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segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

13º: Presente de Grego para os Trabalhadores

Por Klauber Cristofen Pires


Publicado no site do Instituto federalista, em 30/01/2006.


Publicado no site Domínio Feminino, em 30/02/2006


Publicado no site Ratio Pro Libertas, em 02/02/2006


Publicado no site DIEGOCASAGRANDE.COM.BR, em 17/02/2006.

Publicado no site do Instituto Liberdade, em 30/01/2006.


Publicado no site "Parlata", em 06/02/2006.


Publicado em Oestadual, em 17/02/2006



Dias atrás, foi aberto um tópico no Orkut, que divulgava a (falsa) notícia de que estaria em andamento no Congresso Nacional um projeto de lei com a proposta da extinção do décimo-terceiro salário. De pronto, suspeitei de que se tratava de um boato, o que, de fato, se confirmou.

Certamente, tal hipótese não se configuraria plausível nos dias de hoje, em uma casa intensamente ocupada por partidos de índole marxista, ainda mais em ano de eleição. Contudo, a certeza da intocabilidade deste instituto é a crença absolutamente majoritária - e já arraigada - de que a existência do mesmo é uma "conquista do trabalhador", e que, além disto, é, por todas as formas, um benefício à sociedade.

Tendo-se consciência deste fato, aceitar debater sobre a validade dos argumentos que o sustentam é entrar descalço e sem camisa em um espinheiro. Poucos são os que aceitam verificar as exposições com ânimo de racionalidade. A paixão domina a mente dos defensores e os surpreende, de tal forma que mal acreditam que alguém - justamente um assalariado - venha a apresentar uma análise em contrário.

Ainda assim, aceitei o desafio, e aqui proponho expor os meus argumentos trazidos dos debates, que demonstram que o décimo-terceiro, ao contrário do que se imagina, apenas traz prejuízo aos trabalhadores (quanto aos empresários e consumidores, em breve retornarei, como forma de economizar o tamanho deste artigo).

A exposição que segue pouco se prende aos aspectos jurídicos. Trata sob o ponto de vista econômico, e também lógico. No Orkut, houve quem defendesse a tese segundo a qual os direitos sociais estariam insertos no rol das "cláusulas pétreas". "Petrificados", imagino, ficariam se, depois de tal afirmação, descobrissem que defendem a eternidade de algo que lhes prejudica...

Enfim, passemos, efetivamente, à análise: tomemos como base um trabalhador, recém-contratado no início do mês de janeiro, por um salário de R$ 1.200,00 mensais. A seguir será feita uma comparação da situação vigente, confrontada com um cenário em que o trabalhador receberia o décimo-terceiro salário diluído entre os doze pagamentos mensais.

Primeiro caso: vamos supor que este trabalhador não estivesse precisando, imediatamente, deste plus de R$ 100,00 mensais. Nesta hipótese, o nosso amigo poderia investir o seu dinheiro. Considerando que ele optasse pelo meio mais medíocre de investimento, qual seja, a poupança, e assumindo uma taxa média mensal de 0,72% (juros de 0,5% + TR - o rendimento médio aproximado em 2005), então ele receberia, em dezembro, R$ 57,67 a mais.

Segundo caso: por outro lado, pensemos que o trabalhador necessitasse deste dinheiro. Suponhamos que, em junho, lhe faltasse R$ 600,00. Se ele puder se valer de uma das formas mais baratas de empréstimo, qual seja, o empréstimo consignado em folha, então ele pagará, pelos seis meses que restarão até que chegue o seu décimo-terceiro salário, R$ 77,34 em taxas e juros. (Note-se que o valor de R$ 600,00 foi escolhido para emparelhar-se com o cenário em que ele recebesse as parcelas mensalmente - isto porque se, de fato, as recebesse, não necessitaria do empréstimo.)

O raciocínio exposto acima desmonta qualquer argumento de natureza política. De um modo geral, as principais objeções se resumem na teoria de que o governo deve proteger as pessoas, especialmente as mais pobres, de si mesmas!!! Não há como comentar tal absurdo. Ninguém, muito menos o governo, tem o direito de estabelecer quais são as necessidades ou os projetos dos indivíduos. Tal atitude configura uma derrogação do direito de propriedade e, pior ainda, da liberdade individual pela busca da felicidade. Para a satisfação do raciocínio exposto, basta demonstrar que, EM QUALQUER CASO, o trabalhador ou deixa de investir, ou chega em dezembro endividado.

Quando os constituintes afirmaram o décimo-terceiro salário para todas as categorias profissionais, talvez tivessem imaginado aumentar a renda do trabalhador. Ou talvez tivessem imaginado somente fazer média e assim ganhar votos futuros. Deram-se bem.

Contudo, a realidade que se seguiu foi outra. talvez o décimo-terceiro tenha resultado em algum ganho de renda no primeiro ano de vigência. Entretanto, em seguida, os novos empregos, logicamente, passaram a ser contratados por valor menor, de forma que se amoldassem ao pagamento do 13º. E possivelmente muita gente conheceu o desemprego. Do lado do governo, este decidiu resolver o problema que criou para si mesmo imprimindo moeda e/ou se endividando. Com a consequente desvalorização cambial, todo voltou a ser como antes (ou pior), no quartel de Abrantes.

Concluindo, o que as pessoas e, especialmente os nossos políticos - devem aprender, é que riqueza não se cria por decreto. O salário de um empregado sempre será a expressão de sua produtividade econômica, em nada importando quantos salários venha a receber. Se o contrário fosse verdadeiro, eu seria o primeiro a votar no PSTU (Aquele que vive prometendo um salário mínimo de R$ 1.500,00...)

Espero ter assim plantado uma semente. Melhor do que apenas terminar com uma burocracia a mais, penso que, quando chegar a hora de a sociedade perceber o caráter meramente populista de leis como esta, estará madura o suficiente para não mais aceitar tal comportamento dos seus mandatários.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Eu, o Lápis




Amigos, alguns já conhecem esse texto. Mas muitos não. É fundamental sua leitura, para que se compreenda a interdependência de todos, dentro de um modelo de autonomias, de liberdade, de escolhas livres. O texto tem mais de 40 anos mas continua muito atual.

[]s Thomas



EU, O LÁPIS

Leonard E. Reed

Eu sou um lápis — aquela coisa comum conhecida por todos os meninos, meninas e adultos que sabem ler e escrever. A escrita é tanto a minha vocação quanto a minha ocupação; escrever é tudo o que faço.

Você deve estar imaginando porque devo escrever sobre a minha árvore genealógica.
Bem, para começar, minha estória é interessante. Assim como também sou um mistério — mais até do que uma árvore, do pôr do sol ou mesmo de um relâmpago. Mas, infelizmente, eu sou ignorado por aqueles que me usam, como se eu fosse um mero "acidente de percurso" e sem história. Essa atitude superficial me relega ao lugar comum.

Esse é um tipo de erro gravíssimo que a humanidade não pode persistir por muito mais tempo sob o risco da derrocada total. Como observou o sábio G. K. Chesterton, "We are perishing for want of wonder, not for want of wonder-s"1.

Eu, o lápis, ainda que aparentemente simples, mereço a sua admiração e respeito, o que tentarei lhe provar. Na realidade, se você me entender — não, isso é demais para pedir de qualquer um — se você puder perceber o milagre que eu simbolizo, você poderá me ajudar a recuperar a liberdade que a humanidade está aos poucos perdendo. Eu tenho uma lição muito importante para te ensinar. E eu posso te ensinar essa lição com mais facilidade que um automóvel, ou avião, ou máquina de lavar louça poderia — bem, porque eu sou aparentemente muito simples. Simples? Será? Não há nenhuma pessoa na face da terra que saiba me fazer. Soa fantástico, não? Especialmente se você souber que mais ou menos 1.5 bilhões de lápis como eu são produzidos anualmente apenas nos Estados Unidos. Pegue-me e me examine. O que você vê? Não muito, há alguma madeira, laquê, "grafite", um rótulo impresso, um pouco de metal e uma borracha.

Inúmeros Antecedentes
Da mesma forma que você não consegue retroceder na sua árvore genealógica indefinidamente, também me é impossível enumerar e explicar todos os meus antecedentes. Mas eu gostaria apenas de exemplificar alguns deles para lhe impressionar com a minha riqueza e complexidade dos meus ancestrais.

Minha árvore genealógica começa com uma árvore, um cedro de fibras retas que cresce no norte da Califórnia e em Oregon. Agora contemple todas as serras, tratores, cordas e incontáveis outros equipamentos utilizados na coleta e transporte dos troncos de madeira até a estrada de ferro. Pense agora em todas as pessoas e incontáveis habilidades que foram necessárias para a fabricação desses equipamentos: a mineração do ferro, a fabricação do aço e a transformação deste em serras, machados e motores; o cultivo do sisal e todo o seu processo de transformação em cordas fortes e resistentes; pense ainda nas áreas de corte dos troncos de cedro onde os lenhadores dormem em camas e têm as suas refeições servidas em grandes mesas em salas ainda maiores, o cozimento e cultivo de toda a comida necessária para alimentar a todos. Afirmo, milhares de anônimos são responsáveis por cada copo de café que os lenhadores bebem.

Os troncos são enviados por trem para uma serraria em San Leandro, Califórnia. Você pode imaginar os indivíduos que fazem os vagões de trem, os trilhos, e as locomotivas e que constroem e instalam todo o sistema de comunicação necessário para que tudo funcione? Essas legiões de pessoas são também meus ancestrais.

Considere agora a serraria em San Leandro, Califórnia. Os troncos de cedro são cortados em pequenos pedaços de madeira do tamanho de um lápis, não mais que um quarto de polegada(2) de espessura. Esses pedaços então são secos em estufas e pintados pela mesma razão que mulheres colocam ruge em suas faces. As pessoas me preferem mais bonito que um branco pálido. Os pedaços de madeira são novamente encerados e novamente secos em estufas. Quantas habilidades foram necessários para fazer todas as tintas, as estufas, o fornecimento de calor, luz, energia, as correias, os motores, e tudo o mais que uma serraria necessita? As pessoas que varrem o lixo e o pó de serra que trabalham em uma serraria entre os meus ancestrais? Sim, e incluo ainda os homens que colocam concreto para a represa da Companhia Elétrica e de Gás Pacífico que supre energia elétrica para a serraria.

Não esqueça dos meus ancestrais atuais e distantes que transportam sessenta caminhões com pequenos pedaços de madeira por todo o país. Já na fábrica de lápis — US$ 4.000.000,00 em equipamentos e instalações, capital esse acumulado pela poupança de meus e seus parentes — cada pedaço de madeira recebe oito faixas colocadas por uma máquina complexa, onde a seguir outra máquina coloca grafite em um de cada dois pedaços de madeira, coloca cola, e coloca outro pedaço de madeira por cima, um sanduíche de grafite, vamos chamar assim. Sete irmãos e eu somos mecanicamente esculpidos desse "sanduíche de madeira".

