segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Dois Pesos, Duas Medidas

por Klauber Cristofen Pires


Há um dito popular que utilizamos para definir quando alguém dá tratamento desigual a duas situações iguais: “dois pesos, duas medidas”. Eu nunca compreendi bem a extensão da figura de linguagem utilizada, que, para mim, pareceria mais certa se fosse “um peso, duas medidas”, ou “dois pesos, uma medida”; pois, se colocamos um novo peso em uma balança, certamente haveremos de ter uma nova medida, ao passo que uma das duas situações retro-descritas denunciaria o uso de fraude na balança.

Seja como for, que prevaleça a forma consagrada, para que seja o fiel de dois fatos recentes que receberam ênfase nos noticiários paraenses, até mesmo com alguma repercussão nacional.

Primeiro caso: O Ibama, que se frise, amparado por respeitável apoio policial e estrelando sob as miras das câmaras de tv, prende o dono de um restaurante de peixes e frutos do mar no centro da cidade. O responsável pela operação fala eloqüentemente à equipe de reportagem. E quem aparece preso? Quem? Ora bolas, um velhinho! Um velhinho muito malvado, diriam os eco-fanáticos; afinal, as provas do crime estavam lá e foram transmitidas nos telejornais: alguns baldes com mussuãs, e talvez, outros bichinhos. Mussuã é uma espécie de tartaruga de tamanho pequenino, muito apreciada como uma iguaria. Por causa do delito, tipificado como crime ambiental, o velhinho irá amargar cadeia sem nem sequer tem direito a fiança.

Segundo caso: a crescente invasão de terrenos na ilha do Mosqueiro, um dos balneários mais tradicionais da região metropolitana de Belém. Conhecida como “a Bucólica”, por causa dos belíssimos bangalôs construídos em estilo belle-époque, a ilha agora é palco de intensas queimadas e devastações levadas a cabo pelo MST, mas com o sério agravante de o fazerem com apoio do Incra e do próprio Ibama, segundo o que tem sido veiculado na mídia, e a ponto de comprometerem a saúde da população, devido à permanente fumaça, bem como de desolar de forma irreversível o ecossistema.

Os dois casos, contrapostos, mostram para que serve a intervenção estatal. E o meio-ambiente? Que se lixe. Proibido é vender meia dúzia de mussuãs; devastar o habitat de milhares delas, matando outros tantos com queimadas sem fim, pode.

O velhinho dono da peixaria, em princípio de direito natural, vendia o que seria de sua propriedade; não matou, nem seqüestrou, nem roubou nem destruiu nada de ninguém; a ele não interessa a extinção das mussuãs, pois precisa delas para gerar seu sustento. Ao vender parte de sua propriedade, gerava riqueza para a sociedade e a satisfação mais urgente de seus clientes. Finalmente, acaso vivêssemos em um país um pouquinho que fosse mais livre dessa praga que é o pensamento estatólatra, apenas um fator seria determinante para informar à população quando seria tempo de conter o apetite por mussuãs: o preço! A regra é simples: “menos mussuãs, mais caro o prato”, com a perspectiva de tornar-se atrativa a criação comercial dos quelônios, de modo que o risco de extinção da espécie passe a virar lenda.

O MST, por sua vez, bem como os agentes oficiais do estado, estes mesmos que se dizem os guardiões da natureza e do “desenvolvimento auto-sustentável” não lidam com a propriedade deles; seu negócio é atacar, de forma coercitiva e violenta, a propriedade alheia; invadem, destroem, queimam e desapropriam justamente porque não sofrem as conseqüências pelo mau uso. São gente que não depende de produzir algo de bom ou produtivo para a sociedade, pois vivem, um, do esbulho, outros, dos impostos.

O que se há de fazer, então, é utilizarmos da tecnologia e da racionalidade para que seus recursos possam ser usufruídos sem risco de exaustão e suas belezas, preservadas. Tanto os quelônios como os peixes são espécies que lançam à natureza centenas e milhares de ovos. Se é que o Estado poderia fazer algo de bom para a sociedade amazônida, seria manter um instituto que se incumbisse de povoar os rios com tartarugas e peixes; isto seria muito mais produtivo, barato e pacífico do que usar da lei e da força para perseguir cidadãos pacatos ou pior, para patrocinar hordas de bárbaros, sempre sob o estandarte de uma ideologia carregada de ódios e preconceitos.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Uma eleição de Iludidos


Por Klauber Cristofen Pires

Esta terá uma eleição de iludidos;

Iludidos os eleitores dos petistas, após fartas demonstrações de índole totalitarista, corrupção e empulhação deste partido de larápios, e também iludidos os que se agarraram à imagem de Alkmin como um contraponto a Lula e ao PT.

Eu vou votar no Alkmin, desconsolado, sabendo que este não é ainda um líder à altura do Brasil. Seria, só, como dizer, uma espécie de descanso, imaginando que pelo menos não iria partir para o chavismo descarado.

Um homem que vende a idéia do restaurante popular, que defende cotas raciais, que já pretendeu extinguir o telefone celular pré-pago, e que segue na cola do oponente prometendo manter as mesmas coisas, inclusive o bolsa-esmola, não guarda lá muita representatividade com uma população que gostaria de ouvir mais sobre privatizações, desburocratizações e real diminuição da carga tributária.

Quando houve a chance deste homem usar de uma franqueza firme e liderante, e defender as privatizações, a desburocratização e o enxugamento da máquina administrativa, ficou a balbuciar, como que pego em flagrante furando o bolo.

Iludidos, de ambos os lados.

Talvez seja assim necessário e mais salutar ao Brasil. Talvez seja necessário que Lula, agora sim mais exposto às conseqüências de suas incúrias como governante, promova o seu próprio desgaste de uma forma definitiva. Se for este o preço a pagar, talvez para vê-lo facear o impeachment, bem como ao PT ser dissolvido pela Justiça, pode ser que mais quatro anos pareçam não ser muito.

Em 2000, nas eleições para prefeito de Belém, disputaram os candidatos Vic Pires Franco, do PFL, e Edmílson Rodrigues, do PT. Em um de seus programas, Vic começou anunciando uma "grande denúncia" sobre os tais "orçamentos participativos", do PT. Eu, que me deixei animar, fui prestando atenção: será que ele diria que aqueles eventos eram uma grande farsa? Que buscavam estabelecer-se como um poder paralelo à Câmara de Vereadores? Que não eram meios nem legítimos, nem democráticos,, de gestão municipal? Que nada, fogo de palha: ele veio para dizer que os orçamentos participativos destinavam apenas dois a três por cento do orçamento do município, e que ele prometia aumentar para 5%! Entre o “original” e a “cópia”, quem ganhou?

Que fique a lição ao PFL e aos políticos que guardam no interior de suas consciências a necessidade de reformas liberalizantes no Brasil. Há muitos eleitores, que vocês estão a desprezar. Estão preferindo deixar de serem líderes, para viverem como ajudante de ordens de outros cavaleiros.

Alkmin não está perdendo para Lula. Está perdendo para si mesmo. Lula faz campanha para Presidente há quarenta anos, enquanto Alkmin, só há três meses. Já viram alguém tirar nota dez na prova estudando na véspera? Lula não tem vergonha das besteiras que fala e dos "erros" que comete. Alkmin tem vergonha do pouco que ele e o PSDB fez de certo.

Lula quer ganhar a eleição. Alkmin tem medo de vencer. Era tão fácil ver o brilho nos olhos de Alkmin, que ele tentava vencer Serra. Um brilho que se desbotou diante da campanha pela Presidência, que murchara por não acreditar em si mesmo, e naqueles que depositavam nele a esperança por mudanças. Uma esperança que frustrou os eleitores que pagam impostos ao ver aquele que pretendia ser seu representante querendo adotar o modelito “Lula cor-de-rosa”, que o próprio já jogara na lata do lixo.

Talvez fosse até interessante que o PFL se deixasse partir ao meio, como uma forma de liberar a sua ala mais liberal para se expor mais à vontade. Assim, enquanto a parte mais conservadora procura se manter junto ao eleitorado mais ao centro, a outra estaria mais livre para levantar questões importantes para o Brasil, bem apoiada por uma parcela do eleitorado que já lhe pode prestar o suporte eleitoral, dentro do tamanho que já teria. Com o tempo, as duas, como um cabo de força, puxariam, no todo, a agenda do debate político um pouco mais para a direita, e cresceriam paulatinamente.

É hora de repensar. Não se obtém êxito repetindo os mesmos erros.

Um Natal Inesquecível!


