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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Demagogia aquífera, crise e realismo tarifário

Rodrigo Mezzomo e Adriano Mezzomo*
abastecimento-água
“Se puserem o governo federal para administrar o Deserto do Saara, em cinco anos faltará areia.” Milton Friedman
A crise no abastecimento de água nos grandes centros urbanos não é um evento inesperado, algo que aconteceu por acaso porque São Pedro distraidamente se esqueceu de enviar chuvas para o Pindorama.
Pelo contrário, é uma tragédia anunciada, como são, em regra geral, as tragédias brasileiras. Lendo os jornais, nos deparamos com as mais variadas explicações, as quais vão da irregularidade pluviométrica à inexistência de grandes investimentos no setor, passando pela crescente urbanização da população e aumento da demanda, dentre outras.
Essas explicações retratam apenas uma fração da realidade, e isoladamente se transformam em desculpas. Vejamos: (i) meteorologistas ou não, todos sabemos que as precipitações flutuam ao longo dos anos, razão pela qual a segurança hídrica não é um tema que possa ser deixado exclusivamente a cargo da natureza; (ii) de outra sorte, a água é um bem importante demais para ser administrado por políticos, principalmente porque obras nesse setor são realizadas longe dos olhos dos eleitores. Creches e assistencialismo são mais visíveis e rendem mais votos; e (iii) a urbanização da população é fenômeno historicamente estudado pelo IBGE, o que evidencia que a escassez era previsível.
A questão central do problema reside no modelo de consumo da água adotado pela sociedade brasileira, o qual nunca foi debatido em profundidade e tende a levar à tragédia dos bens comuns, fenômeno amplamente explorado pela economia e teoria dos jogos.
De forma muito sucinta, se um bem comum pode ser livremente utilizado em virtualmente qualquer escala, sem que isso gere o correspectivo e individualizado ônus pecuniário, há a tendência à elevação infinita do consumo até o colapso do sistema e o consequente racionamento.
É o caso dos condomínios nos quais não há hidrômetros em cada uma das unidades imobiliárias, o que estimula o consumo indiscriminado, com longos e caprichosos banhos, pois quem paga é o “coletivo”. Uma singela ducha de 15 minutos consome 135 litros de água potável, a escovação de dentes outros 12, o que multiplicado por três representa mais 36 litros. A tradicional torneira gotejante desperdiça 46 litros de água por dia, o que implica em 1380 litros jogados fora todo mês. Isso faz com que, apesar de uma pessoa necessitar de apenas 100 litros por dia, cada carioca consuma quase trezentos.
Interessante observar que o mesmo não ocorre com o consumo de energia, pois a aferição se dá por unidade e a responsabilidade pelo pagamento da tarifa é individual, o que atinge direta e proporcionalmente o bolso de cada condômino.
Nesse sentido, entendemos que, além do aperfeiçoamento da Lei nº 11.445/2007 (Lei de Saneamento Básico) e da adoção de medidas estruturantes de médio e longo prazos, que dependem de tempo, complexos planejamentos interestaduais e elevados investimentos, tanto nas bacias hídricas quanto na distribuição, é fundamental o imediato abandono do atual modelo de demagogia aquífera.
Preservadas algumas questões de natureza social, esse modelo que nos conduziu à escassez deve ser substituído pelo realismo tarifário, com a prática de tarifas mais intensamente progressivas que as atuais para o consumo que extrapole a determinadas médias e faixas, e multas para os exorbitantes. Na outra ponta, o uso racional deve ser estimulado por meio da concessão de bonificações para aqueles que conseguirem reduzir seu consumo de forma consistente. Tudo isso devidamente acompanhado pela individualização de sua medição, o que permitirá, inclusive, a adoção de mecanismos de contratação de metragens cúbicas previamente estipuladas por cada consumidor.
Em paralelo, esse modelo deve ser adotado como padrão, e não apenas contingencialmente, em momentos de crise, de modo a fomentar um novo paradigma de consumo da água, que assegure o abastecimento futuro dos grandes centros urbanos.
Colocando a questão em outros termos, o que se propõe é a adoção de um modelo objetivo que não dependa de apelos ao idílico “consumo consciente e sustentável”, bem como ao voluntarismo ou boa vontade individual. Precisamos de um sistema claro de incentivos e punições, que gere um uso racional de recursos hídricos.
A água potável é um bem precioso e escasso, e a sociedade não pode mais continuar tratando o problema como se não houvesse amanhã.
*Advogados e professores universitários.

Sobre o autor

Rodrigo Mezzomo
Advogado e Professor (Mackenzie/RJ)
Advogado (UFRJ), com pós-graduação em filosofia contemporânea pela PUC-RJ, Mestre em Direito (Mackenzie-SP) e Doutorando em Direito pela Universidade de Buenos Aires. Professor de Direito Processual Civil (Mackenzie-RJ).
Matéria extraída do website do Instituto Liberal

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