Considere agora o meu "grafite". Ele também é muito complexo. O grafite é extraído do Ceilão. Considere os mineiros e aqueles que fazem os equipamentos de mineração, e os que fazem os sacos de papel em que o grafite é transportado, e aqueles que fazem as cordas utilizadas para fechar esses sacos, e aqueles que colocam os sacos nos navios, e aqueles que fazem os navios. Até os faroleiros no caminho ajudaram no meu nascimento — e os práticos de cada porto. O grafite é misturado com argila do Mississipi em que hidróxido de amônia é utilizado no processo de refino. Agentes humedecedores são adicionados — uma mistura de gordura animal reagida quimicamente com ácido sulfúrico. Após passar por inúmeras máquinas, a mistura finalmente sai como quando se faz lingüiça, um longo e infinito material que é cortado, seco e colocado em um forno a temperatura de 1.850 oF3 por várias horas. Para aumentar a sua resistência e maciez o "grafite" é tratado com uma mistura quente que inclui uma cera do México, parafina e é hidrogenado com gorduras naturais.

Meu cedro recebe seis camadas de laquê. Você conhece todos os ingredientes do laquê? Quem iria imaginar que os fazendeiros que cultivam a mamona (venenosa inclusive) e os que refinam o óleo dessa mesma planta fossem também meus parentes? Pois eles são. Ainda mais, até os processos que transformam o laquê em um colorido amarelo envolve as habilidades de muito mais pessoas que uma pessoa pode enumerar.

Observe agora o rótulo. Ë um filme formado através da aplicação de calor em um carbono negro misturado com várias resinas. Como é feita a resina e, pelo amor de Deus, o que é carbono negro?

Meu pequeno pedaço de metal é na realidade bronze. Pense em todos aqueles que mineraram o zinco e o cobre, e aqueles que têm a habilidade para fazer lâminas brilhantes de cobre desses materiais extraídos da natureza. Os anéis pretos que rodeiam a minha forma são feitos de níquel negro. O que é níquel negro e como ele é colocado ali? A razão porque o meu pedaço de metal não têm níquel negro no centro levaria páginas para explicar.

Finalmente há a minha coroa, a parte que o homem usa para apagar os seus erros. Um ingrediente chamado "factice" (5) é o material que realmente faz a mágica do "desaparecer". É um produto borrachoso feito a partir da reação de um óleo das Índias Holandesas Ocidentais com clorido sulfúrico. A borracha, ao contrário do que se imagina, serve apenas para "colar" o material. Há ainda inúmeros outros agentes vulcanizadores e aceleradores. Uns vem da Itália; o pigmento que dá a cor à minha coroa é na realidade sulfídio de cádmio.

Ninguém Sabe
Alguém ainda duvida, como disse logo no início, que não há ninguém nesse mundo que saiba me fazer? Na realidade milhões de pessoas contribuem para a minha criação, e poucos conhecem outros daqueles que contribuem para a minha existência. Agora, você pode achar que eu estou exagerando quando eu relaciono a pessoa que colhe café no Brasil (a bebida dos lenhadores no Oregon e norte da Califórnia), os produtores de alimento em vários outros países à minha criação. Eu mantenho a minha posição. Não existe uma única pessoa, dentre essas milhões, incluindo o presidente da companhia que fabrica o lápis, cuja contribuição técnica é apenas infinitesimal que saiba como me fazer. Do ponto de vista do "know-how" a única diferença entre o minerador de grafite no Ceilão e o lenhador no Oregon, é o tipo de "know-how" que se têm. Nem o minerador, nem o lenhador podem ser dispensados do processo, da mesma forma que o químico na fábrica e o trabalhador nos campos de petróleo também não podem — a parafina é um sub-produto do petróleo, e parafina também compõe o que sou — o lápis.

Aqui vai um fato impressionante: nem o trabalhador nos campos petrolíferos, nem o químico, nem o minerador de grafite, nem o indivíduo que coleta argila no Mississipi, nem ninguém que constrói o navio, o trem, o trator, o caminhão, ou os dirige, nem o operário que entorta o pedaço de bronze que me envolve, nem o presidente da companhia faz o que faz porque eles me querem. Cada um me quer, talvez menos até do que uma criança em alfabetização. Na realidade, há dentre esses que mencionei aqueles que nunca viram um lápis ou mesmo sabem usar um. A motivação de cada um desses homens e mulheres é outra, não eu. Talvez seja algo assim: cada uma dessas milhões de pessoas percebe que eles podem trocar o pequeníssimo "know-how" que cada um possui pelos bens e serviços que precisam e/ou querem. Eu posso estar ou não, dentre esses itens.

Não Há Um Supremo Comandante
Existe ainda um fato ainda mais surpreendente. A falta de um coordenador, de alguém comandando ou dizendo ou impondo aos outros o que cada um deve fazer dentre as inúmeras atividades já descritas necessárias para que eu me torne o que sou, um lápis. Nenhum sinal dessa pessoa pode ser encontrado. Ao contrário, o que temos é a mão invisível em funcionamento. Esse é o mistério a que me referi anteriormente. Já se disse que apenas "Deus pode fazer uma árvore". Porquê concordamos com isso? Não é porque nós não conseguimos fazer uma? Realmente, será que nós conseguimos descrever uma árvore? Não podemos, a não ser de forma superficial. Podemos dizer, por exemplo, que uma certa configuração molecular se manifesta na forma de uma árvore.

Mas que tipo de homem seria capaz de saber, ou ainda mais impossível, comandar as constantes mudanças das moléculas que acontecem no ciclo de vida de uma árvore? Tal tarefa é simplesmente impensável.

Eu, o lápis, sou uma complexa combinação de milagres: uma árvore, o zinco, cobre, grafite, etc.. Mas para esses milagres que acontecem na natureza, um milagre ainda maior foi adicionado: a existência da energia criativa humana — milhões de pequenos "knowhows" naturalmente e espontaneamente se adequando em reposta às necessidades e desejos humanos sem a necessidade de um coordenador comandando essas tarefas. Já que apenas Deus pode fazer uma árvore, eu insisto que apenas Deus pode me fazer. O Homem não tem o poder de controlar esses milhões de pequenos "know-hows", da mesma forma que não consegue comandar as moléculas de forma a criar uma árvore.

Essa última sentença explica o que eu quis dizer quando no início desse artigo eu disse que: "se você puder perceber o milagre que eu simbolizo, você poderá me ajudar a recuperar a liberdade que a humanidade está aos poucos perdendo". Se você perceber que esses milhões de "know-hows" vão naturalmente, sim, automaticamente combinar entre si e criar padrões produtivos em resposta às necessidades e desejos humanos; isto é, sem a necessidade de intervenção governamental ou de qualquer outro tipo de coordenador coercitivo — então você perceberá um ingrediente essencial na liberdade: a confiança no homem livre. Liberdade é impossível sem essa crença.

O Governo já teve o monopólio de vários tipos de atividades criativas, como o correio por exemplo. Muitos acreditam que o homem agindo de forma livre e independente não consegue, de forma eficiente ou não, distribuir a correspondência de todos os dias, só o Governo consegue. E aqui está a razão: cada um de nós reconhecemos que não sabemos como fazer tudo que é necessário para distribuir essa correspondência. Nós também sabemos que não há ninguém que o saiba. Essas suposições estão corretas. Nenhum indivíduo possui "know-how" suficiente para distribuir a correspondência de uma nação, da mesma forma que não existe indivíduo que conheça todos os passos para me construir, um mero lápis. Então, na ausência de fé em indivíduos livres — no desconhecimento que milhões de pequenos "know-hows" iriam naturalmente e milagrosamente cooperar entre si de forma a satisfazer as nossas necessidades — essa pessoa não teria alternativa em concluir de forma equivocada6 que o correio só pode ser distribuído por um "coordenador governamental".

Testemunho
Se eu, o lápis, fosse o único que pudesse testemunhar sobre o que homens e mulheres podem fazer se forem livres para tal, então aqueles de pouca fé teriam uma pequena possibilidade de terem razão. Mas o que existe são milhares de testemunhos. A distribuição de correspondência é extremamente simples se comparada, por exemplo, com a fabricação de um automóvel, ou uma máquina de calcular, ou um computador, ou uma usina nuclear, ou dezenas de milhares de outros bens e serviços. E a distribuição, de correspondência ou de outros tipos? Nessa área o homem consegue distribuir sua voz ao redor do mundo em menos de 1 segundo; um evento visual ao vivo para a casa de qualquer pessoa; 150 pessoas de Seattle para Baltimore em menos de 4 horas; gás do Texas para uma casa em Nova Iorque a valores inacreditavelmente baixos e sem subsídios; 4 libras7 de petróleo do Golfo Pérsico a costa leste dos Estados Unidos — quase meio planeta terra — por menos que o Governo cobra para entregar uma carta de 1 onça8 de um lado para outro da mesma rua.

A lição que eu tenho para ensinar é a seguinte: deixe todas as energias criativas desinibidas. Apenas organize a sociedade para agir em harmonia. Faça com que o arcabouço legal de uma sociedade remova todos os obstáculos. Permita que esses "knowhows" criativos sejam livres para fluir. Tenha fé que o homem e a mulher livre vão responder à mão invisível. Essa fé será confirmada. Eu, o lápis, aparentemente simples que sou, ofereço o milagre de minha criação como testemunho de que essa fé existe, assim como as árvores, o sol, a chuva e a terra existem.

1 "Estamos perecendo por querer o milagre , não por querer milagres"

2 Uma polegada é igual a 2,54 cm

3 Aproximadamente 1.010 oC

6 No texto original essa palavra não está sublinhada. Eu sublinhei para destacar essa passagem no texto.

7 Uma libra é igual a 0,453 gramas

8 Uma onça equivale a 28,34 gramas

Tradução: Joaquim Neto - Coordenador da Força Tarefa Virtual Federalista - residente em Los Angeles/CA/USA (joneto5@comcast.net)

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

A dignidade do empresário

Marcos, 33:35 Quando chegaram à cidade de Cafarnaum e estavam em casa, Jesus perguntou aos discípulos: «O que é que discutíeis pelo caminho?» 34Os discípulos ficaram calados, porque tinham discutido sobre qual deles era o maior. 35Então Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes: «Se alguém quer ser o primeiro, deverá serA o último e ser aquele que serve a todos»

Marcos, 42:44 Jesus chamou-os e disse: «Sabeis como aqueles que se dizem governadores das nações têm poder sobre elas, e os seus dirigentes exercem sobre elas a sua autoridade. 43Mas entre vós não deverá ser assim: quem de vós quiser ser grande, deve tornar-se o vosso servidor, 44e quem de vós quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos”.


De um processo histórico que remonta a décadas, tem o Brasil importado convicções de ideologias claramente equivocadas, e que de tal modo propagaram-se, que assim podemos reconhecê-las por hegemônicas.

Um dos postulados mais propagados destas correntes é o de apontar os empresários como as aves de rapina da nação. Quem não ouviu ainda da boca dos nossos políticos termos tais como “ganância” e “egoísmo”? Quem ainda não prestou atenção às nossas músicas (...mas a usura desta gente, ôô, já virou um aleijão – ôôô, gente estúpida! Ôôô, gente hipócrita!...; outra: ...a burguesia fede...a burguesia quer ficar rica...)? Ou aos jornais, aos livros acadêmicos, principalmente os de Economia, Sociologia e Direito? E como não pensar que tal pensamento dominante não se reverta em ação, efetivada em leis contra o “poder econômico” e contra o “abuso” do direito de propriedade, por exemplo? E como não reconhecer que nossas autoridades não imponham dificuldades e limitações à atuação empresarial, a ponto de humilhar os homens de negócios, a ponto de fazê-los mesmo crer piamente em sua culpa original?

