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sexta-feira, 4 de março de 2011

Por que a ideia de que o capitalista explora o trabalhador é inerentemente falsa

Por Wladimir Kraus
(extraído do site do IMB) - Encaminhado pelo amigo Eddie.

O desejo declarado das várias escolas socialistas, desde os marxistas linha-dura até os social-democratas defensores do estado de bem-estar social, sempre foi o de levar justiça às relações econômicas de uma sociedade. Em sua visão de mundo, justiça significa proteger os interesses dos trabalhadores contra os extorsivos capitalistas que supostamente não produzem nada, mas são capazes de colher formosos lucros.

Os social-democratas, não obstante, estão dispostos a trair seus princípios pelo simples fato de que uma sangrenta guerra civil em conjunto com uma economia centralmente planejada poderia ser ainda pior do que a contínua exploração dos trabalhadores. Ainda assim, eles têm a impressão de que são os trabalhadores os proprietários supremos dos produtos porque foram eles que labutaram e suaram, isto é, que estiveram diretamente envolvidos na produção física dos bens.

O economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk defendia a existência de lucros bastante altos por causa da necessária função exercida pelos capitalistas. Entretanto, mesmo Böhm-Bawerk explicitamente reconhecia o direito básico dos trabalhadores a ter todo o valor dos bens por eles produzidos. Porém, sua análise positiva era para tentar convencer o leitor de que a existência do capitalista é importante e de alto valor mesmo para os trabalhadores. A função do capitalista, de acordo com Böhm-Bawerk, é fornecer aos trabalhadores os meios com os quais eles poderiam comprar bens (de consumo).

Os trabalhadores precisam dos capitalistas porque eles não podem ou não estão dispostos a esperar até que os produtos do seu trabalho amadureçam até atingir o valor completo dos bens de consumo. Visto por esse prisma, a função básica de um capitalista parece ser meramente a de um bom vendedor que troca bens presentes (salários pagos) por bens de consumo futuros e ainda não terminados. Assim, os trabalhadores recebem apenas um valor descontado — o qual ainda é supostamente igual ao valor de seu produto marginal — daquilo que, no final, irá se tornar bens presentes com completo valor de mercado. E os capitalistas ficam com a diferença — chamada de taxa de retorno.

O argumento de que os trabalhadores não estão dispostos a esperar até que os produtos do seu trabalho finalmente amadureçam até o valor completo dos bens que produzem pode parecer um tanto insensível. Afinal, esperar vários anos até ser pago integralmente o valor daquilo que produzem significaria a fome e a inanição para muitos trabalhadores e suas famílias. Portanto, nas circunstâncias em que se encontram, os trabalhadores podem ser simplesmente incapazes fisicamente de esperar por um grande período de tempo para viver sob um estado de permanente dureza. Por isso eles têm de aceitar esse arranjo.

E por que, nesses casos, a taxa de retorno depende da preferência temporal dos capitalistas e não da dos trabalhadores?

Essas perguntas e lamúrias são válidas apenas se supusermos que os trabalhadores de fato são os proprietários legítimos dos bens produzidos. A afirmação de que os trabalhadores recebem apenas uma fração daquilo que produzem significa essencialmente que os lucros são deduções dos salários.

Nesse artigo vou apresentar a dedução de George Reisman e argumentar que, de acordo com a própria natureza das coisas, os trabalhadores não podem legitimamente requerer qualquer posse sobre os produtos de seu trabalho. Muito pelo contrário: os empreendedores e capitalistas é que podem. Ademais, são os salários que são deduzidos dos lucros.

A questão sobre o que vem primeiro

A proposição de que os salários são deduções dos lucros irá, muito certamente, parecer simplesmente inacreditável, quando não manifestamente errônea. Pois, afinal, quem trabalha nas indústrias e está envolvido na imediata criação de bens e serviços? Entretanto, o fato de que os trabalhadores estão envolvidos no processo de produção física não possui, virtualmente, nenhuma relevância quando o que se quer é aprofundar essa questão e tentar entender as interdependências econômicas que existem em um sistema econômico baseado na divisão do trabalho (capitalismo).

