A Operação Lava Jato e as fortes emoções de uma República apodrecida
A semana já havia começado com o governo brasileiro fazendo pouco caso da postura do novo presidente argentino, Maurício Macri, e manifestando o desejo de que ele repense sua mais do que razoável reivindicação de banimento da Venezuela no Mercosul. Acintosamente cúmplice da ditadura de Maduro, o Brasil abdicou, em favor da Argentina, do papel de liderança democrática e republicana no continente. Também, como poderia? O que o furacão surpreendente da Operação Lava Jato vem revelando de maneira inequívoca é que o imenso esquema de podridão e criminalidade que se apossou de nossas instituições atingiu uma abrangência que despedaçou a dignidade da nossa República, a ponto de já duvidarmos quanto a podemos usar essa palavra.
O juiz Sergio Moro havia, pouco antes, questionado, sabe-se lá por quê, a inércia do Poder Executivo, da classe política, diante das investigações empreendidas. Passou um tom de desanimação. Não quero crer que ele esperasse que os ratos ajudariam a posicionar a ratoeira… De todo modo, logo em seguida, a Lava Jato atacou a todo vapor. E o que é mais sugestivo da extensão das teias que minam as possibilidades do país: os detidos da semana – até o momento em que redijo essas linhas, porque tudo muda a cada minuto – são, todos eles, acusados de tentar atrapalhar os procedimentos. Todos envolvidos, de algum modo, com a cúpula petista. Onde aquele discurso de que “nunca antes, na história deste país, se investigou tanto, porque NÓS, OS PETISTAS, permitimos”? Pois já raiou a terça-feira (24/11) com a notícia de que, na 21ª fase da operação, a Passe Livre, o pecuarista que tinha acesso liberado ao gabinete presidencial de Lula, José Carlos Bumlai, foi preso, acusado objetivamente de tentar usar referências ao nome do amigo poderoso para obstruir investigações, e também de participar de uma articulação fraudulenta em que um contrato da Petrobras ajudou a saldar uma dívida do PT – o caso tem até associações com a misteriosa morte de Celso Daniel, que não cabe aprofundar aqui.
No entanto, a quarta-feira (25/11) foi ainda mais bombástica: além do banqueiro André Esteves, da BTG Pactual, ninguém menos que o líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, recebeu prisão preventiva, com seu chefe de gabinete Diogo Ferreira, movimentando o STF e o Senado. A razão? Delcídio ofereceu ao filho de Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobras, um pacote de “mãozinhas” ilegais, com direito a uma polpuda verba, um avião para fugir do país, e a tentativa de mexer pauzinhos junto ao ministro do STF, Edson Fachin, e outras figuras de relevo. Em vez de aceitar, Bernardo Cerveró, o filho em questão, entregou tudo aos agentes da lei, a fim de garantir a delação premiada de seu pai. O áudio é um estouro; sobrou até para Romário, do PSB, citado por Delcídio como tendo conseguido um acordo para acobertar a conta na Suíça que a Veja havia denunciado que ele possuía. Fala ainda que Fernando Baiano copiou o material do que seria originalmente a delação premiada de Cerveró, o que é gravíssimo e precisa ser apurado. É um escândalo de proporções épicas, considerando suas ramificações, mas sobretudo o ponto central: uma das principais figuras do partido em uma das casas da República ofertou o uso de recursos e alianças espúrios para esconder um investigado que tem muito a falar sobre a compra da refinaria de Pasadena, e obstruir o avanço da lei.
É até difícil sintetizar todos os efeitos que isso teve, tem e ainda deverá ter. De todo modo, começaram cedo as desculpas e relativizações. O ator petista José de Abreu comentou que a revelação denuncia um “petista fake” – porque o tradicional dos petistas é, naturalmente, a ética e a honestidade, e claro, o LÍDER DO PT NO SENADO não é um petista de verdade! Por sua vez, o jornal O Globo, em matéria virtual, destacou o títuloDelcídio do Amaral, o mais tucano dos petistas, em referência a um apelido com que o senador era tratado, o que não é mentira, mas é seguramente a manchete mais inoportuna que já vi – provando que o Jornalismo ético passou longe da redação. No entanto, o circo de horrores diante da bomba atômica na classe política chegou ao seu ápice à noite.