Tais ideologias apóiam-se no fato de seus defensores acreditarem que a riqueza nasceu com o planeta, de modo que, num jogo de soma zero, os ricos somente são ricos pelo que dos pobres roubaram. Bastaria simplesmente acompanhar a história recente para verificar que a riqueza do mundo multiplicou-se várias vezes, desde que esta gente começou a formular tais idéias. Hoje, nosso país e nosso mundo são muito mais ricos do que há cinqüenta anos atrás, e as pessoas que viviam naquele tempo, também mais ricas do que as de duzentos ou dois mil anos atrás. Quem hoje ousaria trocar a sua vida pela de um príncipe do mundo antigo? Quem abdicaria da moderna medicina, da variedade de alimentos e roupas industrializados, da luz, da TV, do telefone, do fogão a gás ou de microondas, para ser César ou Henrique VIII?

Não obstante, tal pensamento, infelizmente, ainda ganha espaço nas mentes dos brasileiros, principalmente entre os jovens. Isto porque estas ideologias lidam com simbologias, ideais, e sonhos. O sucesso e o resultado não fazem parte de seu discurso, vez que isto nunca aconteceu em lugar nenhum do mundo.

Tão penetrantes tais idéias nas mentes, que mesmo muitos empresários aderiram a tal forma de pensar – por ignorância ou por oportunismo de curta visão - e deixam-se flagrar por atos de masoquismo explícito, conforme se pode verificar de seus comentários em público, ou de ações que perfazem como a desejar minimizar a culpa de serem homens de negócios. Patrocinam congressos disputadíssimos sobre “responsabilidade social”, enquanto poderiam discutir competitividade ou oportunidades de negócios.

Em seu livro “O Capital”, Karl Marx denuncia as péssimas condições de vida a que eram submetidos os operários ingleses do século dezenove. Trata o famoso livro de sustentar que tais pessoas eram exploradas por seus patrões, que lhes roubavam o fruto do trabalho, de modo a não lhes deixar mais do que o estritamente necessário para sobreviver. Foi assim que nasceu a teoria da “mais-valia”, cujo exemplo clássico, o do sapateiro, pretende demonstrar como o patrão se apropria do trabalho do sapateiro que deixou de sê-lo para tornar-se seu empregado. A “mais valia”, no caso, era o excedente entre o lucro que o patrão usufruía, e o salário que pagava ao sapateiro-operário.

Não é o caso de aqui apresentarmos a refutação da teoria. Isto já foi feito brilhantemente, por cientistas tais como Jevons e Menger, e contemporaneamente a Marx, a tal ponto que ele mesmo possivelmente tenha se convencido, ou senão não teria abdicado, aos 49 anos, no auge de sua atividade intelectual, de publicar o segundo e terceiro volumes de “O capital”, que já estavam prontos antes mesmo de estruturado o primeiro. Estes volumes restantes somente foram editados e publicados por Engels, em 1884, quase trinta anos depois da publicação do primeiro volume (Ação Humana, 2ª ed., p. 80)

Aqui serão apresentados apenas alguns questionamentos simples, e externos ao fundamento da teoria comentada: por exemplo, quem quer que, a exemplo de Marx, veja os operários ingleses do séc XIX, como quem olha uma foto, talvez lhe empreste razão; mas aquele que, ao invés, o faz como quem acompanha um filme, há de pôr por terra toda esta falácia. Primeiramente, há de se indagar: “- quem eram os operários ingleses?” Ora, não eram desde sempre operários. Vieram, certamente, de algum lugar. Mais propriamente, das terras de seus antigos lordes, por quem eram tratados como criados, devendo aos primeiros as suas roupas, a sua comida e as suas próprias vidas. Trabalhavam de sol a sol, passavam a vida com apenas uma ou duas peças de roupa e comiam repolho diariamente. Mas, pior do que isto, não podiam realizar projetos pessoais, tais como desenvolver ofícios ou estudar, ou abrir negócios. Em alguns casos, até mesmo os atos de natureza estritamente pessoal, tais como casar, ficavam a critério de seus patrões.

Com o advento da Revolução Industrial, começou a mudança. Pela primeira vez na história da humanidade, pessoas simples começaram a ter domínio sobre o próprio destino; pela primeira vez, meros trabalhadores passaram a ter acesso a bens que antes, nem sequer os lordes ou reis tinham: eletricidade, sapatos, roupas, alimentos importados, remédios e educação para os filhos!

Outro fato digno de ser percebido é: estavam eles em regime de escravidão? A resposta é, simplesmente: não! Embora as condições daqueles tempos realmente não fossem fáceis, na verdade eram muito melhores que as verificadas nas terras de seus antigos patrões rurais, daí disputarem as vagas que as indústrias inglesas paulatinamente ofereciam. Com o empenho com que se lançaram, rapidamente começaram a florescer cargos e profissões de maior valor, aumentando a massa salarial média. Muitos se tornaram gerentes e diretores, e outros até acumularam capital suficiente para abrirem suas próprias empresas.

Outra pista da falácia marxista: se for certo que os patrões roubavam o trabalho dos sapateiros, por que então estes continuavam a abandonar seus ofícios, em busca dos empregos? Ora, se havia a liberdade de permanecerem como autônomos, a única explicação possível é a de que eles viam vantagem em buscar o emprego, sem contar aqueles que provavelmente prosseguiram na atividade, a ponto de se tornarem patrões de outros empregados.

Até aqui, falamos dos operários. Dos patrões, que se formaram, em princípio, dos primeiros artesãos, podemos dizer que, tal como seus empregados, a história da Humanidade viu-se irrevogavelmente transformada, e para melhor! A quem quer que lhe seja solicitada a alusão a uma grande figura da história, previsível será a lembrança de figuras como Alexandre, César ou Napoleão. Em suma, líderes que se destacaram pela conquista e pilhagem dos seus contemporâneos. Que extorquiam seus súditos mediante altíssimos tributos, senão obtendo-lhes a mais pura servidão!

Pouca gente haveria de reconhecer no dono de uma grande empresa uma figura de destaque na história, e um exemplo de liderança. Entretanto, quem dê a si mesmo o trabalho de analisar com imparcialidade, notará que os antigos comerciantes e industriais, hoje empresários, são a máxima afirmação dos fundamentos da civilização que floresceu sob a cultura cristã ocidental, daí a referência bíblica apresentada no alto deste artigo. Quem quer que se dê ao trabalho de observar com isenção, certificar-se-á que, pela primeira vez na face da terra, os homens começaram a enriquecer não por pilhar a riqueza dos outros, ou nascer de bom berço, mas por trabalhar para os outros, por servir aos outros!

Destes, os maiores, foram justamente os que criaram soluções para os mais pobres: os que criaram coisas tais como canetas esferográficas, sanduíches, sopas instantâneas, remédios, relógios eletrônicos consagraram-se como bem mais ricos do que os que fabricavam carros de alto luxo, jóias e iates. Destes, os maiores foram justamente os que procuraram atender com alegria e empenho às exigências dos consumidores, muitas vezes antecipando-se a enxergar as suas necessidades, fossem pobres ou ricos. Os que se obstinaram na “sociedade do empresário”, mesmo no Brasil, já faliram.

Este singelo artigo visa a conclamar os empresários para que recobrem a exata noção do papel que exercem na sociedade. Não há maior responsabilidade social ao que conduz um negócio do que procurar produzir seus produtos na maior quantidade possível, com a melhor qualidade possível, e ao menor custo possível. Portanto, levantem a cabeça e empunhem a dignidade abandonada como a um dever a cumprir. Vocês são os novos líderes da Humanidade, e o farol que traz a riqueza e o conforto para os demais.

E o Feitiço Virou Contra o Feiticeiro...



Publicado no site do Instituto Liberdade


Por Klauber Cristofen Pires

Segundo os defensores das doutrinas socialistas, o sistema de livre-mercado é injusto, por promover a miséria e as desigualdades sociais. Argumentam com base no conceito da "mais-valia", segundo a qual o lucro do empresário seria corresponderia a uma apropriação indevida do trabalho do empregado – um roubo - portanto. O valor de um produto acabado, a partir deste conceito, seria a soma da matéria prima com a quantidade de trabalho exercida sobre esta. Como o empresário se apossa de parte deste valor agregado, naturalmente, estaria a usurpar o trabalhador, quando lhe retribui apenas o necessário à sobrevivência.

Admitindo-se - por convenção - a validade desta teoria, explica-se a intervenção estatal, quando se posiciona a favor do trabalhador, com a finalidade de compensar a fraqueza deste em uma relação vista como uma fórmula de soma zero (o que um ganha, outro perde). O Estado, monopolista do direito do uso da força e da coerção, desta forma, exerce-o, em nome do que entende ser o bem comum.

Inegavelmente, e desde há tempo, os defensores desta corrente de pensamento têm conquistado a hegemonia no seio da elite intelectual e política brasileira, fato que, obviamente, haveria de se refletir nas estruturas de nossa sociedade. Não por coincidência, o século vinte foi pródigo em
governantes e legisladores que têm se revezado no mister de criar garantias e benefícios cujo objeto fosse a proteção dos trabalhadores ou a elevação do seu bem-estar.

Garantias e benefícios que hoje se espalham a partir da atual Constituição, ultrapassando os mais de mil artigos de um código, na forma de várias outras leis esparsas. A estrutura estatal criada em torno da defesa da questão do trabalho, nunca antes comparável, compreende hoje tribunais e procuradores especializados, um ministério com delegacias em praticamente quase todas as cidades médias e grandes, e uma gama de outras secretarias e órgãos em níveis federal, estadual e municipal. Difícil imaginar que ainda venha a caber mais alguma coisa, conquanto que, em se tratando da criatividade de políticos sedentos de poder e votos, nada deva surpreender.

Entrementes, conquanto a evolução de copiosa legislação e de notável máquina estatal espelhe, pelo menos em tese, a preocupação com as relações e condições relativas ao trabalho, o mesmo não parece ter ocorrido com a onerosidade crescente, surgida como conseqüência deste processo. De fato, tão somente hoje começa a ganhar algum sopro de vida qualquer questionamento sobre o custo que acompanha os salários e o emprego, muito menos por iniciativa dos que instituem impostos, do que propriamente por aqueles que lhes suportam com crescente sacrifício.

Estranha Constituição essa: ao mesmo tempo em que repudia a criação de emendas "tendentes" a abolir a forma federativa de estado, ataca o federalismo ela própria, ao reservar privativamente à União, de forma desajuizada e inexplicável, a maioria das matérias legislativas, entre as
quais, a do Trabalho. Este fato explica em parte a facilidade com que nossos legisladores sentem-se à vontade quando se trata de editar leis que destoam das realidades regionais e locais, vez que o poder, mais distante do crivo da sociedade, sente-se mais seguro e, por conseguinte, age de forma mais inconseqüente.