Por Klauber Cristofen Pires

24 de dezembro de 1996. Nosso navio estava atracado no porto de Rotterdam. O inverno holandês pegava pesado, com neve abundante; à beira do cais, os patos se aninhavam, como uma forma de se aquecerem. Aquela seria uma estadia estafante, pois, além de haver muitos reparos a fazer, não haveria tempo nem sequer de tomar umas cervejas ou de fazer algumas compras. Vínhamos da Austrália, e nosso equipamento de rádio estava com defeito, de modo que passamos cerca de cinqüenta dias sem entrar em contato com nossos familiares. Terminado o meu turno, então, “baixei a terra” para, pelo menos, telefonar para casa.
Logo depois do portaló, alcancei um telefone público para efetuar a chamada. O aparelho funcionava com cartões telefônicos, mas também com cartões de crédito. Saquei do meu, que tinha sido recentemente convertido para “internacional” (outra coisa bizarra do nosso país: pouco tempo atrás, os cartões de crédito eram válidos “only in Brazil”), mas estava vencido. Uma pena. O jeito seria fazer uma ligação a cobrar. Seria divertido usar um cartão de crédito em um telefone público, enquanto os seus equivalentes brasileiros ainda eram umas caixas vermelhonas, que funcionavam com fichas metálicas.
Mas o aparelho holandês não tinha só este recurso: entre outros, ele também era dotado de teclas especiais, com as quais era possível falar diretamente com o serviço telefônico de seu próprio país, com alguém de sua própria língua. Chique, não? Tentei então acessar o Brasil, mas a linha estava ocupada. Tentei várias outras vezes, mas sem sucesso. Então, meio que para passar o tempo, meio para aguardar uma nova chance para retornar a ligar, fui ligando para os serviços de telefonia de cada um dos outros países, enquanto “engolia” o congestionamento da Embratel...
Entrei em contato com uma simpática telefonista da França, em seguida com outra do Japão (telefonista japonesa tem uma entonação de voz charmosa...). Fiz também contato com a Alemanha, com Israel (como eu não falava nada, apenas escutava, a telefonista israelense, estressadíssima, logo começou a altercar a voz e dizer impropérios - devia estar pensando que eu devia ser um terrorista palestino, he...he...), com Portugal (Esta tentou fazer uma “ponte”, mas, de novo, sem êxito). Só países desenvolvidos? Que nada. Fui “descendo a escada”, e todos, simplesmente todos os países atendiam, menos o Brasil. Falei com a Turquia, com o Egito e até com umas ilhas das quais só me lembrei por causa das aulas secundaristas de Geografia: Trinidad-Tobago.
Devo ter ficado quase duas horas “surfando” nestes serviços telefônicos, enquanto escutava “sorry, line is overbusy!” ao tentar uma chancezinha junto à Embratel. Finalmente, cansado, frustrado, e morrendo de frio, retornei a bordo. Um Natal inesquecível, não?
Para os brasileiros, especialmente os jovens, que ficam a dar ouvidos sobre este papo furado que tem sido levantado sobre privatizações, que fique este relato: o serviço de telefonia brasileiro era simplesmente uma porcaria. Não funcionava. Mas não era só isto. Para se comprar um telefone, era necessário ou esperar muiiiito tempo, ou, para ser um pouco menos lento, comprar uma linha no mercado paralelo! Sim, comprar, como se compra um carro, por exemplo. Em Belém, uma linha custava aproximadamente mil e quinhentos dólares. Sim, eu falei “dólares”. “Dólares americanos”. Em Jacarepaguá, uma linha não custava menos do que dez mil dólares! O preço de um carro novo!
Eu me lembro muito bem destes dados porque, naquela época, eu pretendia adquirir linhas para alugar. Imagine! Isto também acontecia! Tinha muita gente que vivia da renda dos aluguéis de seus telefones.
No Rio de Janeiro, o serviço telefônico era, possivelmente, o pior do Brasil. Era simplesmente um serviço tão safado que a telefônica estatal, a Telerj, vendia uma mesma linha a duas pessoas distintas, simultaneamente. Era um produto chamado de “telefone compartilhado”, ou algo assim, anunciado como a “sétima maravilha do mundo”, pelo preço mais em conta do que a linha normal. Sem dizer que estas estatais prosperavam verdadeiros antros de corrupção, onde até espionagem de pessoas e empresas acontecia livremente.
Mas não era só isto! Havia também um outro fato bizarro: as linhas eram divididas em “comerciais” e “residenciais”, as primeiras, bem mais caras. Eu me lembro que, quando eu era garoto, minha mãe possuía uma pequena loja de confecções e os fiscais da Telesc ligavam para o nosso número, fazendo-se passar por fornecedores ou clientes, para investigar se ela utilizava o telefone para assuntos da loja.
Este era o nosso Brasil, em que, para se ter uma coisa tão banal quanto um telefone, era preciso pedir autorização, justificar-se, esperar muito, pagar muita propina e, só para servir de tempero, submeter-se a fiscalizações e sanções.
Dias atrás, eu precisei de um chaveiro (De novo, fiquei do lado de fora, impedido de entrar, porque havia batido a porta com a chave dentro...). Quando o profissional chegou, foi logo deitando a sua bolsa no chão, e começou a retirar os seus apetrechos. Sabe o leitor quais foram os primeiros? Alicates? Chaves de fenda? Não, ele retirou simplesmente dois aparelhos celulares, e mais um aparelho móvel de linha fixa!
Francamente falando, é preciso ser muito “cara de pau” para defender o sistema de telefonia estatal, depois de tantos benefícios que trouxe a privatização ao nosso país. Hoje, até mesmo a minha filhinha, uma criança de 5 anos, tem um celular pré-pago, assim como minha empregada doméstica. Aparelhos, em muitos casos, são dados de graça, e tem beneficiado muita gente, seja para conforto próprio, seja para dinamizar os negócios, tanto o de um simples carpinteiro quanto o de um renomado advogado.
Recentemente tem havido uma onda de pessoas que, a pretexto de falar mal das privatizações e satanizar o candidato da oposição, mas incapazes de enganarem a si próprias quanto aos benefícios, alegam que o mal não está exatamente no fato de terem sido realizadas, mas “na forma como foram feitas”. Diversionismo: mesmo que tivessem sido transferidas graciosamente, ainda sim seria um grande negócio. Pena, entretanto, que este candidato não tenha tido a coragem de assumir publicamente determinadas posturas. Não age como um líder, mas como um liderado.
Empresas estatais não são patrimônio do povo coisíssima nenhuma. São patrimônio de políticos inescrupulosos, isto sim. Em qualquer cidade, pode haver boas faculdades, restaurantes, fábricas ou hospitais, todo privados, os quais, pode-se dizer, são um patrimônio de nosso país. E porque não seriam?

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Há Justiça nas Deduções do Imposto de Renda?


Por Klauber Cristofen Pires


Tempos atrás, um professor de Direito Tributário, ao expressar uma opinião sobre o Imposto de Renda para pessoas físicas, sustentando como parâmetro o sistema tributário vigente nos países escandinavos, em especial, a Suécia, defendeu que o IRPF, no Brasil, para ser mais “socialmente” justo, deveria alcançar as pessoas de maior renda por meio da progressividade das alíquotas (na Suécia ultrapassa 60% da renda do cidadão).

Ao ser perguntado se defendia alíquotas tão altas, e se estas não configurariam o “efeito de confisco”, vetado por nossa Constituição, respondeu tranqüilamente que não, desde, claro, que, por se tratar de um imposto pessoal, a justiça estaria em o Estado prever um rol de situações sujeitas a dedução, pelas quais seria possível diferenciar as necessidades dos cidadãos encontrados em situações diversas. Desta forma, somente seriam plenamente atingidas pelas alíquotas máximas, em “cheio”, as pessoas com alta disponibilidade de renda e diminutos encargos pessoais.

Antes de prosseguir, é necessário explicar como funciona o princípio da progressividade. Quando um imposto é cobrado por meio da aplicação de uma alíquota fixa, isto é, na forma de um único percentual a ser aplicado sobre a matéria a ser tributada, podemos dizer que aí se opera uma “proporcionalidade”, pois tanto quanto esta aumentar, será preservado o peso relativo do tributo, embora se pague mais, em termos absolutos. A “progressividade”, um princípio albergado em nossa Constituição, vai mais além: ela considera que, quanto maior o montante da base de cálculo (a renda de uma pessoa, digamos), diferentes percentuais, gradativamente majorados, devem ser aplicados, de modo a fazer com que o contribuinte pague, tanto de forma relativa quanto absoluta, cada vez mais tributo.

Aplicada com austeridade, isto é, principalmente com a finalidade de mitigar a tributação sobre os cidadãos de renda mais baixa (isto é, porque, de uma forma geral, seus salários mal pagam as despesas mais necessárias e indispensáveis), a progressividade procura proporcionar um Estado que não seja demasiado pesado para seus cidadãos, mantendo assim uma tendência de a população assimilar mais pacificamente o encargo de pagar impostos. Na linha contrária, quando feita com a intenção de expropriar os cidadãos relativamente mais abastados, a aplicação da progressividade significa, sobretudo, substituir os “gerentes” das decisões sobre o dinheiro arrecadado, de - muitos - donos legítimos, para - relativamente poucos - políticos e burocratas.

Por deduções, deve-se compreender que são situações em função das quais o Estado prevê que o cidadão deve ser eximido de pagar parte do tributo. Estas situações podem ser várias: possuir filhos em idade escolar, despesas médicas, contribuir para instituições sem fins lucrativos, etc. A intenção é alcançar a diferença de disponibilidade econômica entre dois sujeitos que se encontrem em situações diversas.

