segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Podem os Gays ter o Direito de Adotar Crianças?

Por Klauber Cristofen Pires*

Este artigo pode ser o que poderíamos chamar do divisor de águas entre o pensamento liberal e o conservador. Com efeito, as pessoas adeptas de um conservadorismo moral muitas vezes têm em conta que os que defendem a doutrina liberal pautam-se pelos excessos que podem conduzir a sociedade a um estado de libertinagem desenfreada.
Segundo o pensamento conservador, é a família tradicional, composta de um pai (homem), uma mãe (mulher) e a prole, sangüínea e/ou adotada, quem melhor pode prover às crianças um ambiente sadio, moral e espritualmente; então, sustentam que o Estado deve abrigar a proteção dos valores considerados “sensíveis”, ou “fundamentais” para o bem-estar da sociedade, entre os quais os da preservação da família, e isto inclui proibir iniciativas de outros cidadãos que não se alinhem a esta fórmula de arranjo social.
Apenas para se evitar confusões, aqui não será tratada a questão sobre se os gays podem ter ou não direito ao casamento. Deixemos este debate para uma próxima oportunidade. Para todos os efeitos, trataremos apenas da hipótese sobre se gays podem ou não adotar crianças, seja na condição de solteiros, seja coabitando com seus parceiros.
Diz a lenda que Rômulo e Rêmulo, os fundadores de Roma, foram amamentados por uma loba, após terem se salvado das águas do rio Tibre, onde foram atirados pelo seu tio Amúlio. Poderíamos, portanto, ter em conta esta lenda para marcar a fronteira entre a pior forma possível de um ser humano ser criado, qual seja, por uma loba (ou por chipanzés, como Tarzan) e ser deixado morrer, à própria sorte. Na outra ponta, qual seria, de forma extrema, o melhor para uma criança? Possivelmente, uma família de pai e mãe heterosexuais, fiéis entre si, bem-educados, milionários e amorosos.
Entre estas duas fronteiras do caso em questão, é possível perceber uma infinidade de situações em que uma criança pode ser criada, segundo uma variedade e combinação extensa de oportunidades e percalços: os pais podem ser saudáveis ou doentes, jovens ou idosos, amorosos ou rudes, bem-educados ou ignorantes; podem ser viúvos ou oriundos de outro casamento; podem viver em um país desenvolvido ou extramamente atrasado, e muito mais.
Contudo, em todas estas formas de convívio social, seja qual for a situação, intermediárias entre a pior possível e a melhor possível, sempre a criança terá um destino melhor do que entregue à própria sorte. Logicamente, o ideal seria, como já salientado, que todas as crianças do mundo vivessem no seio de uma família rica, saudável, bem-educada e amorosa. Mas sabemos que há crianças abandonadas, sem nenhum tipo de assistência, a quem um simples teto, por simples que seja, já faz a diferença para melhor.
Aqui reside a fronteira entre as posições de um liberal e de um conservador: o liberal entende que, ao deixarmos para o Estado definir quem pode e quem não pode adotar, estamos lhe delegando o poder de definir qual a fórmula que será tida como padrão, sendo que todas as outras soluções, consideradas inferiores, serão proibidas. Veja o leitor como nisto não reside nenhuma solução: pelo contrário, apenas será decretado que todas as oportunidades deixadas à esquerda do modelo adotado serão abandonadas, ou pior, repudiadas, e seus praticantes poderão sofrer perseguições.
Tempos atrás, um amigo meu decidiu regularizar a situação de um filho adotivo, que ele já vinha criando há anos. Dono de um padrão de vida próprio da classe média alta, vivendo com sua esposa e seus outros filhos, fora obrigado, além de toda a burocracia infernal, a receber em casa uma comissão de inspetores – assitentes sociais – que foram para lá verificar se aquele lar reunía as condições suficientes para a adoção de uma criança!
Este quadro seria muito bonito, se não fosse extremamente hipócrita! Imagine se o Estado conhecia a condição daquela criança, antes de ter recebido um lar, ou, ainda que a conhecesse, que a proporcionasse condições tão boas como aquelas em que ela, afortunadamente, encontrou? Até parece que em nosso país não há milhões de pequeninos sem lar ou sofrendo as piores violências nestas instituições estatais que se dizem “de bem-estar do menor”!
Na Alemanha nazista, os casamentos inter-raciais eram proibidos; as crianças com síndrome de Down ou outro qualquer problema ou disfunção eram apartadas de seus pais, e muitas encontraram seu destino em câmaras de gás ou fornos crematórios. Na União Soviética, as crianças podiam ficar com seus pais até certa idade, e depois eram deles apartadas para então serem educadas em instituições de internação coletiva. Tudo isto já aconteceu, porque a humanidade deu ao Estado a chance de escolher e determinar o que é melhor!
Eis a grande preocupação dos liberais: entregar uma prerrogativa, que é naturalmente de ordem privada, ao Estado! Descuidam os conservadores que, ao entregar ao Estado tais poderes, um dia as coisas poderão voltar-se contra eles, se outra maioria vier a prevalecer; será o dia em que eles serão perseguidos pelo que hoje defendem!
Que tratem, pois, os conservadores, de cuidar de suas famílias segundo a fórmula que melhor lhes aprouver, sem se importar como outras pessoas, mesmo os homosexuais, decidem suas vidas; A cada um é dado, por Deus e pela lei, o livre-arbítrio! A chance de uma criança adotada em meio a homosexuais sofrer violências ou mesmo influências desajustadoras não é lá muito diferente das crianças que vivem em lares aparentemente convencionais, mas atormentados pelas vicissitudes da vida, como desemprego, alcoolismo, pais ignorantes e violentos, etc.
O que temos todos nós, cidadãos brasileiros, optantes por qualquer opção sexual, moral ou religiosa, é cuidar para que o Estado não nos confisque o direito de decidirmos nossos caminhos; qualquer avanço neste sentido somente deve merecer, de todos os segmentos, o repúdio expresso.
* Inspirado no artigo “Don't Let Government Define Marriage (Or Optimal Child-Rearing Environments)” , de Gardner Goldsmith. (http://www.mises.org/story/2209) .

2 comentários:

  1. peço licença para dizer uma palavra sobre o seu artigo. eu também venho defendendo há tempo princípios liberais, embora dirigidos a outros temas, como prostituição e drogas. sua posição é muito clara e consistente. parabéns.

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  2. Li seu artigo no Diego Casagrande. O tema é instigante e bastante polêmico. Penso só que você deveria avançar em algumas considerações. A única certeza que tenho é que a família de pais homossexuais, parece-me, é preferível ao abandono da criança. Seu artigo, porém, trata do tema muito abstratamente. Independentemente do que se possa pensar sobre o assunto, é sim o Estado quem decide quem pode adotar e, mais, quem pode ser adotado. Pensar em termos rothbardianos, é interessante, mas não me parece possa justificar a crítica ao pensamento conservador, pois que o mundo em que o Estado não tenha vez, nunca chegou e nem nunca chegará. O Estado como juiz das adoções é uma realidade incontornável que deve ser colocado na análise do problema. Aí, a pergunta mais instigante é: pode o Estado preterir a família homossexual em favor da família clássica? Sabemos que, conforme a faixa etário do adotando, há excesso de procura e escassez da oferta. Em relação a adotandos de menos de 02 anos de idade, quase sempre o Estado terá a possibilidade de deferir a adoção para uma família tradicial em detrimento da família homossexual. E, aí?

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