A nota do Greenpeace deixa clara a oposição dos ambientalistas a qualquer atividade
econômica pós-Neolítico:
Com a medida, a região poderá enfrentar problemas com a chegada de
infraestrutura e de pessoas a áreas de floresta nativa para atividades de
mineração, reproduzindo na região a mesma falta de governança que permite o
avanço do desmatamento e da grilagem de terras na Amazônia. Um governo que
corre para diminuir a proteção das florestas não irá garantir que
atividades de mineração sejam desenvolvidas respeitando a legislação
ambiental (Greenpeace, 25/08/2017).
Fazendo coro com os “verdes”, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
afirmou que já prepara um decreto legislativo para sustar os efeitos do
decreto presidencial, e foi superlativo: “O decreto é o maior ataque à
Amazônia dos últimos 50 anos. Nem a ditadura militar ousou tanto. Nem a
Transamazônica foi tão ofensiva. Nunca imaginei que o governo tivesse
tamanha ousadia (O Globo, 23/08/2017).”
Para o deputado federal Valdir
Colatto (PMDB-SC), a preocupação é outra, o controle das próprias
atividades minerárias. “Acho que é preciso controle na produção e na
exportação. É um escândalo o que acontece no Brasil, em que nossos minerais
são enviados ao exterior sem qualquer controle”, disse ele ao Globo.
O presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa Mineral (ABPM), Elmer Prata Salomão, disse que a a extinção da
reserva “veio em boa hora” e, diante das preocupações com o meio ambiente,
referiu-se ao desastre de Mariana como um alerta:
Quando cai um avião, a primeira coisa que se deve fazer é buscar as
razões. Ninguém pede para cassar a licença da Air France ou da TAM. Mariana
é uma tragédia, claro, a gente fica preocupado. Mas temos que encontrar
razões para o que aconteceu. E há razões divididas entre a empresa e o
Estado, que não fiscalizou.
De fato, em lugar de promover
histeria, ambientalistas sérios e parlamentares deveriam preocupar-se com
os aspectos realmente sérios que envolvem a questão. Na área ambiental, por
exemplo, é preciso ir além de assegurar a fiscalização criteriosa que, como
lembrou o presidente da ABPM, faltou no caso das barragens da Samarco em
Mariana. Um item que precisa ser devidamente regulamentado e cobrado é o
fundo de recuperação das áreas degradadas, já em uso em muitos países,
constituído por uma fração da receita anual das empresas, para assegurar
que, ao final da atividade minerária, as empresas possam cumprir com as
exigências da recuperação e não deixem a paisagem com as horrendas
cicatrizes das áreas de exploração abandonadas.
Outro problema remete à própria estrutura da exploração mineral no País, em
dois aspectos cruciais.
Primeiro, o Serviço Geológico do Brasil precisa ter um orçamento adequado
às dimensões das suas tarefas. Entre 2004 e 2014, o órgão investiu em
pesquisas de campo pouco mais que o equivalente a 100 milhões de dólares,
uma pífia média anual pouco superior a 10 milhões de dólares, ridiculamente
insuficiente para as atividades do serviço geológico de um país com as
dimensões do Brasil.
Segundo, e ainda mais relevante, é a necessidade de que a mineração seja
inserida no contexto de uma política de reindustrialização, visando à
agregação de valor à produção mineral, para evitar que a esperada retomada
das atividades do setor não venham a reforçar a atual tendência de
reprimarização da economia.
Armando Soares - economista
armandoteixeirasoares@gmail.com
Soares é articulista de Libertatum
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