Quando previstas com parcimônia, no campo das estritas exceções à regra, as deduções ajudam a aliviar a carga tributária sobre pessoas de renda relativamente menor e sobre as quais pesem determinados ônus que, de outra forma, poderiam vir a ser transferidos para o próprio Estado. (Imagine que você cuida, por exemplo, de uma pessoa idosa: é melhor que você cuide dela, como sua dependente, do que o próprio Estado arcar diretamente com este ônus, daí ser razoável que se diminua o imposto).

Todavia, quando as hipóteses de deduções são tantas e tão variadas, conforme a criatividade do legislador, a ponto de deixarem de serem exceções, mas, ao contrário, caracterizarem a própria regra do sistema tributário, elas não podem significar mais que um desejo do Estado de passar a substituir-se às próprias pessoas com relação à condução de suas vidas, dando ensejo a um perigoso dirigismo do Estado para com a vida privada.

A aplicação combinada de altas alíquotas progressivas e de um rol exaustivo de hipóteses de deduções sugere, portanto, em máximo grau, um Estado que não está mais preocupado em apenas administrar suas funções precípuas, como proporcionar segurança e manter os bens públicos, mas em interferir incisivamente na vida privada dos cidadãos; sem rodeios, substituí-los, como acontece com aqueles filmes de ficção científica, em que as pessoas são substituídas por zumbis extraterrestres. Tais pessoas simplesmente deixam de viverem suas vidas, porque o Estado, em dupla mão, tanto agora detém o dinheiro arrecadado, como também os instrumentos legais para fazê-las agir não segundo os seus próprios sonhos e projetos, mas segundo um plano geral elaborado por políticos e burocratas.

Imaginemos um exemplo casual: Paulo, solteiro, e Roberto, casado e pai de três filhos, são colegas de trabalho, e recebem o mesmo salário. O Estado, ao instituir a dedução para os dependentes de Roberto, afirma ser socialmente mais justo tributar mais gravemente a renda de Paulo. Afinal, Paulo é solteiro, e por isto possui mais capacidade tributária. Segundo o Estado, Roberto tende a gastar mais com necessidades consideradas “essenciais”, enquanto Paulo tende a gastar mais com coisas supérfluas, daí a razão em tributá-lo a mais.

Do exemplo acima emerge uma pergunta, só para começar: se todos nós viemos do estado inicial de solteiros, não terá sido o casamento e a prole uma decisão absolutamente voluntária e consciente de Roberto? E quanto a Paulo? Será que ele não estaria “sufocando” seus planos de matrimônio em função de algum outro projeto pessoal?

Note-se como o Estado, ao instituir esta que é uma das mais básicas previsões de dedução (dependentes), já começa com uma presunção com relação ao comportamento de Paulo: que, a princípio vai gastar o seu dinheiro com coisas supérfluas, logo, “autorizando” assim o Estado a pensar em uma alternativa melhor para a utilização de seu dinheiro (!). Mas, consideremos a seguinte hipótese: a de que Paulo, ao invés de gastar com um carro ou roupas novas, pretende estudar, fazer algumas especializações, se possível no exterior, e abrir futuramente uma empresa que produzirá um novo produto, invento seu.

Enquanto o solteiro aplica a sua energia e seus recursos em investimento, o seu colega os aplica em despesa. Paulo esforça-se, possivelmente com sacrifício pessoal (não temos todo o tempo para fazer tudo ao mesmo tempo), e se conseguir reunir conhecimentos técnicos e capital suficiente, abrirá seu negócio, que, além de proporcionar produtos inovadores à sociedade, pagará mais impostos do que paga hoje, além de gerar empregos. Mas aí é então que entra o Estado, a atar-lhe as pernas a bolas de ferro tributárias! Em outras palavras, o Estado pretende dizer que Paulo deveria casar-se e ter filhos, ao invés de ficar se preocupando em estudar e abrir empresas...
Ao estudarmos as hipóteses de deduções, sejam as relativamente poucas, como no Brasil, ou as abundantes, como na Suécia, poderemos quase sempre nos deparar com isto: uma presunção do Estado com relação ao comportamento do cidadão, casada a um dispositivo que o oriente a tomar determinadas atitudes e abdicar de outras. Em todas estas, invariavelmente, o Estado privilegia o gasto o e consumo, enquanto onera a poupança e o investimento. Eis uma das grandes razões pelas quais as sociais-democracias vivem afundadas em déficits orçamentários e previdenciários.

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

O Aborto, sob a Visão Liberal


Por Klauber Cristofen Pires

Um tema polêmico que tem sido requentado de tempos em tempos é o relativo à questão do aborto, o qual, a propósito, anda rondando as tribunas da Câmara e do Senado. Da parte dos adeptos das teorias coletivistas, estão os defensores da legalização indiscriminada; na contraparte, estão as pessoas que se amparam na religião cristã, a defender a proibição.

Um dos argumentos que mais tem sido utilizados, com grande sucesso, é o de que a mulher merece ter o direito de decidir sobre seu próprio corpo. Uma nota de destaque com relação a esta afirmativa é que esta tem ganhado a adesão de pessoas que pensam estar agindo com espírito liberal! Enquanto marxistas, coletivistas e liberais desatentos, ou falsos liberais, vão engrossando o coro a favor da liberação do aborto, vão ao mesmo tempo vergando a rigidez dos conservadores, sob a alegação de que a vivemos em um país laico, em uma explícita manobra para desqualificar-lhes o discurso religioso e assim colocá-los fora do páreo.

O objetivo deste artigo é, em primeiro lugar, colocar o verdadeiro ponto de vista da doutrina liberal, que, por completo desconhecimento, tem sido solenemente ignorada do debate, e isto será feito por meio de esclarecer algumas confusões que tem sido difundidas amplamente, quase sempre de forma propositada.

A começar, vamos voltar sobre a questão de a mulher ter o direito de decidir sobre o próprio corpo. O que é de estranhar, primeiramente, é que este “direito” tenha sido defendido tão exaustivamente por partidos e ONG’s de esquerda: parecem estar pregando contra si mesmos, não é mesmo? Todavia, cuidado com as aparências! Ainda comentaremos sobre este tipo recorrente de discurso, mas o principal é que se saiba: o que os partidos de esquerda na verdade desejam, é ter o controle da sociedade nas mãos do Estado!

Esta gente acredita piamente que problemas tais como de pobreza, desemprego e de criminalidade, podem ser resolvidos por meio do controle de natalidade, e isto inclui, sem dúvida, a institucionalização do aborto. Na cabeça desta gente, se há nove chapéus e dez cabeças, o certo a fazer é cortar uma cabeça! (ou diremos, um feto?).

Portanto, mulheres, não se enganem, pensando que, sob um governo socialista, vocês terão direito ao próprio ventre! Ora, do que se pode mais, se pode menos: vencida a barreira mais problemática, qual seja, a de derrubar os fundamentos filosóficos, morais e mesmo religiosos e partindo-se para a eliminação institucionalizada do ser humano em formação, decidir quem poderá fazê-lo não passará de um detalhe operacional. Aliás, a bem da verdade, quase sempre o Estado fará com que as próprias mulheres assumam por si mesmas o ônus e a culpa por abortarem, seja por meio de benefícios, seja estabelecendo sanções restritivas de direitos, enquanto ele posará de isento e benfeitor da humanidade.

Agora sim, vislumbrando o problema sob a ótica da doutrina liberal: é certo que a mulher tem direito a dispor de seu próprio corpo. Oportunamente, este é um dos fundamentos do liberalismo: o corpo é a primeira propriedade de um indivíduo! Entretanto, precisamente por esta razão, é que a tese da liberação do aborto não pode ser acolhida. Explica-se: a vida começa com a nidação, isto é, com a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, cujo resultado será o ovo, ou zigoto.

O zigoto, por sua vez, não é o corpo da mãe, nem lhe faz parte, assim como também não é seu pai, nem dele faz parte. O zigoto possui um DNA diferente do pai e da mãe, denunciando a formação de um novo indivíduo, ou melhor, de um novo ser humano. Do ponto de vista da doutrina liberal, portanto, não será exagero dizer, conquanto possa ser hilário, que o zigoto é a pessoa mais pobre da sociedade, pois todo seu patrimônio consiste em uma única célula! Felizmente, a prosperidade vem célere, pois bastam alguns minutos para contemplarmos centenas de novas células, em um flagrante do triunfo da vida: ele não quer morrer – pelo contrário, seu ânimo é de crescer e de se desenvolver!

Por outro lado, não é suficiente que esteja no corpo de sua mãe, e dela fazendo uso, para que ela reclame o direito de expulsá-lo. Se uma pessoa vê outra se afogando em um lago, pode considerar suas possibilidades de ir salvá-la – considerações que se situam no campo da moral (se deve salvá-la) e da conveniência (se pode salvá-la, sem incorrer em perigo ela própria). No entanto, se alguém empurra esta pessoa, jogando-a na água, é seu dever salvá-la, mesmo sob risco de perigo, ou de outra forma será acusado de assassinato.