O Senado precisava confirmar, em votação, a prisão preventiva. A Constituição exige isso. Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, ao lado de um batalhão de petistas sem qualquer hombridade, defendeu que a votação fosse secreta, com as alegações mais estapafúrdias. Senhoras e senhores, àquela altura eu dizia, exasperado, já sem grandes preocupações com a possibilidade de ser visto como irresponsável, que, se o Senado decidisse por votar em segredo e, oculto da vigilância popular – segundo Calheiros, para garantir o “livre-arbítrio dos parlamentares” (sic) -, mesmo diante da contundência e da gravidade das provas, seria melhor invadí-lo e fechá-lo. Seria um escárnio sem precedentes – como sem precedentes é a própria prisão de um parlamentar em exercício, e, frisamos, em posição de liderança de seu partido. É óbvio que Renan, também citado no áudio de Delcídio – sim, mais um; o senador disse que Calheiros tinha razões para se preocupar -, junto com os petistas, temem que a sua vez chegue, inseridos que estão no esquema de poder vigente. Inundar-se em um vexame memorável diante do povo e manchar a história do Senado não os faria ruborizar diante do interesse em se prevenir e proteger as próprias cabeças.
Felizmente, não deu certo. Com 59 votos favoráveis, 13 contrários (repare no número: 13!) e 1 abstenção (Edison Lobão, do PMDB – MA), a prisão preventiva foi mantida. No entanto, não foi por falta de tentativa de esconder das vistas dos brasileiros o posicionamento dos covardes e, quem sabe, dos diretamente interessados, que o voto não foi secreto. Dos 13 votos contrários, nove são de petistas (aos nomes: Ângela Portela, Donizete Nogueira, Gleisi Hoffmann, Humberto Costa, Jorge Viana, José Pimentel, Lindbergh Farias, Paulo Rocha e Regina Sousa), um é do PTB (Fernando Collor de Melo, sempre ele), um do PMDB (João Alberto Souza), um do PSB – isto é, teoricamente da oposição (Roberto Rocha), e um do PDT (Telmário Mota).
Então, o que temos? O presidente do Senado defendendo o voto secreto, fazendo já em seu discurso de deliberação do método decisório uma defesa nada sutil do senhor Delcídio, ao mesmo tempo em que dizia não ser hora de entrar no mérito da questão. Aliando-se aos petistas e sua corja de próceres, tentou, às vistas de todos, esconder uma discussão tão importante para supostamente “proteger” os representantes eleitos pelo povo do julgamento desse mesmo povo que os colocou lá. De outro lado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também do PMDB, segue fazendo um leilão entre oposição e governo, usando por moeda de troca para se safar um assunto dramático e técnico como a responsabilização da presidente Dilma por um crime cometido contra o orçamento nacional. E, é claro, um senador se oferecendo para sumir com um delator de peso de uma das únicas coisas boas do momento, que é a Lava Jato, revolvendo toda essa sujeira.
Está tudo bastante apodrecido. O odor fétido da imoralidade na classe política está exalando de quase todos os lados, de quase todas as instituições. A República carcomida e humilhada vive um impasse sem fim. Enquanto assim for, enquanto tivermos que respirar nesse ar sufocante, a crise política entravará as saídas econômicas, e nosso povo seguirá sofrendo. Assim acontece, via de regra, em países com Estados inchados, em que o que neles se passa tem impacto significativo e amplo sobre a saúde da economia. A Lava Jato pode ser um remédio amargo, mas precisa ser aplicado, e não pode ser em doses homeopáticas. É um tratamento de choque. Precisamos que ela siga adiante, e por isso qualquer tentativa de prejudicá-la e detê-la, intentada pelos vermes a quem ela incomoda, deve ser exemplarmente punida e repudiada.
Oxalá assim o seja em todos os casos, e aqueles que efetivamente comandaram o maior esquema de desmoralização institucional da história do país sejam identificados e presos. Que não paremos nos peixes pequenos, que não paremos na superfície. Os corações do Petrolão, do mensalão, do “PETISTÃO”, ainda estão livres, leves e soltos. Ou melhor, livres e soltos. Leves, despreocupados, tranquilos, já não tenho tanta certeza…
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