Contudo, o absurdo peso sobre os contribuintes - empresários e trabalhadores - não se evidenciaria senão quando os próprios governos começaram a sentir na pele as conseqüências da incúria, desmascarados que foram por ocasião do fim dos tempos de inflação e de dinheiro externo abundante. Destarte, novas realizações de despesas passariam a depender do aumento de tributos, o que, de fato, ocorreu. Ainda assim, o caráter impopular e as recentes reações da sociedade têm informado os últimos governantes a pautarem-se por uma busca de maior eficiência no tocante ao gasto público, e, neste cenário, as empresas de terceirização de serviços apareceram em destaque.

Ao contratar serviços terceirizados, o Estado arca com todos os custos que teria com a contratação direta de servidores, tais como seus salários, encargos, impostos e provisões, além, de obviamente, a parcela de lucro da empresa intermediadora. Isto significa, na prática, que a Administração pagará por um servente, por exemplo, um valor contratual próximo de R$
1.000,00, sendo o salário efetivo de R$ 300,00, quando, sob condições mais flexíveis, este poderia ser empregado diretamente por, digamos, R$ 600,00.
Mas, sob as condições atuais, tal contratação revela-se vantajosa, vez que afasta a possibilidade da estabilidade do trabalhador, com todos os seus custos inerentes, e, não menos, também o fantasma da imprevisão das ações trabalhistas.

Vê-se, pelo exposto, como o cipoal normativo criado pelo Estado acabara por enlaçar suas próprias pernas, e a virá-lo de cabeça para baixo: já não mais podia suportar aquilo que criara com destino à iniciativa privada, e tampouco, arcar com o paternalismo de uma justiça que, criada com inspiração na ideologia fascista, sofre ao tentar convencer de sua imparcialidade (não à toa, freqüentemente as normas internas que regulam as licitações orientam a evitar-se o uso de termos e expressões comprometedoras, que venham a possibilitar uma interpretação no sentido da existência de um vínculo empregatício direto entre a Administração e os trabalhadores...).

Empresas de terceirização de serviços, em um país onde prevaleçam livres ajustes, prestam alguma função econômica, conquanto sabe-se que sua contribuição à geração de riqueza seja não mais que residual. No Brasil, ao contrário, tais empresas crescem e se multiplicam, tendo como levedo os altos encargos, a burocracia labiríntica e a insegurança jurídica.
Que paradoxo: o Estado brasileiro, social e centralizador, que tanto fez, a pretexto de proteger o trabalhador, acabara por se tornar o maior patrocinador de um negócio cujo objeto é, literalmente, explorar a mão-de-obra alheia!

Klauber Cristofen Pires é Coordenador do Instituto Federalista do Pará.

Respeito vs. Tolerância



Publicado no site do Instituto Liberdade; DiegoCasagrande.com.br ; Parlata; Manausonline.com; O Guaruçá .


Por Klauber Cristofen Pires


Foi nos primeiros anos da minha adolescência que ouvi este termo, que, da maneira como fora usado, guardou-se me na memória até hoje: “tolerância”. Foi nos tempos de colégio, e a palavra apareceu em meio a um dos debates que se promoviam em aulas de Religião. O tema possivelmente se desenvolvia em torno da violência, que, embora nem se comparasse com a verificada nos dias de hoje, já dava seus sinais de que lhe sobrava fermento. E foi mais ou menos assim, quando uma colega de sala havia dito algo como ser a causa da violência a falta de “tolerância” das pessoas.
Curioso como, duas décadas depois, a minha memória fosse reivindicar os registros de um fato tão corriqueiro, ainda mais quando, àquela época, não tinha guardado, pelo menos conscientemente, a mínima hipótese de um dia utilizar-me de seus serviços. Quem por primeiro a teria exalado dos pulmões? Palavra nova, chique, moderna... Divertido foi ver como se propagou entre a turma, com os mesmos modismos de uma mochila ou tênis novos. Até então, só se falava em “respeito” ou coisa assim... Respeito cheirava a velhice, cafonice, temor, repressão...Não! Tolerância caía muito melhor!
Hoje percebo como “tolerância” tem paulatinamente tomado o lugar de “respeito”. “Tolerância” não é mais o neologismo dos adolescentes, dito com aquele ar de inocência e boa-fé de uma colega de sala do passado. Hoje, tolerância é “termo” recorrente na mídia, pronunciada por dirigentes de ong’s em programas ditos culturais ou por políticos em discursos inflamados; tolerância é algo que não mais se propõe, mas se exige.
Talvez a maioria das pessoas não perceba a mudança que se operou desde a troca. Mas há, e embora, sutil, as conseqüências da mudança são enormes, e um simples exemplo pode ser suficiente para as atestarmos: por respeito, eu evito fazer demasiado barulho em minha casa, a fim de não incomodar os vizinhos; por tolerância, os vizinhos é que devem aturar as minhas festas ruidosas. Há uma nítida transferência de responsabilidade, do sujeito ativo (aquele que executa uma ação danosa ao próximo) para o sujeito passivo (aquele que a recebe).
Um fenômeno recorrente desta mudança se verifica também quando se percebe como, cada vez mais, as pessoas estão transferindo seus problemas sociais para a coletividade, e com uma naturalidade cada vez maior: o funcionário que chega atrasado ao trabalho, de forma contumaz, alegando uma dificuldade pessoal qualquer, ilustra esta afirmativa. Ele já não entende que precisa acordar mais cedo, mas que o patrão é que tem de entender que ele “mora longe”, ou coisa parecida.
Se antes cada pessoa procurava resolver seus próprios problemas, e assim tudo ficava um pouco mais fácil para todos, hoje todos os problemas se acumulam em meio a todos e a ninguém ao mesmo tempo, resultando assim em uma inoperância geral, e mesmo, em uma incredulidade reinante na possibilidade de resolvê-los.
Mas, o que de mais cruel resulta desta transferência de responsabilidades, não é simplesmente a ofensa dada. Se eu evito fazer algo de nocivo ao meu semelhante, as minhas ações não ultrapassam os limites de minha pessoa, e podem ser assim entendidas como “completas”. Desta forma, em uma sociedade em que os cidadãos se respeitam, cada um, adotando uma postura de auto-disciplina, de modo a não ofender os direitos do seu próximo, torna-se soberano de sua própria vida.
Tal não é o mesmo com a ação de um indivíduo que opera com base em princípios de uma sociedade de “tolerância”. A ação deste indivíduo não se completa em si mesmo, mas no seu semelhante, que será o ofendido. Daí existir uma cobrança, e, por conseguinte, uma vigília sobre o destinatário desta cobrança. Como resultado final, teremos uma sociedade em que as pessoas vivem se vigiando umas às outras.
Uma sociedade em que os cidadãos, já a esta altura ofensores e ofendidos simultaneamente, devem ser continuamente monitorados para que não se rebelem, e assim não rompam a ordem social reinante. Uma sociedade de espiões e delatores, e onde ninguém mais é dono de si mesmo, mas subordinado a uma coletividade, que começou a assumir a soberania de suas vidas quando estes entregaram a ela seus primeiros problemas pessoais.


Klauber Cristofen Pires é Coordenador do Instituto Federalista do Pará.

A função social da propriedade

O que devemos entender por função social da propriedade? Quando uma propriedade cumpre a sua função social? A constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos XXII a XXIV, faz sua alusão à garantia de propriedade, condicionada, contudo, à realização da função social:

XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou por utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta constituição.
Do texto constitucional, observa-se, primeiramente, que os incisos supra-mencionados não especificam o conceito de propriedade, alargando-o assim para qualquer propriedade, seja imobiliária, seja de meios de produção, sejam bens de consumo, ou até mesmo bens intelectuais. Da mesma forma, não há qualquer referência a explicação do conceito do que venha a ser “função social”, a não ser a relativa à propriedade (imobiliária) urbana e à rural, respectivamente, nos artigos 182, §2º, e 186:
Art. 182, § 2º A propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Art. 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho;exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Ao observarmos as disposições do texto da nossa lei maior, podemos constatar que o valor do bem jurídico “propriedade”, muito menos que “garantido”, tanto estará menosprezado quanto, relativamente, o conceito de função social for alargado, como, de fato, o vem sendo.
Do exposto, podemos observar que, aquilo que a Constituição considera como sendo uma função social, ou delega à lei comum para o fazer, trata-se tão somente de algumas condições materiais burocráticas e pontuais em relação a cada propriedade.
Decerto, nossos legisladores não tiveram conhecimento do verdadeiro papel que a propriedade exerce em uma sociedade livre. Se o soubessem, tratariam de efetivamente tratar o tema com mais cuidado, isto é, de conferir à propriedade uma proteção realmente eficaz.
O conceito de função social da propriedade, no entender da Escola Austríaca, da qual revelaram-se como seus principais representantes, como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, é de natureza apriorística, isto é, não necessita de situações pontuais que afiram à uma propriedade em particular se esta cumpre ou não seus preceitos.
Mises já advertia do fracasso das sociedades socialistas, como a então União Soviética e seus países satélites, por que tais sociedades desconheciam o preço das coisas.
Em uma sociedade capitalista, a propriedade exerce seu papel como base para um sistema de trocas: se eu tenho duas maçãs, posso trocar uma delas por uma ou mais pêras do meu amigo, ou por um peixe, de outro colega. Quando tais operações são realizadas em termos de pura troca de mercadorias, damos a denominação de escambo.
Note-se que o escambo somente terá lugar se um dos amigos aceitar trocar, no caso de cada um, uma ou mais de suas pêras, ou um ou mais de seus peixes. O resultado, finalmente, será uma melhor satisfação de todos. Agora, suponhamos, eu tenho uma maçã e duas pêras; Se o dono das pêras já tivesse feito alguma troca com o proprietário dos peixes, eu poderia ter então possivelmente, uma maçã, uma pêra e um peixe, melhorando sensivelmente a minha dieta.
Para que tais relações de troca possam ser exercidas dentro de um campo tripolar, ou multipolar, utilizamos um meio comum, algo que possa ser aceito simultaneamente por todos, e que hoje é conhecido por dinheiro. Quando este bem comum serve de ponderação para o valor relativo de cada coisa, estabelecendo assim proporções diferentes para coisas diferentes, temos o que chamamos de preços.
Assim é que, por exemplo, um quilo de arroz não tem o preço que se verifica no supermercado, à toa. Seu preço deriva de todos os custos relativos à sua produção, somados a alguma parcela de lucro do vendedor, em contraposição de uma estatística de preferência dos consumidores. O agricultor somente irá plantar arroz se, prevendo com razoável grau de certeza seus custos, e sabendo qual o preço que a maior quantidade possível de pessoas estiver disposta a pagar por este produto, puder vislumbrar a oportunidade de extrair algum lucro desta operação.
Desta forma, podemos concluir que o preço, sendo resultado das trocas voluntárias e mutuamente benéficas, somente pode existir nas sociedades em que a propriedade privada dos meios de produção seja protegida, bem como atribuir a este fenômeno as seguintes funções:
a. Servir de estímulo à produção: imagine que alguém inaugure um serviço de dirigíveis, na região norte, para auxílio à atividade de extração de madeira ou de petróleo. Certamente, por fornecedor único, cobrará um preço bem alto, mas nem tanto que inviabilize a exploração econômica da madeira ou do petróleo, pois, de outra forma, estes operadores econômicos irão procurar outras soluções. Entretanto, até que venha a aparecer um primeiro concorrente, de forma que o preço venha a paulatinamente cair, as altas parcelas de lucro auferidas devem servir como prêmio à inovação do mercado. Se hoje tomarmos conta da riqueza de todos os países das Américas, inclusive os EUA, podemos reconhecer que o prêmio que Cristóvão Colombo recebeu por sua atitude inovadora, foi irrisório.
b. Servir de elemento informador ex ante facto da preferência dos consumidores, para a avaliação da possibilidade de produzi-lo: O agricultor somente irá plantar arroz se o custo da produção for menor do que o preço que as pessoas desejam pagar por ele.
c. Servir de elemento de avaliação ex post facto , para a correção de rumos na linha de produção. Se o preço do arroz aumentou, é porque mais pessoas estão precisando do produto, conseqüentemente, há de se produzi-lo em maior quantidade.
d. Servir como elemento de contínuo aprimoramento dos custos: neste aspecto, com a contribuição magistral de Friedrich Hayek, entra em cena a corrida tecnológica, como fator de melhoramento dos produtos e diminuição dos custos.
A União Soviética não tinha a menor idéia dos seus custos de produção, e fundamentalmente, quebrou, por distribuir produtos a preços inferiores a seus custos. As fábricas não produziam conforme pesquisas de custos de mercado ou de preferências dos consumidores, mas sim em função de dotações orçamentárias, assim como funcionam quaisquer repartições públicas. Havia órgãos que, arbitrariamente, atribuíam preços aos produtos, mas segundo critérios exclusivamente políticos.
Há notícias que a União Soviética já chegou a manter listas com mais de um milhão de preços, mas, quem quer que se detenha em uma única gôndola de um simples supermercado brasileiro, haverá de observar que os produtos ali expostos à venda, à parte da variedade que esta venha a expor para tal fim, são eles mesmos produzidos com uma infinidade de produtos antecedentes, e que lhes serviram de matéria-prima.
Como se vê, a propriedade, muito antes de começar a pertencer a alguém em particular, já se presta a uma função social fundamental, cujo princípio, por si só, já é mais do que suficiente para que o Estado se preocupe em defendê-la, dado que é a pedra fundamental de qualquer sociedade livre.
Mas, se ainda assim, alguém me perguntar quando uma propriedade cumpre a sua função social, eu vou dizer: quando produz a maior quantidade possível de produtos, com a melhor qualidade possível, e sob o menor preço possível. Só que isto, nenhum Estado será jamais capaz de mensurar. Somente os consumidores e a contínua concorrência é que são capazes de exercer este papel!