Com a gravidez, da mesma forma, o feto (e depois, a criança), depende do corpo da mãe e dos cuidados maternos, assim como uma pessoa que se afoga necessita de intervenção externa que a socorra, e, não tendo concorrido ele mesmo para a sua situação, é dever da mãe prover as suas necessidades, assim como é dever daquele que empurrou salvar a vítima, porque ambos são os responsáveis pelo que deram surgimento, com seus próprios atos.

Resolvida esta questão – que desqualifica, por absoluta irrelevância, argumentos marginais, tais como o que pregam que o embrião ou o feto não sente dor (não é por que alguém não sente dor que podemos matá-lo), ou o momentum de receber a alma (quem pode ao certo determinar quando isto acontece?) ou o mais terrível, que diz que embrião ou feto não é gente (será “pedra”, “alface”, ou “lombriga”?), a única solução possível para a doutrina liberal é defender veementemente o direito do novo ser humano à vida, ressalvados os casos de estupro (como já comentado) e de risco de vida para a mãe (obviamente), aliás, plenamente de acordo com a sabedoria da lei vigente.

Querer especular que uma gravidez possa ser interrompida, diga-se, aos dois ou aos três meses, ou aos seis ou nove, é absolutamente desnecessário, e pior do que isto, é a porta aberta do relativismo que pode autorizar o assassínio de um “serzinho” indefeso minutos antes de vir a respirar, ou mesmo depois, porque, ora, como diz aquela piadinha maldosa, depois que entrou a cabecinha...

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Podem os Gays ter o Direito de Adotar Crianças?

Por Klauber Cristofen Pires*

Este artigo pode ser o que poderíamos chamar do divisor de águas entre o pensamento liberal e o conservador. Com efeito, as pessoas adeptas de um conservadorismo moral muitas vezes têm em conta que os que defendem a doutrina liberal pautam-se pelos excessos que podem conduzir a sociedade a um estado de libertinagem desenfreada.
Segundo o pensamento conservador, é a família tradicional, composta de um pai (homem), uma mãe (mulher) e a prole, sangüínea e/ou adotada, quem melhor pode prover às crianças um ambiente sadio, moral e espritualmente; então, sustentam que o Estado deve abrigar a proteção dos valores considerados “sensíveis”, ou “fundamentais” para o bem-estar da sociedade, entre os quais os da preservação da família, e isto inclui proibir iniciativas de outros cidadãos que não se alinhem a esta fórmula de arranjo social.
Apenas para se evitar confusões, aqui não será tratada a questão sobre se os gays podem ter ou não direito ao casamento. Deixemos este debate para uma próxima oportunidade. Para todos os efeitos, trataremos apenas da hipótese sobre se gays podem ou não adotar crianças, seja na condição de solteiros, seja coabitando com seus parceiros.
Diz a lenda que Rômulo e Rêmulo, os fundadores de Roma, foram amamentados por uma loba, após terem se salvado das águas do rio Tibre, onde foram atirados pelo seu tio Amúlio. Poderíamos, portanto, ter em conta esta lenda para marcar a fronteira entre a pior forma possível de um ser humano ser criado, qual seja, por uma loba (ou por chipanzés, como Tarzan) e ser deixado morrer, à própria sorte. Na outra ponta, qual seria, de forma extrema, o melhor para uma criança? Possivelmente, uma família de pai e mãe heterosexuais, fiéis entre si, bem-educados, milionários e amorosos.
Entre estas duas fronteiras do caso em questão, é possível perceber uma infinidade de situações em que uma criança pode ser criada, segundo uma variedade e combinação extensa de oportunidades e percalços: os pais podem ser saudáveis ou doentes, jovens ou idosos, amorosos ou rudes, bem-educados ou ignorantes; podem ser viúvos ou oriundos de outro casamento; podem viver em um país desenvolvido ou extramamente atrasado, e muito mais.
Contudo, em todas estas formas de convívio social, seja qual for a situação, intermediárias entre a pior possível e a melhor possível, sempre a criança terá um destino melhor do que entregue à própria sorte. Logicamente, o ideal seria, como já salientado, que todas as crianças do mundo vivessem no seio de uma família rica, saudável, bem-educada e amorosa. Mas sabemos que há crianças abandonadas, sem nenhum tipo de assistência, a quem um simples teto, por simples que seja, já faz a diferença para melhor.
Aqui reside a fronteira entre as posições de um liberal e de um conservador: o liberal entende que, ao deixarmos para o Estado definir quem pode e quem não pode adotar, estamos lhe delegando o poder de definir qual a fórmula que será tida como padrão, sendo que todas as outras soluções, consideradas inferiores, serão proibidas. Veja o leitor como nisto não reside nenhuma solução: pelo contrário, apenas será decretado que todas as oportunidades deixadas à esquerda do modelo adotado serão abandonadas, ou pior, repudiadas, e seus praticantes poderão sofrer perseguições.
Tempos atrás, um amigo meu decidiu regularizar a situação de um filho adotivo, que ele já vinha criando há anos. Dono de um padrão de vida próprio da classe média alta, vivendo com sua esposa e seus outros filhos, fora obrigado, além de toda a burocracia infernal, a receber em casa uma comissão de inspetores – assitentes sociais – que foram para lá verificar se aquele lar reunía as condições suficientes para a adoção de uma criança!
Este quadro seria muito bonito, se não fosse extremamente hipócrita! Imagine se o Estado conhecia a condição daquela criança, antes de ter recebido um lar, ou, ainda que a conhecesse, que a proporcionasse condições tão boas como aquelas em que ela, afortunadamente, encontrou? Até parece que em nosso país não há milhões de pequeninos sem lar ou sofrendo as piores violências nestas instituições estatais que se dizem “de bem-estar do menor”!
Na Alemanha nazista, os casamentos inter-raciais eram proibidos; as crianças com síndrome de Down ou outro qualquer problema ou disfunção eram apartadas de seus pais, e muitas encontraram seu destino em câmaras de gás ou fornos crematórios. Na União Soviética, as crianças podiam ficar com seus pais até certa idade, e depois eram deles apartadas para então serem educadas em instituições de internação coletiva. Tudo isto já aconteceu, porque a humanidade deu ao Estado a chance de escolher e determinar o que é melhor!
Eis a grande preocupação dos liberais: entregar uma prerrogativa, que é naturalmente de ordem privada, ao Estado! Descuidam os conservadores que, ao entregar ao Estado tais poderes, um dia as coisas poderão voltar-se contra eles, se outra maioria vier a prevalecer; será o dia em que eles serão perseguidos pelo que hoje defendem!
Que tratem, pois, os conservadores, de cuidar de suas famílias segundo a fórmula que melhor lhes aprouver, sem se importar como outras pessoas, mesmo os homosexuais, decidem suas vidas; A cada um é dado, por Deus e pela lei, o livre-arbítrio! A chance de uma criança adotada em meio a homosexuais sofrer violências ou mesmo influências desajustadoras não é lá muito diferente das crianças que vivem em lares aparentemente convencionais, mas atormentados pelas vicissitudes da vida, como desemprego, alcoolismo, pais ignorantes e violentos, etc.
O que temos todos nós, cidadãos brasileiros, optantes por qualquer opção sexual, moral ou religiosa, é cuidar para que o Estado não nos confisque o direito de decidirmos nossos caminhos; qualquer avanço neste sentido somente deve merecer, de todos os segmentos, o repúdio expresso.
* Inspirado no artigo “Don't Let Government Define Marriage (Or Optimal Child-Rearing Environments)” , de Gardner Goldsmith. (http://www.mises.org/story/2209) .

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Substituição Tributária Progressiva - O que é isto?

Por Klauber Cristofen Pires

Publicações: DiegoCasagrande.com.br, Parlata, Manaus online.com, OEstadual.com, Blogs Coligados , Causa Liberal.
Introdução

A Substituição Tributária Progressiva, ou, também, “por antecipação” ou “para frente”, (aqui, doravante, “STP”) consiste no regime de tributação caracterizado pela determinação, por lei, de uma pessoa que será responsável pelo pagamento do imposto de terceiros (“substituídos”) que se encontram na continuação da cadeia econômica, isto é, cujos fatos geradores devam ocorrer posteriormente.
Este método tem gozado de grande valia entre os entes tributantes, em especial os estaduais, vez que, pela sua engenhosidade, proporciona um máximo de arrecadação, combate de forma eficaz a sonegação e “last, but not least”, requer um mínimo de esforço operacional por parte dos órgãos fiscalizadores, dado que concentra a atividade fiscal, antes espalhada por uma constelação de sujeitos passivos, em poucos, senão apenas um contribuinte. Não por acaso, pois, que a defendam com veemência.

