A questão da laicidade estatal
por LUCAS GANDOLFE*
Com a supremacia da ordem secular, elevaram-se os posicionamentos discordantes à permanência e construção de símbolos religiosos pelo Poder Público. O principal argumento utilizado pelos opositores à simbologia religiosa é o de ferir o direito à liberdade de crença dos cidadãos, sendo assim molestados a liberdade de religião e o caráter laico do Estado brasileiro, nos termos da vigente Constituição Federal.
A Constituição preleciona no artigo 5º, inciso VI, a garantia da liberdade religiosa, estabelecendo que o Estado não está autorizado a impor uma crença aos seus cidadãos, devendo garantir o livre exercício de cultos religiosos e a proteção dos locais de culto, bem como às suas liturgias. Assim, o Estado deve apenas garantir que as venerações e liturgias de qualquer crença possam plenamente ser realizadas.
Foi imposto ao Estado o dever de neutralidade diante de qualquer religião, mediante proibição dirigida a todas as entidades da federação brasileira. Mas o poder constituinte não fechou os olhos para uma realidade incontestável: a nação brasileira foi forjada a partir de padrões da cultura ocidental, que tem entre seus pilares concepções religiosas judaico-cristãs. Por isso a neutralidade estatal em matéria religiosa não se confunde com indiferença.
Decididamente o Estado brasileiro, embora laico, não despreza a importância da religião. A laicidade não significa a adoção pelo Estado de uma perspectiva ateísta ou refratária à religiosidade. Na verdade, o ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também como uma “crença religiosa”, que não pode ser privilegiada pelo Estado em detrimento de qualquer outra cosmovisão. Pelo contrário, a laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar parte em questões de fé, bem como buscar o favorecimento ou o embaraço de qualquer crença.
O Estado ser considerado laico não significa rejeitar a religião e sim respeitar todas as liturgias como iguais, mas com o dever de garantir a religiosidade adotada historicamente por nossa sociedade. A laicidade estatal não é fundamento para a praxis do ateísmo porque isso, bem se vê, implicaria uma discriminação contra-religiosa e, no caso de nações tributárias de civilização religiosa, haveria aí também uma discriminação contra a história e a cultura popular, o que por óbvio violaria a Carta Magna.
O artigo 19, inciso I, da Carta Constitucional, traz vedações dirigidas ao Estado e que visam impor uma abstenção, um comportamento omissivo. É vedado aos entes estatais criar, instituir, obrigar a adesão ou prática religiosa, já que a dimensão espiritual ultrapassa a esfera do Estado. Está fixado, também, que o Estado não poderá custear credos religiosos, sendo que a imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, letra b, da Constituição Federal, não configura subvenção, e, embaçar o funcionamento se traduz pela proibição de o Poder Público dificultar o funcionamento das confissões religiosas, impedir as práticas, públicas ou privadas, daqueles que professam uma crença. Por fim, com relação a manter relações de dependência ou aliança com a religião, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público, entes estatais e confissões religiosas não são dependentes uns dos outros, mas devem colaborar para o bem comum. Aqui, a ressalva é que dá a tônica, pois o que se busca é a parceria, a colaboração entre as duas dimensões, o que é perfeitamente lógico na medida da unidade da pessoa humana, ao mesmo tempo sujeito de direito na esfera política e portador de uma dimensão espiritual que a projeta para o transcendente.
Portanto, não se revela contrária à Constituição a cooperação do Estado com as igrejas ou confissões religiosas, sobretudo porque indiscutivelmente elas trazem benefícios sociais (assistência religiosa, ensino religioso e amparo espiritual para aqueles que estão em situação de vulnerabilidade) e realizam trabalhos com notórios resultados positivos. Inconstitucional seria o Estado assumir determinada concepção religiosa como oficial, ou pior, que beneficie um grupo religioso em detrimento dos demais ou conceda privilégios específicos.
A manutenção da simbologia religiosa não gera qualquer violação à liberdade religiosa, pois, mediante uma analise histórica apontada na formação da sociedade brasileir,a percebe-se que o Brasil possui uma tradição religiosa e devota, sendo que o cristianismo é a religião predominante na sociedade brasileira. Com isso, é atribuição do Estado reconhecer a crença dominante e as demais, não podendo simplesmente denegá-las, pois deve atender ao interesse comum dos seus cidadãos.
O que este conjunto de dispositivos e preceitos constitucionais revela vai além da simples constatação da religião como uma realidade a qual não se pode negar existência; é o reconhecimento político da dimensão espiritual, e a importância da religião na formação de uma sociedade sadia e coesa, bem como protege a dimensão espiritual, necessária à formação e florescimento integral da pessoa humana.
* Lucas Gandolfe é estudante de Direito na Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI).
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