sábado, 28 de novembro de 2015

Por que Macri está certo em pedir a suspensão da Venezuela no Mercosul

Créditos: Jornal GNews
Créditos: Jornal GNews
Lilian Tintori, a esposa do líder oposicionista venezuelano Leopoldo López, preso de forma arbitrária pelo tiranete de seu país, Nicolás Maduro, denunciou que tentaram matá-la em comício realizado na quarta-feira, 25/11. Felizmente ela sobreviveu; Luis Manuel Díaz, secretário-geral de um ramo regional do partido Ação Democrática, não teve a mesma sorte. Baleado, faleceu a caminho do hospital. Os outros oposicionistas garantem que o incidente não foi isolado. As milícias e os militantes agressivos do governista Partido Socialista Unido da Venezuela, coniventes com todas as arbitrariedades e todas as restrições impostas ao povo do país pelo sistema de poder chavista, intimidam e perseguem os atos públicos de campanha das principais figuras de oposição. Tudo isso às vésperas da suspeitíssima eleição parlamentar, prevista para 6 de dezembro.
De qualquer modo, já é sabido que houve mortes na repressão às manifestações estudantis contra o governo, embora se continue a fazer inconcebível silêncio sobre isso. A democracia não existe na Venezuela. Um regime miserável, destroçado, em que manifestações de descontentamento são vistas como crimes, em que a liberdade de ir e vir e dizer o que se pensa é desafiada por truculentos armados a serviço da infame “Revolução Bolivariana”, já não é nada mais que uma ditadura medíocre, capitaneada por um lunático que seria engraçado, não estivesse manchado em sangue. Como manchados em sangue estão os demais países da América Latina, em especial o Brasil, cujos representantes públicos e, ao menos no nosso caso, órgãos de imprensa (com louváveis exceções, como uma recente série da Band News TV, que vem exibindo as cenas dramáticas da repressão naquele país) fazem pouco caso do drama venezuelano, destacando – não sem razão, diga-se de passagem – tragédias e conflitos do Oriente Médio, mas menosprezando a tirania assassina perfeitamente caracterizada que temos aqui no nosso quintal, e sobre a qual podemos, com muito mais eficácia, fazer alguma coisa.
Sim, podemos. Quem concorda é o novo presidente da Argentina, Maurício Macri, de plataforma mais liberal, rompendo com o esquema de conluio bolivariano que aprisiona os regimes latino-americanos a uma cooperação ideológica e econômica hostil à inserção nos mercados globais, protecionista, avessa às liberdades e dignidades individuais e repulsivamente rancorosa diante dos países bem-sucedidos. Como já fartamente noticiado, ele anunciou que pedirá a suspensão da Venezuela do Mercosul, alegando infração às exigências da cláusula democrática do bloco econômico regional. O Brasil, maior país e maior economia da região, embora sua República, suas instituições, seu Estado obeso e, consequentemente, sua saúde econômica, estejam vivendo um momento deprimente, deveria, no mínimo, declarar, como postura oficial, seu repúdio a essa violência inadmissível no mundo civilizado. Não o faz e não o fará – acrescentando ainda um desejo confessado de que Macri reveja sua posição – porque é responsável direto. Apoia, protege, exalta, financia; Lula afirma, sem pestanejar, que na Venezuela existe “excesso de democracia”. O petismo e o chavismo são amigos próximos, figurando na cabeça do movimento socialista governista continental, ao lado de sua inspiração simbólica e “menina dos olhos”: o comunismo castrista de Cuba. Portando-se assim, macula-se com o sangue das vítimas da monstruosidade que acoberta.
A atitude ousada de Macri, que parece tentar fazer da Argentina protagonista de uma mudança da realidade latino-americana, pelo menos na direção do bom senso, suscitou discussões. Alguns liberais e libertários, por acreditarem, com razão, que o Mercosul tem sido uma concepção intrinsecamente comprometida, limitadora, e já está instrumentalizado para fins menores e que incapacitam os países-membros – ou por, em princípio, serem contrários a qualquer bloco de acordos econômicos, acreditando que tão-somente se deveriam abrir os mercados com todos -, sustentam que o presidente argentino deveria apenas retirar seu país do grupo e perseguir seus próprios objetivos.
Discordo, e aqui explico o motivo. Estou de acordo em que a primeira e inviolável obrigação que um governo deve ter – e eu acredito que governos as tenham, porque, com toda a estima devida aos amigos libertários mais extremados, não defendo a abolição do Estado – é para com o seu próprio país e o seu povo. Concordo em que intervencionismos e ações diretas sobre outras nações devem ser, ao máximo possível, evitados, em prol do respeito imperioso à soberania e à convivência internacional. Ao máximo possível. Isso não quer dizer, pessoalmente, que eu abrace essa ideia como um dogma absoluto; não mesmo. Acredito, em princípio, que os países, pelas circunstâncias regionais e culturais em que se formam, possuem expressões de liderança naturais e, em estando ao seu alcance, como potências globais ou regionais, agir para minorar a dor alheia, deveriam fazê-lo. O Brasil, pela sua extensão territorial e dimensão econômica, como mencionamos, seria o candidato natural a, pelas vias diplomáticas e pela declaração pública veemente, repudiar e punir o que ocorre na Venezuela. Já está demonstrado o porquê de não fazê-lo; em sendo assim, a Argentina, tendo sido substituído o governo kirchnerista, deverá ocupar esse espaço e tentar se encarregar disso.
O gesto de Macri não pode, assim, ser encarado como algo que diga respeito apenas aos interesses de seu país. Ainda que possa movê-lo o interesse particular de projetar a Argentina e a sua liderança pessoal – o que não condeno -, sua postura, caso ele a mantenha, é um alento para os resistentes democratas da Venezuela. Seu gesto se direciona para o país vizinho, não tanto ao seu próprio; apenas sair do Mercosul, neste momento, poderia significar abdicar da pressão que pode ser feita em favor dos venezuelanos. É por isso que aplaudo a iniciativa de Macri. Aplaudo, mas, ao mesmo tempo, me envergonho profundamente, porque nós é que deveríamos estar fazendo isso.
Ao silenciar e ainda condenar o movimento de quem tenta se insurgir contra o absurdo, nosso governo nos apequena perante a opinião internacional e mostra sua nua e crua natureza vil. Não nos cansaremos de frisar: antes da saúde econômica, antes do equilíbrio financeiro e orçamentário, antes da inserção nos mercados globais e do abandono das políticas protecionistas, antes do corte de gastos, antes do avanço rumo ao melhor do mundo moderno capitalista, precisamos de dignidade. É esse o bem mais precioso que aqueles que estão no poder hoje, lá como cá, não nos permitirão jamais ostentar, enquanto por aí estiverem.

SOBRE O AUTOR

Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista, graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela UFRJ, colunista e assessor de imprensa do Instituto Liberal. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na Rádio Rio de Janeiro.
Fonte: Instituto Liberal

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