A STP sofreu muitos questionamentos quanto à constitucionalidade, mesmo após a edição da Emenda Complementar 03/93, que a regulamentou, sob alegação de infração aos direitos individuais e aos princípios constitucionais fundamentais, bem como sobre a questão da restituição do tributo, de modo a propiciar a devolução (ou o direito de registrar como crédito) a diferença entre o apurado segundo o regime e o método de aferição mensal.

O julgamento da ADIN nº 1.851-4/AL, em 2002, solucionou a questão, com força erga omnes (para todos os cidadãos) e efeito vinculante (todos os tribunais deverão adotar este posicionamento), no sentido da declaração de constitucionalidade da Emenda 03/1993 e da LC 87/96, assim como da solução de controvérsia acerca da restituição, julgada devida somente em caso de fato gerador não realizado, eliminando do mundo jurídico, por conseguinte, a resultante de diferença de apuração entre a base de cálculo presumida e a tradicional.

Para melhor compreensão, a expressão “fato gerador” é usada para definir um fato previsto em lei que, se acontecer, gera a obrigação de pagamento do tributo. Assim, por exemplo, o fato gerador do IPVA é a aquisição de um veículo, pois o IPVA incide sobre a propriedade deste. Um fenômeno importante para a compreensão do fato gerador é que este tem o condão de denunciar um indício de aumento de riqueza, ou de capacidade contributiva, como se pôde verificar no exemplo dado.

História

A STP nasceu há cerca de quarenta anos, tendo sido previsto no texto original do Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 58, § 2º, II, que atribuía ao industrial ou comerciante atacadista a condição de responsável pelo imposto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo de percentual, não maior que 30% ao preço da mercadoria, a ser estipulado por lei estadual. Em seqüência, após ter sido revogado em 1968, voltou à vigência em 1983, tendo sofrido posteriormente outras alterações procedimentais, até que, a 17/03/1993, veio a ganhar status constitucional com a edição da Emenda Complementar nº 03, com o detalhe da previsão de restituição do imposto, “caso não se realize o fato gerador presumido”. Todavia, por falta de regulamentação, sua aplicabilidade somente veio a se tornar viável a partir da edição da Lei Complementar nº 87/96.

Questionamentos quanto à Constitucionalidade

A alegação da ofensa ao princípio constitucional da estrita legalidade, assenta-se nos artigos 5º, II (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), e 150, I(veda à União, Estados, DF e municípios... “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”). Do que se entende que não deve existir a conseqüência de um fato jurídico sem a necessária – e anterior – ocorrência deste, e posteriormente a uma hipótese de incidência previamente estabelecida em lei. Aqui, devemos entender o “fato gerador”, como uma extensão do fenômeno “fato jurídico”. A ordem, pois, é lei-hipótese-fato-consequência, e não outra. A ordem dos fatores altera sobremaneira o produto, pelo que qualquer inversão resulta em corromper o sistema jurídico vigente, este mesmo que prevê garantias constitucionais tais como a do art. 5º, incisos XXXIV (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”) e XLVIII (“habeas corpus”);

Os defensores do regime alegam que desde o início de vigência do ICMS (1967), a substituição tributária foi adotada para certas categorias, tais como cigarros e bebidas, sendo que à época não houve qualquer contestação. Ainda, que diversos outros tributos são pagos anteriormente ao fato imponível respectivo, tais como o imposto de transmissão inter vivos (antes do registro imobiliário); o imposto de exportação (antes da saída da mercadoria do país); o imposto de renda das empresas (que normalmente é cobrado antes da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos); as taxas de polícia (que são cobradas antes do exercício do poder de fiscalização), entre outros. Finalmente, alegam não ter havido falta de previsão legal, com a conseqüente inexistência de fato gerador, porque a responsabilidade do substituto foi imposta por lei e autorizada pela Constituição.

Todavia, parece difícil aceitar a tese de, porque em determinada época ninguém argüiu a inconstitucionalidade da substituição tributária progressiva, ela haveria de consolidar-se, para sempre, como legítima. Qualquer norma legal reveste-se do privilégio de presunção de legitimidade, e assim permanece no mundo jurídico, mas isto até que um dia alguém indague sobre sua validade, seja no plano teórico, a contribuir para o enriquecimento da doutrina, seja concretamente, por via do tribunal competente. Que ninguém até então tenha feito isto, é algo a se lamentar, mas, por si só, não invalida o exame de constitucionalidade.

A seguir, a tentativa de enumerar outros tributos, em que há cobrança antecipada à ocorrência do fato gerador, como forma de demonstrar precedentes, falha pelas gritantes disparidades: nos casos exemplificados, o lapso temporal é mínimo, às vezes de minutos, de tal forma que não há de se falar em agressão à capacidade contributiva, face à iminência da consumação do ato jurídico (o contribuinte já dispõe do numerário para fazer frente à despesa); além disso, não se trata de “presunção”, vez que o fato gerador será, óbvia e absolutamente, consumado, e a dimensão material do tributo (o quantum a pagar) é completamente conhecida.

Outro princípio constitucional questionado é o da isonomia jurídica, ou seja, aquele que dispõe que “todos os cidadãos são iguais perante a lei”. Aqui, é necessário ter uma certa compreensão de como evoluiu o instituto da substituição tributária, até que surgisse a STP. No início, a substituição tributária nasceu com a finalidade de o Estado encontrar pessoas civilmente capazes para serem responsáveis por outras que, embora contribuintes, não pudessem praticar atos jurídicos, por conta de uma limitação qualquer, idade ou doença, por exemplo.

Aqui, perceba-se, o responsável indicado pela lei guardava uma relação pessoal e direta, inequívoca, com aquele a quem se devia cobrar o imposto. A contrario sensu, a STP indicou determinadas pessoas como responsáveis, desprovidas de qualquer vínculo pessoal com os substituídos, unicamente com base na sua vontade (a de mais arrecadar), derivada do jus imperis estatal.

Cada qual deve guardar a responsabilidade e os deveres de cidadão por igual, sob pena de infração à isonomia jurídica. Portanto, atribuir a um cidadão deveres de responsabilidade por coisa tão séria que é o pagamento de tributo alheio consubstancia-se em promover-lhe injusto encargo, às custas de um conseqüente alívio para outros.

O filósofo Ph.D, sociólogo e economista alemão, Hans-Hermann Hoppe, ao tratar das “particularistic rules”, alerta para as conseqüências nefastas para as sociedades que as adotam, principalmente aquelas onde a sua prática é recorrente:

“...in order to be just, a rule must be a general one applicable to every single person in the same way. The rule cannot specify different rights or obligations for different categories of people (one for the red-headed, and one for the others, or one for women and a different one for men), as such a “particularistic” rule, could never, naturally, could never, not even in principle, de accepted as a fair rule by everyone”.[1]

Note-se como a expressão “particularistic rule” guarda um significado diferente do uso corrente, na língua portuguesa, de “lei casuísta”. Com efeito, muitas leis casuístas são também “particularistas”, mas não necessariamente. O casuísmo encontra-se na lei que desce a detalhes mínimos, enquanto o “particularismo” se encontra justamente na diferenciação entre direitos e obrigações conferidos a diferentes cidadãos, ou categorias de cidadãos, quebrando assim a regra de isonomia jurídica. Freqüentemente, contudo, ambos os fenômenos costumam andar juntos.
Destarte, não é somente o encargo de recolher o tributo que se acomete ao responsável, mas também, a tiracolo, o risco e as conseqüências, administrativas e mesmo penais, pela quais haverá de se sujeitar por conta de qualquer inobservância. Em uma terra onde se editam normas tributárias com a velocidade com que uma padaria faz novas fornadas, um mero descuido pode gerar indesejáveis surpresas.

Do ponto de vista do impacto econômico, emerge a questão da ofensa ao princípio da capacidade contributiva. Os defensores da STP alegam que o encargo do substituído será integralmente ressarcido pelo consumidor final. Isto pode não ser verdade, porque, o substituído vem a sofrer dois tipos de encargos, sobre os quais pode não haver, necessariamente, a repercussão econômica sobre o consumidor final: o primeiro, por ter de pagar por tributo antes de ter seu patrimônio aumentado por conta da ocorrência de seu fato gerador, já se evidenciando aqui, por definição, a agressão ao princípio da capacidade contributiva; o segundo, é de natureza financeira: enquanto o Estado locupleta-se com as vantagens financeiras do pagamento do imposto feito de forma antecipada, o substituído sofre o respectivo – e oposto – revés, deixando de se remunerar pela aplicação de seu dinheiro.

E pior se configura, se imaginarmos que o substituído possa vir a adquirir as mercadorias com capital financiado! Neste aspecto, não há como contestar, como fazem alguns defensores do regime, de que não se verifica um autêntico empréstimo compulsório, evidentemente, sem as garantias e condições previstas constitucionalmente, traduzindo-se em majoração disfarçada da carga tributária.