O primeiro fator essencial a ser compreendido é que nem todo indivíduo que executa uma produção física recebe um salário. Para ver um exemplo, imagine um criador de ovelhas, autônomo, em algum lugar das estepes do Cazaquistão, cem anos atrás. Suponha que esse nosso criador de ovelhas não seja autossuficiente, de modo que ele precisa adquirir roupas, pães e uma variedade de outras coisas que ele pode comprar no mercado da cidade mais próxima. Ademais, suponha que a economia do Cazaquistão é desenvolvida o suficiente a ponto de utilizar moedas de ouro como dinheiro.

Quando ele precisa adquirir bens, nosso criador de ovelhas vai até o mercado e vende algumas de suas ovelhas por, digamos, dez moedas de ouro. E aqui vem a pergunta crucial: podemos dizer que essas dez moedas de ouro que ele recebe pela venda de suas ovelhas representam seu salário? Não, não podemos. Não obstante o fato de nosso criador de ovelhas ser um pobre coitado que acorda muito cedo e trabalha diariamente longas jornadas, sob condições muito desagradáveis, as dez moedas de ouro não podem ser consideradas seu salário, pois, para receber um salário, um indivíduo precisa antes de tudo ser o empregado de alguém. Por definição, um assalariado — ou, equivalentemente, um proletário — é alguém que não é o proprietário de nenhum meio de produção exceto seu próprio corpo e quaisquer outras habilidades excepcionais que ele porventura possua.

Nosso criador de ovelhas, em contraste, é o seu próprio patrão e pode decidir o que fazer com sua propriedade — o rebanho de ovelhas. O dinheiro que ele recebe após vender algumas ovelhas é apenas a receita das vendas de seu produto. Agora estamos chegando perto da natureza da relação exata entre salários, receita da venda de produtos e lucro. Daqui a pouco iremos ver que, para que os salários possam existir, antes é preciso haver lucros.

Para compreender isso, é preciso entender o fato de que, em uma economia de mercado, as pessoas executam atividades produtivas com o propósito único de ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro é de importância literalmente vital porque, via de regra, a única maneira de alguém adquirir (moralmente) os bens que consome é por meio do gasto do dinheiro que possui. Assim sendo, ganhar dinheiro se torna o foco decisivo de todas as atividades produtivas da economia. Indivíduos e empresas poderão ganhar dinheiro somente se eles oferecerem bens e serviços pelos quais terceiros estão dispostos a trocar seu dinheiro.

Além disso, na economia de mercado, ganhar mais dinheiro ou até mesmo uma quantia mínima definida de dinheiro não é algo que vem fácil, pois um cliente em potencial sempre tem a liberdade de escolher gastar sua renda limitada em outros lugares. Somente por meio do contínuo aprimoramento da qualidade ou por meio da contínua oferta de bens a preços baixos, ou de uma combinação de ambos, é que é possível vencer permanentemente a concorrência e, com isso, garantir um fluxo contínuo de renda para si próprio.

Porém, melhorias na qualidade e preços mais baixos são metas realizáveis apenas com a ajuda de mais e melhores ferramentas e materiais, bem como de mão-de-obra cada vez mais preparada. Nesse ponto, temos de introduzir as espécies de empreendedores/empresários que de fato tomam as decisões relevantes no que tange aos investimentos em ferramentas, materiais e mão-de-obra.

Nosso criador de ovelhas adquire o status de empreendedor/empresário se ele considera que o propósito de sua atividade produtora — criação de ovelhas — é o de lhe propiciar receitas de venda. Da perspectiva do nosso criador de ovelhas, a receita das vendas de seu produto é um meio em potencial para sua sobrevivência — ou, alternativamente, é a sua renda.

Se ele decidir investir uma parte dela, digamos, empregando um trabalhador e pagando a ele uma quantia definida de dinheiro — em termos mensais, por exemplo —, então ele estará agora tendo custos empresariais. Seu investimento na forma de salários mensalmente pagos diminui regularmente a fração da receita que antes era considerada lucro — ou seja, o salário pago diminui a diferença entre a receita da venda de produtos e os custos.

Observe que, quando nosso criador de ovelhas não está incorrendo em custos na forma de pagamentos salariais mensais, a receita total obtida com a venda de seus produtos é o seu lucro!

A análise abstrata feita acima confirma a proposição de que os lucros, e não os salários, são a forma original de renda.

