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quarta-feira, 9 de abril de 2008

A Liberdade de Expressão, como um Direito de Propriedade

Por Klauber Cristofen Pires
(inspirado no livro Ethics of Liberty, de Murray N. Rothbard)


Quando falamos sobre liberdade, é usual nos referirmos a alguma liberdade específica: liberdade de opinião e de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade intelectual e artística, liberdades do mar, e assim por diante.

Talvez porque a conquista da liberdade tenha se dado de forma tão sofrida, obtida com tanto sacrifício, depois de tanto sangue derramado, e depois de pelo menos três milênios desde que tal conceito tenha começado a ganhar significado, é que hoje usufruamos de, digamos assim, tantas destas.

Nada mal, e nem seria justo criticar quem no passado tenha lutado com tanto sacrifício por qualquer uma. Entretanto, talvez seja a hora de darmos um passo adiante, para compreendermos melhor a doutrina da liberdade, no que tange à sua amplitude e aplicação.

Segundo os austríacos, não há que se falar em liberdades “para alguma coisa”. Para eles, a liberdade é um direito pleno do ser humano, de tal modo que, houvéramos nascido em um mundo idealmente livre, tal palavra nem sequer teria existência em nossos dicionários. A liberdade é o nosso estado natural, não fazendo sentido, pois, como desejamos tratar adiante neste artigo, da chamada “liberdade de expressão”.

Sobre o que vamos discorrer agora é de suprema importância quando percebemos que, lado a lado com cada liberdade específica, surgem logo as exceções e restrições, e às vezes, até mesmo injustificáveis privilégios. Eis aí o problema: quando as liberdades são tratadas em separado, de forma específica, surgem desde logo as tentações para cerceá-las, justamente por que assim fica mais fácil. A liberdade específica não é encarada como um estado natural do indivíduo, mas como uma concessão do estado, mais propriamente, algo que possa ser regulamentado “em prol do interesse público”.

Se nos detivermos no problema da liberdade de expressão, veremos a onde chegamos ao tratarmos de forma tão equivocada a questão da liberdade. Nossa Constituição, por exemplo, é “danadinha” neste aspecto. Somente em relação à liberdade de expressão, há, por exemplo, o direito de reunião, que autoriza as pessoas a se aglomerarem em qualquer via pública, não sendo para tanto, mais que necessário, avisar com antecedência o poder público. Só por causa disto, usualmente os cidadãos das grandes cidades ficam prejudicados, ou mais propriamente, têm o direito de ir e vir seqüestrado por gente que entende que suas reivindicações políticas ou salariais são mais importantes que os direitos jurídicos já consolidados de milhares de outros. Vejam que incongruência: reivindicar direitos é mais importante que respeitar os já consolidados!
Também a liberdade de expressão fica cerceada quando o estado começa a inventar coisas como diploma de jornalismo, conselho de jornalismo, e que tais. Ora, esta profissão se vale da expressão como ferramenta de trabalho, mas não há absolutamente nada – em termos de fundamento – que deva proibir qualquer pessoa de transmitir notícias e opiniões, e são prova disso tanto os blogs, que exponenciaram aos céus tal possibilidade, quanto o currículo de alguns dos maiores jornalistas de nosso país, que jamais obtiveram diploma ou foram sindicalizados.

O grande problema da liberdade tratada de forma específica, e no caso do assunto aqui em tela, ou seja, a liberdade de expressão – é que, por ser categorizada de forma errônea, surgem cada vez mais casos onde exceções e restrições se façam necessárias, oferecendo com isto o pretexto para os seus inimigos defenderem seu controle ou até mesmo a sua extinção. Imaginemos, por exemplo, se no meio da execução da ópera Aída, alguém decidisse, de dentro da platéia, começar a cantar o tico-tico no fubá. A rigor, tal pessoa estaria exercendo a sua liberdade de expressão também. Contudo, alguma coisa, meio que intuitiva, nos avisa que, embora cantar o “tico-tico lá, o tico-tico cá..” não seja exatamente uma coisa feia, errada se torna no meio de um teatro. Imaginemos, ainda, um caso mais usual, quando observamos a má conduta de algumas pessoas, sobretudo estudantes, em eventos tais como congressos e seminários, a tal ponto que muitas vezes logram êxito em inviabilizar-lhes a realização.

Entre os liberais austríacos, todos estes entraves são resolvidos a partir de uma perspectiva bem diferente. Sem nem sequer pensar em restringir a liberdade de ninguém, o que entendemos por “liberdade de expressão”, por eles é tratada segundo o direito de propriedade! De uma só tacada, todos os problemas assim desaparecem. Isto porque, o que se vai dizer, quem vai dizê-lo e o modo como será dito são determinados pelo dono do evento! Simples assim!

Então vejamos: se eu compro um ingresso de cinema, na mesma hora eu faço a minha adesão a um contrato. Este contrato estabelece algumas normas: não usar o celular, não tirar fotografias, não importunar a sessão. Quem quer que pense em cantar lá o tico-tico, estará não intuitivamente, mas objetivamente quebrando o contrato, e autorizando o dono a usar da força, se necessário, para colocar esta pessoa para fora. Em eventos do tipo reunião, dá-se o mesmo: em um congresso de médicos, não há quem tenha o direito de protestar contra o desmatamento da Amazônia, ou mesmo sobre questões que em aparência digam respeito, como por exemplo, a questão do uso de células-tronco, se os donos do evento não tiverem previsto a abordagem de tal assunto. Quem quer que deseje protestar contra o desmatamento da Amazônia ou o uso das células-tronco, que monte seu próprio evento!

No caso dos bens públicos, o problema se torna um pouco mais difícil de resolver, mas isto justamente é porque temos esta entidade chamada estado. Mas ainda assim, é um problema apenas aparente. Bem entendida a questão da liberdade de expressão, isto é, como decorrente do direito de propriedade, torna-se claro que determinadas atividades hoje exercidas pelo estado nem sequer deveriam existir, tais como tv’s públicas, patrocínios a filmes e peças de teatro, etc. Todas estas manifestações intelectuais e artísticas deveriam estar a cargo exclusivo das mãos privadas.

Já quanto aos bens públicos, propriamente, o seu uso deveria estar restrito à finalidade precípua para o qual foram criados. No caso de grandes avenidas, torna-se evidente que é uma injustiça que alguns cidadãos, para reivindicarem direitos, seqüestrem os já existentes dos demais, sendo que eles podem usar espaços tais como as praças públicas, inclusive os coretos que nelas abundam, sem uso. De outra forma, se outro evento já existe em algum destes lugares, ainda assim o direito de propriedade, usado de forma análoga, pode ser usado, para definir como o possuidor de direito aquele que ocupou o determinado espaço antes (apropriação original).

Obs.: Desde que traduzi o livro “A Theory of Capitalism and Socialism”, decidi que não escrevo mais estado com a inicial maiúscula. Obrigado pela compreensão.

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