Um dos aspectos mais polêmicos da instituição da STP relaciona-se com o princípio previsto no art. 150, IV da CF/88, que proíbe a instituição de tributo “com efeito de confisco”. Já vimos aqui dois fatos que por si só já caracterizariam a prática de confisco: a cobrança do imposto antes do aumento do patrimônio do substituído, isto é, sem a ocorrência do “fato gerador”; e a vantagem do adiantamento dos ganhos financeiros sobre a propriedade que, de outra forma, permaneceria nas mãos do substituído. Todavia, periclitante é a possibilidade de o Fisco, podendo arbitrar valores unilateralmente, superestimar a sua pauta de preços, receio que veio a ser publicamente denunciado por eloqüente pronunciamento do Sr. Ministro Presidente Marco Aurélio de Mello (voto vencido), na ADIn nº 1.851-4/AL:

[...] para mim, é muito sintomático que os Estados queiram manter um preceito que veda, inclusive, a diferença de tributo, que veda a possibilidade de eles próprios buscarem diferenças não no campo da simples presunção – presunção que, segundo o vernáculo, tem-se como temporária -, mas no da realidade. Isto porque há parâmetros ditados unilateralmente. Porque dificilmente teremos uma hipótese em que o valor presumido ficará aquém daquele resultante do fato gerador. Assusta-me, sobremaneira, o enriquecimento sem causa, considerado este embate contribuinte - Estado.[2]

Sobre a ofensa ao direito de Propriedade, além do que se mais se expôs neste singelo artigo, propomos a reflexão sobre a prerrogativa que tem o ente tributante ao fixar, com ânimo de definitividade, qual será a margem de lucro do comerciante. Ora, se alguém que não justamente o proprietário da mercadoria pode determinar a margem de lucro com que vai operar, então a sua propriedade, em parte, já não lhe pertence.

Em comentário final sobre a ofensa aos princípios constitucionais de garantia dos direitos individuais, propõe-se aqui também uma percorrida sobre o § 1º do art. 145 da CF, que assim dispõe: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,...”.

Da expressão “sempre que possível”, a constituir um verdadeiro poder-dever, entende-se da necessidade de sua observância, sobremaneira com relação a imposto plurifásico, como o ICMS que, já tendo sido configurado segundo método que proporcione melhor relação pessoal com o contribuinte, sofre a inovação que o afasta do preceito constitucional acima descrito, suscitando a argüição de inconstitucionalidade, face ao flagrante menosprezo por garantia de direito individual consagrado na Constituição.

Não é menosprezável que, ao atribuir a terceiro sujeito passivo a condição de responsável, dilua-se o conceito de caráter pessoal do imposto em comento, vez que, conforme se pretende, isto é, conforme até julgado pelo STF, na ADIN 1.851-04/AL, uma vez entendido que a cobrança antecipada presumida enquadra-se como definitiva, perde o fisco qualquer interesse na manutenção de sua relação com o substituído.

Uma Análise Lógico-Epistemológica

Sobre a Presunção

Em Direito, temos a presunção juris tantum quando, impossibilitados de vermos com os nossos próprios olhos, nos permitimos deduzir uma dada situação de fato com base em indícios razoáveis. Quando, no entanto, inferimos que determinada situação de fato realmente aconteceu, pela análise de indícios veementes e que, juntos, conduzem a um só resultado, a esta forma de presunção chamamo-la de juris et juris.

Observe-se como, até então os conceitos jurídicos tradicionais de presunção se caracterizam pelo exercício da dedução de uma situação de fato que já ocorreu! Com relação à STP, contudo, opera-se situação diversa, pois se deduz sobre fato que ainda não aconteceu, inaugurando-se assim, um caso bizarro de uma “presunção relativa absoluta”, que já não será nem mais uma presunção, porque lhe faltem os atributos de provisoriedade e precariedade, mas também não será sequer a prova de um fato, porque decretado que suas feições serão outras!

Sobre a Definição do Sujeito Passivo

Uma dificuldade atroz na formulação do regime de substituição tributária progressiva tem sido a da definição do sujeito passivo. Em uma corrente, antes minoritária, mas até que, ao final, vencedora, por força da jurisprudência advinda da julgada ADIn 1.851-4/AL, atribuía-se ao substituto, somente, a relação Fisco-contribuinte, colocando, portanto, o substituto na condição de contribuinte, segundo o conceito previsto no CTN, no art. 121, I.

Considerando o problema apenas pelo lado teórico, já que, em concreto, resta irrecorrível, para a elucidação do caso é necessário definir de qual fato gerador se fala.

Sobre o Conceito de Fato Gerador

Segundo o entendimento do Senhor Ministro Ilmar Galvão:

"Aliás, a LC nº 87/96 não apenas definiu o modo de apuração da base de cálculo na substituição tributária progressiva, mas também o aspecto temporal do fato gerador presumido, consubstanciado, obviamente, na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não havendo cogitar, pois, de outro momento, no futuro, para configuração do elemento. A providência não é de causar espécie, porquanto, na conformidade com o disposto no art. 114 do CTN, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência." [3]

Do acima transcrito, forçoso é reconhecer que o substituto reveste-se da condição de contribuinte de jure original, por força de fato gerador que não é mais o que acontecerá no futuro, mas o seu próprio, aqui denominado de “fato gerador presumido”, ingressando desta forma como figura autônoma no mundo jurídico.

Com o máximo respeito, a divergência merece atenção, por advir de razões oriundas de um exame lógico do mandamento contido no § 7º do art. 150 da CF/88, que, para conforto, o transcrevemos: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Decerto, tomou o ministro a expressão “fato gerador presumido” ao pé da letra, como a inauguração de um novo conceito no Direito Tributário. No entanto, o exame do artigo demonstra que, por infelicidade na redação do texto constitucional, na verdade o constituinte derivado quis dizer: “o fato gerador que se presume”. Isto, em parte para se evitar a abundância que empobreceria o texto, mas sobretudo porque o mandamento constitucional já enquadra expressamente o substituto na condição de “responsável”; ora, ninguém é contribuinte e responsável ao mesmo tempo. Ao assegurar “a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”, a Carta Magna está a ordenar a restituição ao substituído, e não ao substituto, vez que ele já se ressarciu, por conta da repercussão econômica que se opera por sobre a operação mercantil. Ora, se “fato gerador presumido” é uma espécie autônoma de fato gerador, então ele sempre se realiza, desde que o substituto entregue a mercadoria ao substituído. Logicamente, se a CF fala em fato gerador presumido que não se realize, está a se referir ao fato gerador do substituído, que, apesar de presumido, não se realizou. Donde se demonstra que inexiste a figura de “fato gerador presumido” como figura autônoma.

Sobre a Constituição do Crédito Tributário

Como se percebe, o substituído permanece na condição de contribuinte de jure, original. Jamais tratou a Constituição Federal, por conta de seu § 7º do art. 150, de desconsiderar a existência do fato gerador que “deva ocorrer posteriormente” e olvidar a figura de quem lhe dará causa.
Conseqüentemente, perde-se o sentido de definitividade consubstanciado em interpretação, ao que parece, equivocada, sobre a previsão de base de cálculo para entrega aos cofres públicos, feita com base em estimativa, ainda que prevista por lei.

Em comparação idêntica, não há de se falar que o empregador é contribuinte do IRPF de seus empregados. Ele é somente o “responsável”. Da mesma forma, como no instituto da substituição tributária passiva, também há, no IRPF, a previsão legal de uma base de cálculo para recolhimento, que não será por esta razão definitiva, mas sempre provisória, haja vista que o verdadeiro contribuinte, qual seja, o empregado, haverá de fazer a declaração de ajuste em momento legalmente oportuno, sobrando-lhe um de três resultados possíveis: a coincidência com saldo zero, o imposto a pagar, e o imposto a restituir.

Uma vez que a alegação de definitividade do tributo é a coluna mestra do argumento apresentado pelos que reprovam o dever de restituição por diferença de apuração entre a base de cálculo presumida e a efetiva, e como aqui se demonstra, pelo encadeamento do raciocínio lógico, que se apresenta como falaciosa, forçoso concluir pela necessidade de haver um ajuste a posteriori, com possibilidade de haver imposto a restituir ou até mesmo, se for o caso, a pagar.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851-04/AL

O STF, por unanimidade, conheceu da ação e por maioria (vencidos os Senhores Ministros Carlos Veloso, Celso de Mello e o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio), julgou improcedente o pedido formulado na inicial e declarou a constitucionalidade da Cláusula Segunda do Convênio ICMS nº 13, de 21 de março de 1997.

Dos argumentos formulados pelos senhores ministros, a maior parte já foi comentada neste artigo. Todavia, de uma forma geral, parece os aspectos jurídicos pesaram menos do que os aspectos práticos, sobretudo com relação à questão da viabilidade, praticidade e a economicidade que o regime proporcionaria ao Estado, argumentos que foram determinantes para a corrente vencedora.

A despeito do zelo devotado à causa da viabilidade do instituto, sem uma percorrida mais profunda em procurar antever as conseqüências que adviriam em caso do acolhimento da tese da procedência da ação, é digno de nota que não ficaria prejudicado o Fisco pelo problema do combate à sonegação, vez que praticamente a totalidade do imposto seria retida logo no início da cadeia econômica, e com a vantagem do recebimento antecipado, o que significa, sem dúvida, um plus financeiro considerável.