Socialismo Vs. Economia de Mercado



Por Ludwig von Mises

(Extraído em 24/01/2006 do Site do Instituto Liberdade, como o artigo do mês)

Traduzido pelo Instituto Federalista do Pará
URL do Instituto Federalista: www.if.org.br
© Instituto Federalista - 2005

Este foi o último discurso formal de Ludwig Von Mises,(1881-1973), pronunciado em 02 de maio de 1970, num seminário de Economia patrocinado pela Sociedade de Praxeologoia, Seatlle, Washington. Foi assistido por cerca de 600 professores, alunos e outros interessados. Este texto foi transcrito do audiotape por Betina Bien Greaves, e editado, primariamente para a sintaxe e pontuação, por Percy L. Greaves. Foi oferecido ao Instituto Mises pela Sra. Greaves e nunca antes apareceu impresso.



Senhoras e senhores:



É difícil dirigir-me a este grupo que já tem tido tantos excelentes oradores e que provavelmente ainda terá muitos mais no futuro. Mas eu não pretendo desperdiçar meu tempo com belas palavras de introdução. Eu desejo entrar no âmago das coisas, in media res, de modo a utilizar meu limitado tempo da melhor maneira possível.



Os seres humanos não são somente uma classe biológica. Uma classe de pessoas conectadas ou relacionadas umas às outras por fatores biológicos. Os seres humanos não são somente parentes uns dos outros; são também colaboradores. Eles não são apenas biologicamente interligados; eles são também, para usar um termo desconhecido há apenas algumas décadas atrás, uma classe “praxeológica”. Estão espiritualmente e intelectualmente unidos e ainda mais unidos no modo como vivem e trabalham. São colaboradores. Colaboradores não são apenas aqueles que cooperam uns com os outros. São pessoas que também, antes de cooperar, estão pensando da mesma maneira e desempenhando uma gama de tarefas pelas quais poderíamos denominar como sendo a unidade do grupo ou da classe.

Há muitos padrões de colaboração. Apenas um deles é conhecido das pessoas que crêem somente em pequenos grupos de pessoas que colaboram com um outro grupo. Estas pessoas vêem apenas a colaboração organizada. A colaboração a qual é conduzida por indivíduos que dão as direções aos outros para os seguirem. Este sistema organizado de colaboração é extremamente popular. É muito bem conhecido, especialmente, do ponto de vista político. É um sistema no qual os indivíduos estão integrados de um modo especial. É um sistema organizado, um sistema que nós podemos muito facilmente descrever. Este é o sistema conhecido hoje como “socialismo”.

Socialismo é uma cooperação entre pessoas, mas um tipo especial de cooperação. Há um indivíduo, ou um grupo ou uma classe de indivíduos, que fornecem as direções para todos os outros membros do grupo, para que em relação a estas sua cooperação seja total. No sistema socialista há uma vontade que determina tudo e todos; todos os membros do sistema têm de cumprir as ordens e resoluções feitas por um pequeno grupo ou mesmo um indivíduo que lidera a organização inteira. No mais elaborado sistema socialista que o mundo já conheceu até hoje, no teoricamente melhor elaborado sistema socialista, o líder foi chamado de o “führer”. “Führer” significa a “cabeça”, o “guia”. Sob o princípio do “führer”, um único homem determina onde e como o sistema inteiro tem de funcionar. Neste sistema há somente uma única vontade que determina tudo. Não há controvérsias. Há apenas a figura do líder, o “führer”, à frente. Aos outros cabem obedecê-lo e segui-lo.

Este sistema é muito bem conhecido. Pode ser muito bem e facilmente descrito. Mas é um sistema cujas conseqüências e efeitos são conhecidos por poucas pessoas, senão nenhuma. Sob o princípio do “führer”, sob o tipo de colaboração que chamamos de “socialismo”, sob uma sociedade “organizada” ou “planejada”, sob este sistema, há uma vontade central que determina tudo e a que todas as outras pessoas têm de seguir. Elas têm de obedecer. Elas são seguidoras. Certamente, sob tal sistema não há qualquer espécie de desperdício de ações e de forças, mas somente isto não significa nada. Isto significa apenas que nós temos de dizer que todas as outras pessoas não têm nenhuma vontade própria, nenhuma possibilidade, nenhuma oportunidade, nenhuma força, para influenciar a direção do sistema como um todo, a direção da cooperação e colaboração das pessoas.

O Socialismo é um sistema maravilhoso; é maravilhoso, muito bom, excelente, se nós aceitarmos as idéias do “führer” – se nós somente aceitarmos as idéias do “führer”, que lidera a coisa toda até o final. Mas é algo muito diferente se nós olharmos do ponto de vista da realidade. Na vida real, observamos que há muitas idéias diferentes, diferentes desejos e planos, diferentes indivíduos. Na vida real, observamos que estes indivíduos, a imensa maioria do povo, tornar-se-ia extremamente infeliz se tivesse de abandonar seus próprios desejos, planos e vontades e tivesse apenas de obedecer às ordens de outras pessoas. Este sistema, este sistema onde falta a liberdade para todos os indivíduos, exceto para um, poderíamos chamá-lo de sistema-prisão, se nós não tivéssemos cometido um erro fundamental, que é de fato a razão fundamental porque tantas pessoas aceitam as idéias do socialismo e a direção geral de todas as tarefas humanas.

As pessoas aceitam o socialismo do ponto de vista de suas próprias idéias. Elas estão inteiramente convencidas de que um sistema socialista irá proceder precisamente no modo pelo qual elas mesmas gostariam de proceder. Elas estão inteiramente convencidas que todas as outras pessoas deveriam ser forçadas a adaptarem-se a este sistema, o qual certamente elas consideram como o melhor e o único sistema possível. Quando falamos sobre o Socialismo nós assumimos, se estamos a favor dele, que o sistema socialista irá funcionar precisamente no modo pelo qual o indivíduo socialista quer que ele funcione. Nós então assumimos que este sistema, este método, irá trazer precisamente aqueles resultados e aquelas situações que este indivíduo apoiador da idéia socialista quer que sejam obtidos.

Se nós assumirmos que este sistema terá também a força para determinar tudo o que um indivíduo faz com respeito ao que são comumente chamados de “problemas religiosos”, nós deveremos assumir também que tal sistema de socialismo deveria adotar um sistema religioso específico. Isto faria com que todos os outros sistemas religiosos passassem a se tornar sistemas de minorias perseguidas.

Considerando-se as condições socialistas nós nunca pensamos que este sistema socialista poderia forçar as pessoas a fazer coisas que elas consideram as piores possíveis. Nós teremos, então, um estado de coisas que só podemos qualificar simplesmente como um Estado de “más intenções”. Pessoas crêem, pessoas dizem “sou a favor do socialismo”. Podem usar alguns outros termos sinônimos para a palavra “socialismo”, mas elas assumem para si que este sistema de socialismo será precisamente o sistema que elas mesmas consideram em qualquer hipótese como o único sistema que é bom, o único sistema que deveria existir. Elas assumem que todos os outros sistemas, todos os outros métodos de fazer as coisas, as boas coisas, as grandes coisas, as nobres coisas, e mesmo as coisas cotidianas, são métodos que elas não querem tolerar.

A idéia do Socialismo pode ser considerada por algumas pessoas como uma idéia muito bonita, maravilhosa e grande. As pessoas podem assumir que seria uma coisa maravilhosa se o mundo todo se dedicasse, se dedicasse inteiramente, a um único e definido método de trabalhar, pensar e viver, e rejeitar todos os outros métodos que, deixe-nos dizer, são ruins. Mas a questão será sempre, e esta questão, que nunca é considerada suficientemente, esta questão é: irá este sistema ser precisamente um sistema que eu posso apoiar, que eu irei apoiar, que eu quero apoiar?

O ideal do socialismo sempre teve conexão à firme convicção de que há apenas um único bom plano possível e que este único bom plano possível deva ser posto em prática, e que todos os outros planos de decidir as coisas sejam proibidos e considerados como ilegais, como irreais, como imorais, e assim por diante. A grande popularidade de que o Socialismo desfruta em largas esferas do mundo é devida ao fato de que as pessoas sempre acreditam que o Socialismo irá, certamente, apoiar somente as coisas certas e não as coisas erradas ou ruins, e que as coisas ruins serão proibidas. O que é bom e o que é ruim, o que está certo e o que está errado será, obviamente, decidido por “meus desejos”, “meus sentimentos”, pelo que “eu tenho em mente”.

