Páginas

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

E o Feitiço Virou Contra o Feiticeiro...



Publicado no site do Instituto Liberdade


Por Klauber Cristofen Pires

Segundo os defensores das doutrinas socialistas, o sistema de livre-mercado é injusto, por promover a miséria e as desigualdades sociais. Argumentam com base no conceito da "mais-valia", segundo a qual o lucro do empresário seria corresponderia a uma apropriação indevida do trabalho do empregado – um roubo - portanto. O valor de um produto acabado, a partir deste conceito, seria a soma da matéria prima com a quantidade de trabalho exercida sobre esta. Como o empresário se apossa de parte deste valor agregado, naturalmente, estaria a usurpar o trabalhador, quando lhe retribui apenas o necessário à sobrevivência.

Admitindo-se - por convenção - a validade desta teoria, explica-se a intervenção estatal, quando se posiciona a favor do trabalhador, com a finalidade de compensar a fraqueza deste em uma relação vista como uma fórmula de soma zero (o que um ganha, outro perde). O Estado, monopolista do direito do uso da força e da coerção, desta forma, exerce-o, em nome do que entende ser o bem comum.

Inegavelmente, e desde há tempo, os defensores desta corrente de pensamento têm conquistado a hegemonia no seio da elite intelectual e política brasileira, fato que, obviamente, haveria de se refletir nas estruturas de nossa sociedade. Não por coincidência, o século vinte foi pródigo em
governantes e legisladores que têm se revezado no mister de criar garantias e benefícios cujo objeto fosse a proteção dos trabalhadores ou a elevação do seu bem-estar.

Garantias e benefícios que hoje se espalham a partir da atual Constituição, ultrapassando os mais de mil artigos de um código, na forma de várias outras leis esparsas. A estrutura estatal criada em torno da defesa da questão do trabalho, nunca antes comparável, compreende hoje tribunais e procuradores especializados, um ministério com delegacias em praticamente quase todas as cidades médias e grandes, e uma gama de outras secretarias e órgãos em níveis federal, estadual e municipal. Difícil imaginar que ainda venha a caber mais alguma coisa, conquanto que, em se tratando da criatividade de políticos sedentos de poder e votos, nada deva surpreender.

Entrementes, conquanto a evolução de copiosa legislação e de notável máquina estatal espelhe, pelo menos em tese, a preocupação com as relações e condições relativas ao trabalho, o mesmo não parece ter ocorrido com a onerosidade crescente, surgida como conseqüência deste processo. De fato, tão somente hoje começa a ganhar algum sopro de vida qualquer questionamento sobre o custo que acompanha os salários e o emprego, muito menos por iniciativa dos que instituem impostos, do que propriamente por aqueles que lhes suportam com crescente sacrifício.

Estranha Constituição essa: ao mesmo tempo em que repudia a criação de emendas "tendentes" a abolir a forma federativa de estado, ataca o federalismo ela própria, ao reservar privativamente à União, de forma desajuizada e inexplicável, a maioria das matérias legislativas, entre as
quais, a do Trabalho. Este fato explica em parte a facilidade com que nossos legisladores sentem-se à vontade quando se trata de editar leis que destoam das realidades regionais e locais, vez que o poder, mais distante do crivo da sociedade, sente-se mais seguro e, por conseguinte, age de forma mais inconseqüente.

Contudo, o absurdo peso sobre os contribuintes - empresários e trabalhadores - não se evidenciaria senão quando os próprios governos começaram a sentir na pele as conseqüências da incúria, desmascarados que foram por ocasião do fim dos tempos de inflação e de dinheiro externo abundante. Destarte, novas realizações de despesas passariam a depender do aumento de tributos, o que, de fato, ocorreu. Ainda assim, o caráter impopular e as recentes reações da sociedade têm informado os últimos governantes a pautarem-se por uma busca de maior eficiência no tocante ao gasto público, e, neste cenário, as empresas de terceirização de serviços apareceram em destaque.

Ao contratar serviços terceirizados, o Estado arca com todos os custos que teria com a contratação direta de servidores, tais como seus salários, encargos, impostos e provisões, além, de obviamente, a parcela de lucro da empresa intermediadora. Isto significa, na prática, que a Administração pagará por um servente, por exemplo, um valor contratual próximo de R$
1.000,00, sendo o salário efetivo de R$ 300,00, quando, sob condições mais flexíveis, este poderia ser empregado diretamente por, digamos, R$ 600,00.
Mas, sob as condições atuais, tal contratação revela-se vantajosa, vez que afasta a possibilidade da estabilidade do trabalhador, com todos os seus custos inerentes, e, não menos, também o fantasma da imprevisão das ações trabalhistas.

Vê-se, pelo exposto, como o cipoal normativo criado pelo Estado acabara por enlaçar suas próprias pernas, e a virá-lo de cabeça para baixo: já não mais podia suportar aquilo que criara com destino à iniciativa privada, e tampouco, arcar com o paternalismo de uma justiça que, criada com inspiração na ideologia fascista, sofre ao tentar convencer de sua imparcialidade (não à toa, freqüentemente as normas internas que regulam as licitações orientam a evitar-se o uso de termos e expressões comprometedoras, que venham a possibilitar uma interpretação no sentido da existência de um vínculo empregatício direto entre a Administração e os trabalhadores...).

Empresas de terceirização de serviços, em um país onde prevaleçam livres ajustes, prestam alguma função econômica, conquanto sabe-se que sua contribuição à geração de riqueza seja não mais que residual. No Brasil, ao contrário, tais empresas crescem e se multiplicam, tendo como levedo os altos encargos, a burocracia labiríntica e a insegurança jurídica.
Que paradoxo: o Estado brasileiro, social e centralizador, que tanto fez, a pretexto de proteger o trabalhador, acabara por se tornar o maior patrocinador de um negócio cujo objeto é, literalmente, explorar a mão-de-obra alheia!

Klauber Cristofen Pires é Coordenador do Instituto Federalista do Pará.