Ademais, com recorrência, neste país, costuma-se tomar o conceito de “sociedade” pelo de “estado”, consagrando o bem público como sendo o bem do “estado”. O Estado é uma entidade dotada de personalidade jurídica própria e diversa das dos membros que compõem a sociedade, e existe para cumprir determinados fins, aliás, muitas vezes diferentes dos que os cidadãos planejam para si mesmos, quando não, às vezes, absolutamente antagônicos.

Portanto, não se pode atribuir senão irrefletida pressa ao argumento tomado como verdade sabida de que algo que seja bom, por prático ou econômico, para o Estado, o seja também, e necessariamente, para a sociedade. Uma alegada economia do Estado proveniente da diminuição dos seus custos de fiscalização deveria ser confrontada com os respectivos gastos da sociedade (no caso, mais especificamente, as empresas), na contra-parte que lhe cabe, devendo ambas as expressões de valor serem estimadas por processos estatísticos razoavelmente confiáveis; assim, seria realmente econômica, e traduziria um benefício à busca da prosperidade do país, a medida cuja economia por parte do Estado fosse maior do que o gasto empreendido pelos particulares para cumprir as exigências nele previstas, bem como pelos prejuízos econômicos que sofreriam; do lado oposto, seria contraproducente, e tendente a provocar o empobrecimento da nação, se fosse verificado o contrário.

Outra conseqüência digna de nota é a de, na hipótese de o regime se expandir para expressiva parte das atividades econômicas, inaugurar-se-á um retorno à indesejável estatização dos preços, visto que, em face da tributação prefixada, seu peso relativo na composição do preço final do produto tender a aumentar. Tornaria frágil o princípio da livre concorrência, com prejuízo aos consumidores e sugerindo tendências de servir como fonte de aumento da inflação.
A entrada no mundo jurídico do instituto da STP, tal como enfim se estabeleceu por conta da Emenda Complementar nº 03/93, bem como pelas feições finais que lhe deu o julgamento da ADIn 1.851-4/AL pode ter afetado sobremaneira todo o edifício do sistema tributário constitucional e legal, revogando ou enfraquecendo diversos conceitos basilares, principalmente o de fato gerador.

[1] “Para ser justa, uma norma deve ser geral, aplicável a cada pessoa de per se, e da mesma forma. A norma não deve especificar diferentes direitos ou obrigações para diferentes categorias de pessoas, (uma para os cabeças-vermelhas, e uma para as outras, ou uma para as mulheres e outra diferente para os homens), pois uma tal norma particularista jamais poderia, nem mesmo em princípio, ser aceita como boa por todos.” (HOPE, Hans-Hermann. A Theory of Socialism and Capitalism: economics, politics, and ethics; Kluwer Academic Publishers, Second Printing, Massachusetts, 1990, p. 5. tradução nossa.)

[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI 18.851-4/AL. Brasília, 08 de maio de 2002. Voto do Presidente. p.01. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=ADI&processo=1851&origem=IT&cod_classe=504 . Acesso em 17/07/2006.

[3] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI 18.851-4/AL. Brasília, 08 de maio de 2002. Voto do Relator. p.19. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=ADI&processo=1851&origem=IT&cod_classe=504 . Acesso em 17/07/2006.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Vereadores Federais

Por Klauber Cristofen Pires

Das propostas dos candidatos a cargos públicos, legislativos ou executivos, que venho acompanhando desde há uma década, e afora aquela bobagem de “mais saúde e educação”, dita assim, em termos genéricos, sempre pronunciada sob chavão, a que mais tem se destacado é a da capacidade de angariar recursos. Todos, sem exceção, hoje, disputam o eleitor dizendo-se “campeões” de recursos para o seus Estados. Todos mesmo: candidatos a deputados estaduais, federais, prefeitos e governadores.

Esta é a tônica dos dias de hoje. Mesmo no caso dos candidatos a governador, este é o carro chefe – no caso deles, a alegação reside no fato de pertencerem ao partido ou à coligação do presidente da República. No Rio, já assisti à campanha televisiva da candidata Benedita da Silva, ao cargo de senadora, em que ela, inclusive, ensinava ao seu público-alvo que a missão de um senador é a de “trazer recursos para o seu Estado”...

O fato é que ninguém mais pensa em administrar e governar, ou fazer leis para os seus eleitores: viraram todos o que se pode chamar de “vereadores federais”. Isto porque, ora bolas, quem deveria passar seu mandato buscando recursos para obras seriam os vereadores.
Mas, qual seria a causa de tal deturpação das funções públicas? Isto talvez possa ser compreendido se nos estendermos um pouco mais...

Recentemente, tem sido veiculada uma campanha promovida pelo poder judiciário legislativo, cujo mote é um cenário onde um professor cobra de seus alunos que se lembrem em quem votaram. A propaganda me pegou em cheio. Eu não me lembro de nenhum. Só me lembro - e olhe lá – de quem votei para cargos executivos. Para falar a verdade, lembrar ou não, para mim, faria pouca diferença. Quando votei, nem sequer sabia quem eram.

Antes que queiram pegar no meu pé pela minha explícita demonstração de anti-civismo, o que desejo aqui salientar é o seguinte: nosso sistema de democracia está viciado; a representatividade dos detentores de cargos públicos é nula!

Afinal, sejamos francos: votar em vereadores, deputados estaduais e federais, prefeitos e governadores, para quê?

Que fará um vereador, além de leis de proibição de fumar e nomes de ruas? Que fará um deputado estadual, além de elaborar leis idênticas às leis federais, justamente porque estas ordenaram? Sobrou o deputado federal, mas, o que este pode fazer, se o executivo legisla por medidas provisórias e utiliza seu poder (justamente, ora o quê, detém os “recursos”!) para submeterem os parlamentares? Isto, se não apela para o mensalão...

Que fará um prefeito, se apenas 5% de seu orçamento vem de tributos municipais? O resto, para quem não sabe, tem origem no Fundo de Participação dos Municípios ou na transferência de recursos voluntários da União. Portanto, tudo o que faz um prefeito é aplicar os recursos federais segundo políticas, diretrizes e legislações federais. Estes recursos são auditados por órgãos de controle federais (Controladoria Geral da União e Tribunal de Contas da União). Na prática, o prefeito não é mais do que um funcionário público federal, com a única diferença de ter sido colocado no cargo por meio do voto.

Da mesma forma, acontece com o governador. Seus impostos são definidos pelo Senado Federal e pelo Confaz, uma absurda entidade criada para centralizar o que era para ser descentralizado. A União, por meio das Contribuições Federais, foi gradativamente aumentado sua participação no bolo tributário, de modo que hoje goza de cerca de setenta por cento de tudo o que se arrecada neste país.

Para piorar, também o Estado depende do Fundo de Participação dos Estados e das Transferências da União. Desta forma, prefeitos e governadores, se quiserem “ver algum” pingando em seus municípios ou estados, têm de se submeter à União, porque senão os critérios para distribuição ou alocação destes recursos “podem variar”, de modo a privilegiar os entes representados por correligionários ou aliados.

Os Estados não gozam de praticamente nenhuma competência legislativa; praticamente todas já foram pré-definidas para serem privativas da União, na própria Constituição Federal. Ironicamente, em nossa carta magna, o parágrafo primeiro do art 25 dispõe que “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”. Palhaçada: fizeram isto para copiar a constituição norte-americana. Só que lá, a constituição deles reservou umas poucas competências para a União, e consagrou a maior parte – tudo o mais que houvesse ou que viesse a aparecer – para os Estados, enquanto que na Carta cabocla, a União reservou já de antemão quase tudo para si, tendo em seguida enumerado as competências dos municípios, e ao fim, para os Estados, praticamente nada restou.

Resumo da Ópera: de nada adianta votar! Depois de eleito, o político simplesmente extingue sua relação política com o eleitor. Ele não pode fazer leis que nos interessem, pois “federação”, no Brasil, é apenas um nome bonito. Ele não pode cortar impostos porque a lei de responsabilidade fiscal não permite. Ele não pode desenvolver políticas ou planos de obras próprios porque os recursos são da União, esta sim que decide como usá-los. E nós nem sequer podemos cobrar algo deles, porque não temos recursos para tirá-los de onde estão e substituí-los por outros.No fim das contas, o político brasileiro não tem mais nada a fazer se não exercitar a sua capacidade de ser um bom “pedinte” de recursos junto à União. Só.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Por onde anda a Caridade?


Por Klauber Cristofen Pires


Recentemente, de uma conversa entre amigos - estávamos falando sobre a educação dos filhos em contraposição à interferência negativa do governo e da mídia – um estimado veio com esta, mais ou menos nos seguintes termos: “... que ensinaria seus filhos a terem senso de responsabilidade social, que isto é uma coisa que no futuro eles vão ter, ou melhor, vão ter que ter!”.