A grande popularidade do socialismo consiste precisamente no fato de que as pessoas sempre consideram a si mesmas como membros da maioria dirigente, da força dominante do sistema socialista, e nunca como membros de um grupo cujo ato de pensar, sentimentos e ensinamentos não são permitidos, não são tolerados, não são aceitos pela maioria. Ademais, quando falamos em Socialismo sempre nos esquecemos que poderá acontecer sob o Socialismo que eu “não irei” pertencer aos membros da maioria ou do grupo que, embora minoritário, possui vários métodos técnicos com os quais conta para dirigir a todos e a força necessária para perseguir todos os dissidentes. As pessoas estão inteiramente convencidas de que este sistema será maravilhoso “para mim”, especialmente “para mim”. Elas não cuidam em pensar se também será maravilhoso para outras pessoas. Então a grande popularidade de tais sistemas consiste precisamente no fato de que as pessoas estão convencidas de que suas próprias idéias, seus próprios planos e seus próprios métodos são os únicos corretos e serão os únicos permitidos.

Vamos comparar este sistema de rígida monocracia com o sistema de economia de mercado, o sistema do liberalismo, o sistema em que qualquer um ou qualquer grupo são escolhidos por outras pessoas. Quando comparamos estes dois sistemas, vemos que há certamente sob o sistema de mercado um estado imperfeito de divisão de tarefas. As pessoas então perguntam porque podem tantas pessoas boas não aceitar o Socialismo? O que estas pessoas não vêem é que, visto do ponto de vista da cooperação humana, da coexistência humana, nós temos apenas um meio de trazer todos a uma unanimidade de pensar e agir, em qualquer ocasião, e isto se faz por proibir qualquer desvio e por perseguir as pessoas que estão se desviando do que é aceito por aqueles que detém o poder para forçar todos os dissidentes à sua submissão. Temos assim, portanto, que concluir que as condições humanas poderiam ter se desenvolvido de um modo muito diferente se houvesse sempre pessoas que tivessem usado a força para fazer suas próprias idéias, seus próprios métodos de agir e viver, supremos no mundo todo, e proibir quaisquer outros.

Temos, isto é verdade, uma saída. Devemos dizer que poderia ser que em qualquer parte do mundo, entre um grupo de pessoas, poderia haver um sistema, e entre outras pessoas um outro sistema. Isto significa um estado de coisas num mundo no qual haveria muitos estados independentes, e em cada um destes estados independentes um sistema diferente de estrito socialismo, ou estrita determinação pelo grupo dirigente de qualquer coisa que exista. Isto nos traria a um mundo de muitos grupos, provavelmente concorrendo entre si. Concorrendo entre si porque se você considerar certas coisas como sendo absolutamente necessárias, não irá tolerar o desenvolvimento de certas idéias por outros grupos além das fronteiras de seu próprio país. Que nós tenhamos uma civilização humana, que tenhamos realizado certos avanços no curso dos séculos é devido ao fato que um tal sistema geral, que dirija o mundo todo nunca foi realizado e nunca foi aceito, embora tenha havido muitos grupos no curso da história que tenham tentado realizar tal êxito.

Houve grupos que pensaram que eram seu direito e sua missão, usar o poder para forçar todas as outras pessoas à submissão. Houve muitas guerras deste tipo, guerras religiosas, em certas épocas, nas quais pessoas tentaram forçar um grupo de pessoas de diferentes religiões a submeter-se e a aceitar sua própria religião. Houve centenas e centenas de anos de batalhas relativas a tais questões. Finalmente, depois de tantas lutas e guerras, emergiu a idéia de que as pessoas são diferentes e que não é absolutamente necessário ter um estado de coisas no qual todas as outras pessoas sejam forçadas a comportar-se precisamente do modo que um certo ditador quer que elas se comportem. Então se desenvolveu o sistema de cooperação tal em que as pessoas podem cooperar porque são inclinadas às mesmas idéias. Não é necessário que as pessoas ajam precisamente no mesmo modo, comportem-se do mesmo modo e pensem do mesmo modo pelos quais outras pessoas fazem.

O que é necessário entender é o que nos trouxe até aqui, ao estado civilizatório, tal como o que conhecemos hoje. O que é necessário entender é o sistema de cooperação naqueles campos em que a cooperação é aceita pelos maiores e pelos menores grupos. Como resultado, nós temos tido, ao longo dos séculos, o desenvolvimento de sistemas que são baseados no que é chamado de troca. A troca deriva das palavras que em Latim eram tão freqüentemente usadas para descrever do modo mais simples, as condições características, do ut des – eu dou de forma que você deve dar – significando que eu dou de modo a trocar com você. No decorrer dos séculos, estas práticas trouxeram-nos a todas as condições que nós agora consideramos como a vida civilizada moderna.

Podemos dizer, certamente, que sob outras condições poderíamos estar melhor que sob o sistema de economia de mercado. Sob o sistema de troca de bens, ainda prevalecem muitas coisas indesejáveis que teriam desaparecido se, se! Um ser super-humano, não limitado de modo algum, tivesse tido o poder de organizar e comandar todos os afazeres humanos. Nós temos o sistema de mercado. Este sistema tem, nos milhares de anos da história humana, se desenvolvido num sistema em que as pessoas que estão preparadas para cooperar com alguma outra estão cooperando – um sistema em que as pessoas entram mesmo num tipo restrito de cooperação com outros grupos em cujas mentes outras idéias prevalecem. Nós temos um sistema em que eu posso fazer algo de forma a satisfazer outra pessoa de quem eu espero conseguir algo em retorno. Nós temos um sistema de troca de ações e de troca dos produtos dessas ações, e nós temos este sistema baseado nas trocas de serviços. Um homem cumpre um serviço na expectativa de receber um outro serviço daquelas pessoas a quem ele forneceu seu serviço.

Nós temos elaborado este sistema de trocas com a ajuda técnica do “meio de troca”. Não é necessário que alguém deva encontrar outra pessoa que esteja precisamente hábil a dar a ele o que ele procura e ao mesmo tempo que este deseje o que o outro simultaneamente tem a ofertar. É suficiente se nós pudermos elaborar um sistema tal pelo uso do então chamado “meio de troca”. O que tem sido feito, como todos sabem, é a elaboração do sistema de troca com o uso do “meio de troca”. Este sistema humano, como hoje existe no mundo inteiro, consiste no fato de que as pessoas estão fazendo algo de forma a receber algo em troca pelo que elas fizeram, como um prêmio por seus próprios serviços.

Este sistema tem se desenvolvido com o uso do “meio de troca”. Isto significa que as pessoas não estão sempre dando ou trocando exatamente o que elas produziram contra as coisas que simultaneamente querem consumir ou ter. É possível usar algum meio de troca que sirva como intermediário das trocas indiretas do grupo. Nós temos deste modo um sistema completo de civilização e ação humana que funciona satisfatoriamente.

Nós temos um sistema de economia monetária. Certas pessoas estão dizendo quão sujo, quão ruim, é fazer algo para alguém apenas por esperar algo deste alguém. Mas isto não é tão ruim, vocês sabem. É a condição em que a vida humana pode existir. É necessária, nesta situação, que haja um meio de troca, porque um homem que queira dar para receber algo, não terá sempre o que o outro homem, de quem ele quer receber algo, desejar como compensação. Nós temos, portanto, desenvolvido um sistema de meio de troca, um sistema de dinheiro, que faz possível ao indivíduo oferecer algo em troca por uma ação praticada por um terceiro, que é muito diferente dele em qualquer aspecto.

Passados muitos milhares de anos, nós temos desenvolvido um sistema prático em que as pessoas podem usar suas diferentes qualidades, suas diferentes tecnologias, suas diferentes habilidades e as várias coisas que eles encontram em seu ambiente geográfico, de forma a receber de outras pessoas outras coisas que elas querem ter ou obter. Nós temos desenvolvido desta forma um sistema de mercados.

O mercado, as pessoas dizem, é algo muito comum, você sabe. As pessoas perguntam: Por que dar algo a alguém somente quando você está esperando conseguir algo dele? Esta pode ser ou não uma objeção estúpida, mas o fato é que isto nos trouxe ao desenvolvimento da civilização humana da qual somos tão orgulhosos hoje. Por esta causa, temos galgado enormes progressos contra as condições que existiam nas eras passadas. Podemos dizer, como é vulgar dar a outro homem algo para beber somente porque esperamos algo em troca dele. Eu não quero dizer se isto é muito nobre ou se é muito vulgar ou não. É a base de nossa civilização a troca de bens e serviços. É a troca de bens e serviços que trouxeram a nossa civilização ao estágio que conhecemos. Esse sistema tem apenas uma alternativa. Esta alternativa é o “Princípio do Füehrer”. O “Führurtum”, um sistema com um ditador central que faz cerca de tudo por punir uns e recompensar outros. Esta é a única alternativa ao nosso tão vulgar sistema de mercado – um sistema em que as pessoas estão sempre tentando obter algo melhor por meio de dar algo e recebendo o pagamento por isto. No nosso sistema comum, você deve ser livre para retribuir serviços tanto quanto você possa retribuí-los e receber um prêmio por eles. Este sistema de mercado que nós temos pode não ser tão nobre do ponto de vista de uma hipotética nobreza, mas é o sistema que nos tem trazido todas aquelas coisas que nós conhecemos e temos hoje. Conseguiu afastar muitas doenças e prover para as pessoas doentes e para aquelas que, por quaisquer outras razões, são impossibilitadas de fazer algo. É um sistema em que elas também podem viver e aproveitar a vida. Tudo isto é devido ao fato de que nós criamos este maravilhoso sistema de mercado.

Nós criamos este mercado mundial que faz possível que alguém que adquira uma doença na Europa possa encontrar a cura, a única cura disponível contra a sua doença. Esta cura está disponível até mesmo se for necessário viajar milhares e milhares de milhas e fundar muitos estabelecimentos, pelo que sua construção deve ter levado anos ou mesmo décadas. Estabelecemos este maravilhoso sistema em que, logicamente, apenas as pessoas que estão saudáveis e têm a força podem ativamente participar. Mas nós temos este sistema conectado com outro sistema que faz também possível dar e prover para aqueles que não estão em posição de prover por si mesmos.

Nós temos, além do mais, um sistema em que nós temos de dizer que o centro de nossas atividades é o “do ut des”, ou “eu dou de forma a receber algo”. Neste sistema, estabelecemos um meio de troca por razões técnicas porque isto faz estas trocas possíveis. Este sistema, com seu uso de um meio de troca, o dinheiro, requer certas regras especiais de modo que nós não perdemos os créditos que procuramos conservar. Podemos, além do mais, dizer que, há milhares e milhares de anos atrás, a humanidade iniciou-se com níveis muito baixos de vida, com coisas muito simples, com absoluta ignorância de todas aquelas coisas que hoje consideramos as mais altas da vida. Nestes milhares e milhares de anos a humanidade tem desenvolvido este sistema em que existem muitas e muitas coisas que hoje podem ser consideradas como inteiramente satisfatórias. Entretanto, mesmo dentro da visão destas muitas coisas muito satisfatórias, ainda prevalecem hoje muitas coisas que ainda permanecem muito insatisfatórias. Mas temos visto que este sistema desenvolveu-se etapa por etapa do fato de que os indivíduos têm se deparado com alguns métodos de se fazer algo sob condições insatisfatórias, fazendo estas condições muito insatisfatórias tornarem-se menos insatisfatórias, senão plenamente satisfatórias.

