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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Bruno Pontes tem razão!

Por Klauber Cristofen Pires

O artigo “Quis vender água e foi em cana”, de autoria do jornalista Bruno Pontes, publicado no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara e que em rapidíssima síntese, retrata a triste realidade de comerciantes que foram presos por vender água mineral com ágio na região serrana do Rio de Janeiro tem suscitado uma boa polêmica que a meu ver, já deveria estar razoavelmente dirimida entre o público leitor clássico deste periódico.

Quisera eu de um primeiro ímpeto apontar alguns argumentos pontuais em defesa do articulista, cuja abordagem eu reputo como muito oportuna e lúcida. Entretanto, como a resposta que foi se organizando em minha mente já previa a possibilidade de estender-me um tanto mais do que permite ou seja razoável para o espaço dos comentários, tomei por bem redigi-la em forma de um artigo.

Às vezes, falar a verdade não se configura o bastante: o modo de dizê-la interfere na compreensão por certos ouvintes honestos, bem como se torna “a deixa” para os sonsos de plantão – e estes, como a mosca da banana, sempre aparecem sem que ninguém saiba de onde. No caso, parece que o único pecado – absolutamente involuntário – do autor foi defender a necessidade dos comerciantes terem lucro, o que bastou para suscitar inconformadas reações por parte de vários leitores, a invocar os deveres-poderes do estado, a ordem, o estado de necessidade e o interesse dos consumidores como princípios superiores e portanto, prevalecentes.

Desta forma, introduzo a minha linha de raciocínio invocando Ludwig von Mises, isto é, tentando convencer não por contrapor interesses comum e equivocadamente reputados como antagônicos, mas por demonstrar quais os verdadeiros interesses de todos, de modo a fazê-los entender que o mercado, antes de representar o templo do avaros, constitui-se em um complexo sistema de mutirão em que os seres humanos ajudam-se mutuamente. Em linguagem mais direta e objetiva, hei de demonstrar que a atividade especulativa dos comerciantes de água mineral se faz em proveito da população.

A começar, a doutrina liberal defende o sistema de mercado não para agradar a industriais, banqueiros e comerciantes, mas porque este tem se provado tanto no âmbito teórico quanto no prático como o mais eficiente para a alocação de recursos e conseqüentemente, para a prosperidade geral. Então vejamos: se este sistema se mostra mais eficiente em face da normalidade e avancemos um pouco mais, também em cenários onde estejam acontecendo transtornos moderados (pense uma estiagem prolongada em algum centro produtor), porque haveria de se mostrar menos eficiente em face de um evento trágico repentino?

Em princípio, como já tenho explicado em outros artigos pretéritos, não existe uma tal coisa chamada de “venda” ao lado de outra, denominada de “compra”. Tais conceitos são formadores de confusão e ensejadores da criação de políticas intervencionistas por parte de políticos e burocratas que desejam submeter a compreensão do mundo ao nível da própria ignorância. O que existe tão somente é a troca de títulos de propriedade. No princípio as trocas eram produzidas na forma de escambo, de forma que se alguém desejasse as batatas do seu vizinho e este aceitasse simultaneamente os peixes do seu proponente, ambos poderiam enriquecer (isto é, melhorar o padrão de vida) compartilhando seus bens conforme a razão que satisfizesse a ambos. Atualmente, quando alguém adquire batatas na feira, a operação que se deslinda é o câmbio de uma determinada de porção deste tubérculo, por outra cuja característica especial é a sua intercambialidade por qualquer outra coisa,e aqui estamos falando da moeda. Isto entendido, verifica-se como ambos os interlocutores exercem papéis iguais e complementares. Não há de se falar de supremacia de um com relação a outro, de forma que tal conceito somente pode ser aplicado por meio de uma força coerciva a intervir e portanto, macular o quesito de legitimidade oriunda da espontaneidade: estamos falando do estado.

Deste ponto de vista, quando alguém decide exigir que um comerciante venda sua água mineral por um preço que ele não desejaria, ou que a desse de graça aos flagelados, esta pessoa defende um injusto confisco de propriedade. Não há em hipótese nenhuma -mesmo uma tragédia - razão pela qual pensar que o lucro de alguém, ou melhor ainda, o preço ou razão de troca que tal pessoa espera por sua propriedade - deva ser estipulado por terceiros, mesmo porque os que agem assim se esquecem de tantas quantas pessoas jazem isentas de tal cobrança pelo só fato de não serem comerciantes ou morarem em outro local. Oras, por quê é o comerciante de água mineral quem deve vender sua propriedade ao preço que Fulano crê ser o justo, e não o próprio Fulano, que pode comprar água alhures e distribui-la ele próprio ao preço que considerar justo ou até mesmo gratuitamente? Por quê é o comerciante local de água mineral o acusado de não colaborar quando outras pessoas – também brasileiras – eu, por exemplo, que moro em Belém/PA – não são cobrados ou responsabilizados por qualquer falta de ajuda?