Para compreender a questão mais claramente, vamos ampliar nosso exemplo inicial e supor que nosso criador de ovelhas contrata seu vizinho de nome Murat, que não é proprietário de nada, para ajudá-lo a cuidar de suas ovelhas, protegendo-as contra eventuais ataques de lobos famintos. Eles voluntariamente acordam que Murat receba uma moeda de ouro por mês de serviços.

Agora, o cenário ficou totalmente diferente. Temos agora um assalariado e um empreendedor/capitalista.

Será que podemos dizer que, nesse caso, Murat tem o direito de ser o dono de todas as ovelhas apenas porque ele cuidadosamente as protege contra o ataque de lobos? Não, ele não tem esse direito! Certamente é verdade que a produtividade marginal do rebanho aumentou desde que Murat foi contratado, mas esse fato por si só não significa que Murat tem agora o direito de reclamar o produto marginal (ovelhas salvas dos lobos) para si próprio só porque ele foi contratado.

O que ele recebe como salário não é o produto marginal de seus serviços de vigília, mas apenas uma moeda de ouro. Observe o papel crucial desempenhado aqui pelo proprietário do rebanho.

O salário de Murat — a moeda de ouro que ele recebe — existe unicamente porque o dono das ovelhas é sábio e prudente o bastante para poupar uma moeda de ouro de sua receita de vendas e utilizá-la para pagar Murat.

Ao empregar Murat, o criador de ovelhas espera, naturalmente, ganhar mais moedas de ouro do que ele gasta como salário de Murat. Entretanto, ainda assim, a verdade é incontestável: Murat só ganha a moeda e só contribui para uma maior produtividade marginal — o que justifica seu salário — por causa da poupança e das sábias decisões empresariais do criador de ovelhas! Tivesse o criador de ovelhas consumido essa moeda, digamos, comprando frutas deliciosas para sua esposa, Murat teria permanecido desempregado e, como consequência, haveria menos ovelhas para os humanos consumirem.

Podemos generalizar esse exemplo. O surgimento de assalariados como uma classe econômica distinta ocorre somente porque existem, e continuam existindo, empreendedores/capitalistas que estão dispostos a pagar salários com recursos retirados de suas poupanças.

Podemos ir ainda mais fundo e ver mais claramente o papel crucial desempenhado pelo sistema de trocas monetárias.

Como Ludwig von Mises demonstrou, sem a existência de dinheiro e do cálculo econômico expressado em termos monetários, nenhum método de produção complexo e indireto/capitalista seria possível. Os métodos de produção complexos e indiretos/capitalistas, por sua vez, podem ser implementados somente porque empreendedores e capitalistas pouparam — isto é, não consumiram — seu capital.

O capital que foi poupado e consequentemente utilizado no processo de produção pode ser denominado como 'despesas produtivas', pois estas são feitas com o propósito de produzir bens e serviços que serão subsequentemente vendidos por uma quantia de dinheiro maior do que a soma originalmente gasta na compra dos fatores de produção.

As despesas produtivas dos empreendedores e capitalistas na forma de pagamento de salários e compras de bens de capital não apenas criam uma classe distinta de assalariados, como também, ao mesmo tempo, criam as condições necessárias para uma maior produtividade física de um dado número de pessoas dispostas a trabalhar por salários — o que faz com que os salários reais desses trabalhadores sejam elevados.

As instituições criadas pelo capitalismo, tais como o sistema econômico monetário e o sistema de propriedade privada, permitem que aqueles indivíduos que são mais inteligentes, produtivos e prudentes apliquem sua própria mão-de-obra, bem como a mão-de-obra alheia, na tarefa da produção, desta forma melhorando suas próprias vidas e também, e de modo muito mais sensível, as vidas daqueles outros indivíduos que são menos capazes.

Gostaria de concluir com uma pergunta: quem de fato "explora" quem? Os empreendedores e capitalistas exploram os trabalhadores, ou os trabalhadores basicamente vivem da inteligência, produtividade e prudência dos empreendedores e capitalistas?

Wladimir Kraus faz Ph.D. no Centro Interuniversitário de Análises Comparativas de Instituições, Economia e Direito na Universidade de Turim.

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