Este sistema é baseado no mercado. É baseado nas trocas do mercado com o uso de um meio de troca. Tal meio de troca é necessário de forma a fazer com que pessoas possam fazer aquelas coisas que hoje consideramos após milhares de anos de desenvolvimento, como absolutamente necessárias e absolutamente satisfatórias. Não estão as pessoas, portanto, justificadas quando tratam com menosprezo as condições do mercado de trocas, do dinheiro, de vender coisas ao maior preço possível que possa ser recebido, como se todas estas condições absolutamente necessárias pertencessem às mais simples coisas da vida justo porque algumas condições no mundo encontram-se insatisfatórias. Fazer as coisas mais satisfatórias requer em muitos casos que tais coisas sejam exigíveis, de modo que alguém tenta conseguir o melhor que possa ser recebido em razões de troca, e assim por diante.

Certamente nós não alcançamos um estado ideal das coisas. Não podemos alcançar este tal estado ideal das coisas porque as condições no mundo são tais que os homens têm de trabalhar para alimentar a si mesmos. Isto pode significar, deixem-nos dizer, menos agradável que simplesmente aproveitar a vida sem nenhuma necessidade de trabalhar. No sistema que temos desenvolvido, o meio de troca, o dinheiro, desempenha um importante papel. Este desempenha uma função que não pode, no horizonte que podemos enxergar, ser substituído por qualquer outra coisa. Além do mais, não podemos dizer que as condições do mundo não são muito satisfatórias porque você tem de tentar barganhar, porque você tem de tentar trocar, o que você tem contra outras coisas que você quer adquirir, e assim por diante. Alguns dizem que isto não é lá muito agradável, que isto pertence ao mais baixo nível da vida e das atividades humanas. Isto não é verdade.

Todas as grandes coisas que os homens criaram, as artes, todas as coisas nobres que os homens têm feito, as ajudas dadas às pessoas que precisam de ajuda, as ajudas dadas às pessoas que estão em más condições, todas estas coisas seriam impossíveis se nós não tivéssemos desenvolvido no curso dos séculos um sistema de mercado no qual evoluímos mais e mais os métodos de preservação da vida humana, fazendo-a mais pura e mais satisfatória tanto sob o ponto de vista ético como do artístico. Além do mais, se estamos colocando em contraste as más condições do mundo com os ideais que nós temos em nossas mentes sobre um mundo mais alto e requintado, devemos dizer que tais comparações não têm nenhum valor.

O que tem feito as pessoas melhores, o que tem dado às pessoas melhores condições e o que tem criado todas aquelas coisas que hoje consideramos como o orgulho das realizações humanas, não são devido a algumas declamações, alguns discursos, alguns sonhos sobre um mundo melhor, ou alguns esforços para realizar um mundo melhor pela força das armas. O que trouxe todas estas coisas foi o afiado trabalho diário das pessoas, os esforços destas para melhorar suas próprias condições pelo trabalho duro e fazendo coisas que eram desconhecidas em épocas passadas, e até mesmo a elas próprias em tempos anteriores recentes. Além do mais, devemos dizer que o sistema de mercado, o sistema de produzirmos algo com o propósito de dá-lo a alguém, mas somente em contrapartida de recebermos deste, algo para a melhoria de nossas próprias vidas, este sistema de mercado pode ser considerado um sistema muito vulgar, mas ainda é um sistema muito necessário. Tal sistema não pode se comparar com certas manifestações da vida humana nas artes, na religião, na filosofia, e assim por diante, mas é este sistema que nos tem suprido de tudo. É este sistema que tem convertido as pessoas, cujos ancestrais estavam vivendo numa escala da vida que nós podemos hoje considerar extremamente insatisfatórias, em descendentes que estão continuamente comprometidos com as idéias de melhorar as condições por trabalhar mais e mais, por estudar as condições da natureza mais e mais e por encontrar métodos cada vez melhores para combater aquelas coisas que consideramos insatisfatórias. Este é o caminho correto para os homens viverem. Portanto, se algumas pessoas dizem que tudo nesta terra é ruim e que as únicas coisas satisfatórias do ponto de vista de uma filosofia superior é retirar-se do trabalho ativo e viver como anacoretas, nossa resposta a estas pessoas é “ Não!”.

Olhem ao redor e onde vocês virem até a menor das melhorias das condições, vocês podem dizer que isto é o efeito das intenções e dos trabalhos de nossos ancestrais. Nós temos apenas um método de melhorar as condições. Isto é, fazendo o mesmo que eles fizeram, tentar conseguir mais e mais, melhorar nossas condições mais e mais.

Obrigado.

O buraco da palmeira




por Klauber Cristofen Pires em 13 de março de 2005


Semana passada, necessitando locomover-me ao centro comercial de Belém, optei por estacionar meu carro no estacionamento recentemente inaugurado pela Prefeitura. Deparei-me com uma obra bem construída, com rampas para descida e subida dos veículos, e outra para pedestres. Era uma manhã de sábado e, apesar de o centro estar bastante movimentado, não contei mais de vinte carros no local que fora projetado para abrigar centro e trinta. Não seria culpa da taxa de estacionamento, bem mais barata (R$ 1,00 por hora) do que os estacionamentos rotativos do centro, que cobram, em média, cerca de R$ 2,50 por hora. Do lado de fora, alguns brinquedos, destes típicos de praças (gangorras, escorregadores, etc.), e algum ajardinamento.

Uma das últimas obras realizadas pelo governo passado sob a administração do PT, o então batizado “Largo da Palmeira” foi construído onde antes se situava tradicional panificadora cujo nome era “Palmeira”, detalhe que parece, à primeira vista, insignificante, mas que pode ter se revelado como fundamental para a realização da obra. O que restara da extinção da fábrica foi tão somente um fosso, aberto em meio ao centro, com uma área equivalente a um pequeno quarteirão. Contudo, depoimentos de amigos e as fotos da época demonstram que o estabelecimento gozava de fama e reputação, fosse pela qualidade de seus produtos, ou pelas suas linhas arquitetônicas, as quais guardariam certa correspondência com o famoso “Café Colombo”.

Muito possivelmente a extinção da fábrica tenha criado um profundo sentimento de perda, cuja marca, a de um feio e abandonado buraco, servisse como uma campainha psicológica, a despertar diariamente a melancolia dos cidadãos, principalmente entre aqueles que vivem no centro desde seus áureos tempos. Aos leitores que me lêem em outras cidades é preciso esclarecer que os belenenses, em geral, são pessoas profundamente afeitas à sua cidade, à sua cultura, e às suas tradições. Não imagino, portanto, qual seria outro motivo que movesse sucessivas campanhas eleitorais, durante cerca de trinta anos, com propostas de melhoria para aquele local - finalmente implementada pelo último governo - mesmo porque, quarteirões abandonados, buracos, ruas que alagam e outras mazelas, existem aos montes, sem que se tenha disso igual preocupação...

A história da ex-fábrica-buraco-estacionamento gerou-me certa curiosidade e alguns questionamentos. Por exemplo, quanto teria custado tal empreendimento? Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a obra custou R$ 1,7 milhão de reais. Parece-me uma extravagância, em se tratando de um estacionamento.

Prosseguindo: considerando-se o retorno auferido pelo preço de estacionamento, e computados os custos com manutenção, luz, água, esgoto e funcionários, em quanto tempo haveria o retorno? Bem, isto dependeria da taxa média de ocupação que vier a ser verificada. Por exemplo, satisfeita uma ocupação média razoável de 400 carros-hora por dia, ao cabo de um ano de 286 dias (52 semanas de 5,5 dias cada – sábado à tarde e domingo fechado), com 50 % de custos, teremos uma renda anual de R$57.200,00, ou seja, trinta anos!

Neste momento, possivelmente eu receberei as vaias dos menos desatentos, por ousar reclamar contra um serviço que é oferecido mais barato. Advirto, entretanto, que o preço que se pratica na mesma área urbana, em geral, de 100% a 200% maior, reflete tão somente o equilíbrio de duas forças opostas: a disposição dos usuários em pagar o preço oferecido e o custo pela manutenção do empreendimento. Se o preço subir demais, na avaliação de cada usuário, certamente ele desistirá de utilizá-lo. Por sua vez, se for muito baixo, os estacionamentos serão desativados. Mas o mais importante, é que este custo é pago integralmente por quem efetivamente o utiliza, o que não é o caso do nosso estacionamento público. Até quando o que foi gasto vier a ser recuperado, quem estará pagando pelo estacionamento de preço sub-faturado serão, sobretudo, os paraenses que não possuem carros ou que, possuindo, normalmente não se dirigem ao centro.

Há um outro fato de extrema relevância a ser considerado: os estacionamentos privados da área afetada pagam seus funcionários, seus impostos, e os custos de manutenção, mas estão recebendo concorrência desleal por parte do Governo Municipal, aliás, rechaçada pela própria Constituição, que em seu art. 173, caput, determina: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”(grifos nossos). Relevante interesse coletivo? No caso em tela, já havia, justamente ao lado da nova obra pública, um estacionamento privado, que agora deve estar amargando prejuízo...

O site da SEMMA traz ainda outras informações preocupantes, tais como: “Mais de 20 flanelinhas que atuavam na área criaram uma cooperativa para administrar o estacionamento junto com o Conselho Gestor, formado pela Semma, Secon e representantes dos comerciantes”. Ora, a reputação dos flanelinhas do centro de Belém junto à população local não é lá das melhores, tendo sido, inclusive, motivo de reportagens televisivas acerca de constantes ocorrências policiais. Ademais, salta aos olhos que não estão exercendo a atividade mediante ingresso por via de concurso público, como seria o mínimo a esperar de um governo que se propõe a ser igualitário. A conseqüência direta desta ação foi a de privilegiar possíveis delinqüentes em detrimento de pessoas humildes, que, mesmo em estado de necessidade, têm militado na senda da honestidade. Ademais, se a atividade está sendo explorada por uma cooperativa de flanelinhas, quem, de fato, será o responsável pela guarda dos veículos, em caso de roubo ou avaria?

Outra: “Na parte mais alta, foi construída uma pequena praça, denominada "Calçadão do Trabalhador", com capacidade para 48 ambulantes cadastrados pela Secon; será uma via de ligação entre a Igreja do Rosário e a de Santana. Os trabalhadores do mercado informal localizados no entorno do Largo estarão comercializando industrializados, importados, bijuterias, confecções, artesanato e lanche. Haverá ainda a venda de comida típica no local”. A solução para o problema dos camelôs, sobretudo nas cidades grandes, requer medidas concretas e que passem ao largo da paixão ideológica. Sabe-se que muitos deles são pessoas premidas pelo desemprego, que por sua vez, é fruto da combinação de uma carga tributária sufocante, de juros extorsivos e de uma burocracia de hospício. Sem inocência, sabe-se igualmente que outra parte age como ponta de arrojadas redes de distribuição, cujo único escopo é manterem-se na linha da sonegação fiscal. Dentro deste cenário, tolerar o comércio irregular, baseando-se em critérios de razoabilidade e de humanismo, pode ser explicável. Coisa muito diferente, entretanto, é privilegiar a atividade com a dotação de um espaço nobre, caro e custeado justamente por aqueles que sofrerão esta concorrência desleal e ilegal. Certamente, esta é a receita certa para mais desemprego e mais decadência no centro de Belém.