A lei da oferta e da procura é o instrumento que emite para todos os participantes desta formidável interação humana chamada de mercado as informações corretas acerca de consumo, produção e distribuição. Qualquer interferência causa perturbações na ordem natural de funcionamento deste mecanismo, capaz de diminuir sua produtividade e eficiência em qualquer grau.

Quanto mais alto for o preço que um varejista decidir pedir por um galão de água mineral, mais alto ele gritará por todos os rincões para que outros concorrentes apareçam para ajudá-lo a fornecer este mesmo produto. Se hoje ele pede o quádruplo do preço normal, o dobro do preço representará o almejado prêmio para quem das redondezas se dispuser a mover seus recursos logísticos para o local onde o bem se faz necessário, assim como o triplo para quem estiver mais distante. À medida que os fornecedores de outras localidades acudam à demanda, e aqui estamos falando de operadores que não operam usualmente naquele mercado, fato que repercute no custo de re-orientação dos seus recursos logísticos, naturalmente o preço irá cair, sem que ninguém precise ser preso ou processado por crime contra a economia popular ou bobagem semelhante.

Quanto aos consumidores, o recado é claro: “ - economizem, até que a situação se normalize, e podem ir gastando mais do precioso líquido à medida que o abastecimento retorne à condição de tranqüilidade”. Há quem creia que a imposição de cotas possa representar uma medida mais humana, por possibilitar que pessoas pobres possam adquirir o produto e por impedir que as pessoas ricas o estoquem. Falsa ilusão. Primeiro, porque tal medida resultará no adiamento da regularização da oferta do bem escasso, já que faltarão os sinais para que os fornecedores se mobilizem. Em seguida, porque sendo o bem escasso, é natural ou bem possível que não exista em quantidade suficiente para todos, o que de qualquer forma resultará na falta dele para alguns. Sim, só que com um agravante: sempre que um bem é distribuído sob um critério diferente do preço, a organização da clientela também se altera: no caso, não serão as pessoas dispostas a pagar mais a adquiri-lo, o que poderia ser hoje eu, e amanhã você, conforme nossas disponibilidades, mas quem possuir alguma outra espécie de poder, este sim muito mais injusto e perverso, e capaz de posicionar-se sempre em primeiro lugar: o poder armado e/ou o poder político.

Por fim, as pessoas ricas que pensam em formar estoques incorrem em prejuízo para si próprias, desde que acumulam um produto com ágio. Até que estocar umas poucas unidades pode ser providencial, mas fazer acúmulos tão grandes que possam comprometer o abastecimento imediato para outras pessoas só lhes resultará em perdas irreparáveis à medida que os fornecedores se mobilizem para oferecer mais do cobiçado bem e assim tendam a estabilizar os preços. De qualquer forma, mesmo ao agirem desta forma ainda assim estão contribuindo para a grande convocação dos fornecedores.

Agora vamos avaliar um pouco os fatos. Segundo depoimentos bastante críveis, em face de toda esta tragédia o estado, sim, este que nos consome 40% de tudo o que produzimos a pretexto de cumprir as mais exóticas funções que este atribui a si mesmo, foi a grande estrela faltante do espetáculo, de modo que helicópteros e veículos terrestres parados, mantimentos estocados sem terem sido entregues e serviços médicos assistiram inermes à iniciativa operante de centenas de voluntários que chegaram aos locais mais difíceis para socorrer as vítimas.

Em um estado liberal, prevalece uma ordem liberal, e esta ordem respeita os direitos de propriedade justamente para contar tanto com os operadores de mercado quanto pelo direito de associação de voluntários. Um coexiste com o outro e ambos se complementam.

Nem mesmo o estado da maior superpotência que o mundo já conheceu foi capaz de atender com satisfatoriedade a uma tragédia coletiva: refiro-me às vítimas do furacão Katrina. Mesmo com ampla fartura de recursos logísticos, houve um festival de assaltos, furtos, abusos de poder, desrespeito aos direitos humanos e cidadãos, manipulação política, e até mesmo a falta de alimentos, abrigo, roupas e remédios.

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