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terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Respeito vs. Tolerância



Publicado no site do Instituto Liberdade; DiegoCasagrande.com.br ; Parlata; Manausonline.com; O Guaruçá .


Por Klauber Cristofen Pires


Foi nos primeiros anos da minha adolescência que ouvi este termo, que, da maneira como fora usado, guardou-se me na memória até hoje: “tolerância”. Foi nos tempos de colégio, e a palavra apareceu em meio a um dos debates que se promoviam em aulas de Religião. O tema possivelmente se desenvolvia em torno da violência, que, embora nem se comparasse com a verificada nos dias de hoje, já dava seus sinais de que lhe sobrava fermento. E foi mais ou menos assim, quando uma colega de sala havia dito algo como ser a causa da violência a falta de “tolerância” das pessoas.
Curioso como, duas décadas depois, a minha memória fosse reivindicar os registros de um fato tão corriqueiro, ainda mais quando, àquela época, não tinha guardado, pelo menos conscientemente, a mínima hipótese de um dia utilizar-me de seus serviços. Quem por primeiro a teria exalado dos pulmões? Palavra nova, chique, moderna... Divertido foi ver como se propagou entre a turma, com os mesmos modismos de uma mochila ou tênis novos. Até então, só se falava em “respeito” ou coisa assim... Respeito cheirava a velhice, cafonice, temor, repressão...Não! Tolerância caía muito melhor!
Hoje percebo como “tolerância” tem paulatinamente tomado o lugar de “respeito”. “Tolerância” não é mais o neologismo dos adolescentes, dito com aquele ar de inocência e boa-fé de uma colega de sala do passado. Hoje, tolerância é “termo” recorrente na mídia, pronunciada por dirigentes de ong’s em programas ditos culturais ou por políticos em discursos inflamados; tolerância é algo que não mais se propõe, mas se exige.
Talvez a maioria das pessoas não perceba a mudança que se operou desde a troca. Mas há, e embora, sutil, as conseqüências da mudança são enormes, e um simples exemplo pode ser suficiente para as atestarmos: por respeito, eu evito fazer demasiado barulho em minha casa, a fim de não incomodar os vizinhos; por tolerância, os vizinhos é que devem aturar as minhas festas ruidosas. Há uma nítida transferência de responsabilidade, do sujeito ativo (aquele que executa uma ação danosa ao próximo) para o sujeito passivo (aquele que a recebe).
Um fenômeno recorrente desta mudança se verifica também quando se percebe como, cada vez mais, as pessoas estão transferindo seus problemas sociais para a coletividade, e com uma naturalidade cada vez maior: o funcionário que chega atrasado ao trabalho, de forma contumaz, alegando uma dificuldade pessoal qualquer, ilustra esta afirmativa. Ele já não entende que precisa acordar mais cedo, mas que o patrão é que tem de entender que ele “mora longe”, ou coisa parecida.
Se antes cada pessoa procurava resolver seus próprios problemas, e assim tudo ficava um pouco mais fácil para todos, hoje todos os problemas se acumulam em meio a todos e a ninguém ao mesmo tempo, resultando assim em uma inoperância geral, e mesmo, em uma incredulidade reinante na possibilidade de resolvê-los.
Mas, o que de mais cruel resulta desta transferência de responsabilidades, não é simplesmente a ofensa dada. Se eu evito fazer algo de nocivo ao meu semelhante, as minhas ações não ultrapassam os limites de minha pessoa, e podem ser assim entendidas como “completas”. Desta forma, em uma sociedade em que os cidadãos se respeitam, cada um, adotando uma postura de auto-disciplina, de modo a não ofender os direitos do seu próximo, torna-se soberano de sua própria vida.
Tal não é o mesmo com a ação de um indivíduo que opera com base em princípios de uma sociedade de “tolerância”. A ação deste indivíduo não se completa em si mesmo, mas no seu semelhante, que será o ofendido. Daí existir uma cobrança, e, por conseguinte, uma vigília sobre o destinatário desta cobrança. Como resultado final, teremos uma sociedade em que as pessoas vivem se vigiando umas às outras.
Uma sociedade em que os cidadãos, já a esta altura ofensores e ofendidos simultaneamente, devem ser continuamente monitorados para que não se rebelem, e assim não rompam a ordem social reinante. Uma sociedade de espiões e delatores, e onde ninguém mais é dono de si mesmo, mas subordinado a uma coletividade, que começou a assumir a soberania de suas vidas quando estes entregaram a ela seus primeiros problemas pessoais.


Klauber Cristofen Pires é Coordenador do Instituto Federalista do Pará.