O estacionamento rotativo, com entrada pela 1º de Março e saída pela Ó de Almeida, tem como objetivo reduzir o fluxo de carros particulares no centro histórico. Se este é o motivo, pode ser que o tiro acabe por sair pela culatra. Há experiências bem sucedidas no exterior, e mesmo em outras capitais brasileiras, que passam justamente em via contrária, ou seja, a de transformação das ruas destas áreas mais antigas em calçadões, privilegiando-se os transeuntes a pé e as formas de transporte coletivo, principalmente o metrô. Adicionalmente, a revitalização do nosso querido centro poderia passar, antes que por obras caras, por um programa continuado, que utilizasse como recursos não mais do que os impostos coletados da própria área a ser beneficiada, de modo a não causar gravame aos demais cidadãos. Um programa que reduzisse a insuportável poluição visual e sonora; que restaurasse nossas perigosas calçadas; que limitasse a ação dos camelôs, ambulantes e pequenos delinqüentes; e que resultasse em uma coleta de lixo mais eficiente. Veneza não atrai mais turistas do que o Brasil inteiro por conta de grandes obras. O que os turistas lá procuram não é o estado, mas a sociedade; procuram “respirar” o ambiente histórico e cultural que se revela nas construções rústicas, nas vielas, nos canais e no “modus vivendi” dos venezianos, tudo dentro de um esquema de limpeza, segurança, organização e fidelidade arquitetônica.

Geralmente, quando uma obra ou ação do Estado é concluída, nossos olhos nos traem para o que vemos, sugerindo-nos orgulho e estupefação. Mas a verdade nos diz que levaremos uma geração para pagar uma obra de fins, utilidade e efeitos questionáveis, enquanto falta atendimento de qualidade em nossos hospitais, asfalto nas nossas ruas e emprego para nossa gente. A finalidade deste artigo é, portanto, alertar que por trás do muito que se vê, na maior parte das vezes, como demonstramos com este exemplo, há muito mais do que não se vê!

Conselho, para quê?

por Klauber Cristofen Pires

Publicações: Mídia Sem Máscara, Blogs Coligados, Parlata, Diego Casagrande, OEstadual.com, O Guaruçá .

Desde a década de trinta, sob a atmosfera do Estado Novo de Getúlio Vargas, de inspiração fascista, começaram a ter existência os chamados “conselhos”, ou “ordens”. A primeira entidade desta natureza foi a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em 1930, seguida pelo CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura), que abrange engenheiros, agrônomos e arquitetos, e também geógrafos, geólogos, meteorologistas e seus tecnólogos e técnicos. Hoje, diversas profissões são regulamentadas por instituições tais como o Conselho Federal de Medicina, o de Farmácia, o de Contabilidade, o de Administração, a ponto de, no limite do absurdo, existir até mesmo uma Ordem dos Músicos do Brasil.

Os conselhos ou ordens, são revestidos de personalidade jurídica de direito privado, com delegação do poder público para regulamentar as profissões, selecionar seus profissionais, conceder atribuições a atividades, fiscalizá-las e, obviamente, cobrar taxas e multas. São autarquias, isto é, são organismos de Estado mas geridos por particulares oriundos das respectivas classes profissionais.

A atual Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, anuncia - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Contudo, vigora em nosso país uma bizarra Ordem dos Músicos do Brasil que, dentre outros absurdos, tem o poder de atribuir competências a músicos, cantores e maestros, cobrar-lhes taxas e mesmo aplicar multas ou pedir a prisão a quem ouse tocar um violão em público sem ter diploma e estar inscrito como seu membro - com a anuidade em dia, claro...

Da mesma forma, declara a nossa Carta Magna que: Art 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A OAB (o CFA pretende, em breve, fazer o mesmo) impõe um “exame de ordem”, sem o qual o bacharel de Direito não pode advogar. Se a um profissional, para que possa exercer o seu ofício é exigido estar registrado em seu conselho de classe, sendo que, para poder entrar, deve prestar um exame de suficiência e depois, ainda por cima, pagar compulsoriamente taxas e anuidades, qual a utilidade da universidade? Serão os diplomas – reconhecidos pelo mesmo Estado que impõe o exame de ordem - documentos inidôneos?

Acompanhemos a CF/88 mais um pouco:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

Se os conselhos são habitados por profissionais de uma classe e que deliberam sobre assuntos correlatos, então obviamente os conselhos são associações, ainda que de inscrição compulsória, contrariando assim os incisos supra-mencionados. No caso do inc. XVIII não apenas se vê a interferência estatal – tais entidades são o próprio Estado!

Não obstante, não cessa a questão sob a ótica utilitarista: conforme estas próprias entidades têm declarado ostensivamente, também têm exercido atividades políticas que extrapolam de seus estatutos e regimentos! Ou seja, a sociedade está abrigando entidades que, exercendo o jus imperis estatal, decidiram abertamente exceder da parcela de poder delegada para atuarem em âmbito político, à revelia da população do governo eleito.

Quando um “conselho” declara abertamente influir na política, é lógico inferir que deva manter um pensamento político majoritário, senão hegemônico. Adianto-me, dificilmente será de natureza liberal, sob pena de cair em contradição existencial. Se este fato pode ser encontrado, mesmo que por pura hipótese, então é de se perceber que, no “exame da ordem”, tal viés ideológico encontrar-se-á presente nas questões. Ora, em ciências tais como o Direito, pertencente ao rol das ciências sociais, as questões certamente serão formuladas com base em tendências políticas abraçadas pelos que comandam a cúpula destas entidades. Desta forma, inegável concluir que não haja um monitoramento ideológico, com prejuízo aos oriundos de universidades onde determinadas posições possam ser divergentes e, pela monotonia do pensamento, a toda a sociedade.

Ademais, como pode, por exemplo, a CFM, dizer que “ao defender os interesses corporativos dos médicos, a CFM empenha-se em defender a boa prática médica, o exercício profissional ético e uma boa formação técnica e (sic) humanista...”? Que tem a ver as condições remuneratórias ou relativas a determinados privilégios de mercado com a atuação qualitativa de cada médico, em particular? Estarão os interesses corporativos dos médicos permanentemente alinhados com os da população? Creio que não. Afinal, são fartas as notícias tendentes a demonstrar justamente o contrário...

A SOLUÇÃO LIBERAL

O primeiro argumento a ser apresentado pelos defensores destas instituições é o de que a sociedade ficaria à mercê de profissionais não capacitados, ou mesmo de falsos profissionais. Contudo, jamais tais entidades evitaram que, entre seus associados, não houvesse os picaretas, ou pelo menos, os medíocres e incompetentes.

Tal como soe acontecer com o “conselho” que passará a fiscalizar o Poder Judiciário, tais detratores da sociedade livre simplesmente defendem que um pequeno grupo de escolhidos saiba mais o que seja melhor para todos. E assim propõem estas instituições bizarras e anacrônicas, tal como recentemente o fizeram em relação ao “Conselho Federal de Jornalismo”, como se nossa sociedade já não contasse com instituições legítimas, públicas ou privadas, tais como os órgãos policiais, o Ministério Público, a imprensa, os advogados, ou mesmo associações privadas de fins diversos.

Este artigo pecaria pela pobreza se, ao propor a extinção desta “sociedade de trincheiras”, não apresentasse uma solução alternativa: as sociedades classificadoras.

Sociedades classificadoras são entidades de certificação técnica. Embora privadas, isto é, destituídas de poder estatal, desenvolvem normas técnicas e de procedimentos cuja observância, apesar de voluntária, não é descuidada. As sociedades classificadoras tiveram início com a Marinha Mercante, sendo a mais antiga o “LLoyd Register”, fundado na Grã-Bretanha, em 1760. Outras, semelhantes são o ABS (American Bureau of Shipping), o Bureau Veritas e o Det Norske Veritas, entre outros. Atualmente, as sociedades classificadoras expandiram suas atividades, atuando em plantas industriais, oleodutos, linhas férreas, construção civil, etc.

Neste sistema, prevalece um equilíbrio de salvaguarda de interesses, onde a tradição e a confiança são o maior patrimônio. Por exemplo, os armadores submetem seus navios voluntariamente à normatização e fiscalização periódica destas sociedades e às suas custas, pois sabem que disto depende a conquista de bons contratos de frete, menores custos de seguro e mesmo o acesso a determinados portos. Ser rebaixado na lista de uma sociedade classificadora, ou mesmo ser desclassificado, implica em enorme prejuízo!

Imagine se, por exemplo, pudessem os engenheiros exercer livremente suas profissões e seu direito de livre associação. Haveria os independentes, isto é, aqueles que optariam por não aderir a nenhuma associação. Mas, pode ser que alguns engenheiros decidam organizar-se com o fim de buscarem melhores resultados, por meio de desenvolvimento e padronização de determinadas técnicas e procedimentos, de modo a criarem assim um diferencial mercadológico. Assim, com o passar do tempo, diferentes associações, abarcando uma variedade de filosofias, ganhariam vida e permanentemente julgadas pela sociedade. Algumas mais sofisticadas – e mais caras – abrigariam profissionais de renome, aptos a executarem grandes obras, enquanto outras, mais simples, abrigariam os novatos aptos à obras mais simples.

O interessante a ser verificado nesta simulação é observar a diversidade de filosofias e estilos, como, aliás, justamente acontece com as sociedades classificadoras. Em muitas áreas profissionais, determinadas técnicas e procedimentos são razoavelmente ponderáveis em relação às vantagens e deficiências que possuem, de modo que a escolha por um ou por outro deve ser levada em conta, objetivamente, segundo os mais diferentes critérios que nortearão o estilo e a filosofia de cada sociedade.

Um outro aspecto, de fundamental importância, é o relativo à mudança de objetivo destas instituições. Enquanto nossos conselhos foram criados para, confusamente, defender simultaneamente os direitos dos profissionais e os da sociedade(?), e acabaram extrapolando para a tagarelice política, estas associações comprometem-se com sucesso de todo um processo de empreendimentos. Assim, o corporativismo cede seu lugar ao profissionalismo e à clareza das responsabilidades.

Veja-se, por exemplo, como seria muito mais fácil processar um médico. No modelo atual, o paciente prejudicado dificilmente poderá contar com algum médico que abalize suas denúncias, pois todos estão comprometidos com o mesmo CFM, do qual temerão retaliações de natureza corporativista. No modelo de associações privadas, havendo entre estas uma saudável competição, este problema inexistiria.

Concluindo: os conselhos ou ordens, não existem senão para, em primeiro lugar, manter burocratas às custas de taxas pagas por quem trabalha; em seguida, para defender interesses corporativistas às custas dos desempregados. Não defendem a sociedade que os carrega como um fardo e, pior, trabalham contra ela.