Este comentário imediatamente remeteu-me a um outro termo: “caridade”. Que lhe aconteceu? Já faz tempo que não se ouve esta palavra. Só tenho percebido como tem sido detratada, lembrando-me de acontecimentos até então aparentemente eventuais. Em uma destas ocasiões, lá pelos anos setenta, por meio de uma carta ao programa do apresentador Flávio Cavalcante, um telespectador a repudiara, manifestando seu ódio àqueles que a praticavam. Vi o mesmo se repetir ulteriormente, seja na TV ou na mídia impressa, com cada vez mais frequência. Hoje, parece que “caridade” não é mais uma virtude, mas um ato vergonhoso.

Há algum tempo venho alimentando a idéia de falar sobre a responsabilidade social. O discurso de uma pessoa de meu convívio (gente boa, em que pese sua opinião) apenas fez soar o alarme porque até então eu circunscrevia a expressão ao setor empresarial. Para as pessoas físicas, o denominativo imperante seria “solidariedade”, a qual contrapor-se-ia a “caridade”. Responsabilidade social, por sua vez, seria o substitutivo de... sei lá, quem sabe, “responsabilidade empresarial”?

Mas eis que agora crianças serão obrigadas, por seus próprios pais, a imbuírem-se do espírito de “responsabilidade social”. Elas “terão que ter” responsabilidade social, pelo que se vê. Bom, então, já que caridade é um defunto, peço que me deixem enterrá-la; por favor, não se repita em mim o infortúnio de Antígona.

Cresci aprendendo sobre a caridade em um Colégio de Freiras, e vou morrer com este conceito, por acreditar que ele está conforme a doutrina cristã e a boa filosofia. Porque vejo características diferenciais entre “caridade” e “responsabilidade social” ou “solidariedade”, em sua nova acepção.

A começar, por caridade, percebe-se um ato voluntário, o exercício do livre arbítrio. Sem livre arbítrio, não existe caridade e nem mérito, e mais que isto, economicamente falando, também não existe o melhor julgamento quanto à quantificação dos recursos a serem utilizados. Por meio do livre arbítrio, o agente caridoso pode julgar quais e quanto de seus recursos (dinheiro, bens, ou seu próprio trabalho) serão usados em favor do necessitado, e quanto pode sacrificar de seu próprio bem-estar, ou de outras pessoas sob a sua responsabilidade, para a consecução deste mister.

Há certas religiões que exaltam as boas obras; outras, por sua vez, defendem que somente a fé é a coluna mestra da salvação. Não são disparidades essenciais: os que vêm virtude nas boas obras apenas entendem que são o extravasamento natural de quem alimenta a sua fé. A caridade pode advir de um sentimento humanista ou religioso, mas tanto faz: justamente por ser um ato livre, denuncia a compaixão, a piedade, e o juízo por parte do praticante, como bem atesta a parábola do bom samaritano. As religiões, a seu turno, embora recomendem ou a elogiem, não obrigam seus fiéis à prática. E com razão: como poderia alguém merecer o céu por atos que pratica por obrigação?

Outro que odiava a caridade era Cazuza: “...vivendo da caridade de quem me detesta...”. Quem oferece seus recursos ao próximo destituído da vontade de lhe ajudar, em verdade, não pratica a caridade, mas apenas o usa para um fim pessoal. Não é muito difícil discernir uma situação de outra: a verdadeira caridade prescinde da publicidade, tão cara aos adeptos da “responsabilidade social”.

Em contrapartida, a pessoa socorrida também faz com que o sentido da caridade se complete. Ao despir-se do orgulho e da inveja, também ela, ao mesmo tempo, a pratica, ao dar esta oportunidade a quem, talvez pela primeira vez, esteja tentando ser útil. Nenhum de nós está livre de necessitar ajuda. Ocupamos todos corpos frágeis, e nossas riquezas materiais são voláteis, de modo que não há vergonha a ninguém por receber uma mão amiga em algum momento da vida.

Destarte, conquanto receba o préstimo caritativo, sabe o auxiliado que o abuso constitui fraude, esperteza vil. A caridade não se presta a sustentar ociosos, e nisso reveste-se de um certo senso de transitoriedade, que, enquadrando-se sob o juízo do agente caridoso, pode ele, revestido de seu livre-arbítrio, determinar a sua continuidade ou cessação. Há ações de caridade que atendem a pessoas que jamais irão erguer-se por si próprias, por absoluta impossibilidade; são as pessoas portadoras de enfermidades incuráveis ou as de idade avançada; mas nem por isto desvalida-se o sentido: serem gratas e colaborativas a quem lhes presta os cuidados já é, no possível, a expressão de zelo pela própria dignidade e autoconduta.

Estas são, portanto, as características da caridade: amor ao próximo, desapego, ausência de contraprestação, respeito mútuo, discreção, gratidão, não abuso, andar com as próprias pernas assim que possível.

Pronto. Feche-se a tampa, para sempre. Deitem-se as flores. Viva os novos tempos da responsabilidade social!

A quem fez a sua escolha, que agora preste atenção: responsabilidade é obrigação, e portanto, exigível. Social é ampla e perene, e não individual e transitória. Responsabilidade social é, pois, a transferência compulsória e permanente dos recursos de uns em benefício de outros. Não há mais que se falar em fraternidade, repeito, autoconduta ou gratidão. Não há mais valores morais ou religiosos em jogo, mas sim apenas valores político-jurídicos. A exação dos recursos do “responsável social”, agora ditada por quem se apresente como representante da classe beneficiada, não conhecerá limites, seja de quantidade ou tempo. A simples alegação do estado de necessidade, porque a critério deles mesmos, dispensará qualquer demonstração, servindo de pretexto para a auto-execução, isto, é, para a subtração à força, pelas próprias mãos, dos bens do responsável social. Voltamos aos tempos dos bárbaros: Genghis Khan revive!

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

O Resgate de Robin Hood


Por Klauber Cristofen Pires


Possivelmente a maior parte das pessoas já tenha ouvido falar da lenda de Robin Hood. A história medieval atravessa os séculos e se revigora nos dias contemporâneos, principalmente graças às maravilhas das superproduções cinematográficas, que popularizaram a história do personagem britânico.

“Roubar dos ricos para dar aos pobres” tem sido a máxima que acompanha o mito em sua versão mais conhecida, aliás, bastante propícia para ser oportunamente aproveitada, em tempos de alta do pensamento politicamente correto, por defensores de teorias igualitárias e coletivistas. Na linha oposta, os defensores dos ideais conservadores lamentam a popularização e o glamour de a quem não consideram mais que um ladrão.

Afinal de contas, seria Robin Hood um herói ou um fora-da-lei?

Que tal então fazermos uma análise da lenda, em sua linha essencial, como um meio de decifrar a questão?

Com base na versão do filme “Robin Hood, O Príncipe dos Ladrões”, estrelado por Kevin Costner, a saga tem início no século XIII, quando Ricardo Coração de Leão, o prestigiado Rei da Inglaterra, parte com seu exército para engrossar as fileiras cristãs nas Cruzadas. Interinamente, o governo passa às mãos do sherife de Nottingham.

O temido vilão, ambicionando tomar o trono para si próprio, passa a perseguir os nobres e demais súditos leais ao rei, entre os quais, o próprio pai de Robin Hood, o lorde de Locksley e lota a corte com uma multidão de apadrinhados compostos principalmente por clérigos corruptos e ávidos funcionários públicos (Alguma coincidência com o nosso Brasil do século XXI, com seus “Freis Bettos”, “teólogos da libertação”, mensaleiros e cerca de trinta mil cargos de confiança criados só para servir de cabide de emprego a quem o povo alijara da vida pública por meio do voto ?), os quais lhes prestarão o apoio legitimador de suas tiranias, entre as quais exigir pesados impostos dos camponeses, artesãos e feirantes.

Neste contexto, surge Robin Hood, que lidera o povo humilde em uma campanha de resistência comparável a uma atividade de guerrilha, em que comanda saques a caravanas e a pequenos grupos de militares, até que, suficientemente munido de recursos materiais e já tendo consigo uma respeitável hoste de guerreiros treinados, parte para o confronto aberto, retomando o poder e restaurando o trono para seu legítimo rei.

Há outras versões para o filme, uma das quais a figura do xerife de Nottingham é substituída pela do príncipe John, ou a de que Robin Hood não teria uma ascendência nobre. De qualquer forma, tais desvios não chegam a alterar a sinopse do enredo, tal como foi aqui formulada.

Terá o leitor notado algo de novo, alguma informação diferencial? Talvez não, pelo menos aparentemente. Mas aqui tem lugar a nossa proposta: veja que Robin Hood, mais precisamente, não “roubava dos ricos para dar aos pobres”. Na Inglaterra medieval, não havia entre os ricos quem trabalhasse. Isto somente se deu quatro ou cinco séculos mais tarde, quando, por meio de muito sacrifício e sangue, um grau suficientemente razoável de liberdade individual foi conquistado, o que possibilitou aos camponeses, artesãos e feirantes prosperar por meio do trabalho, e que mais tarde viram a se transformar em fazendeiros, industriais e comerciantes.

Naquele tempo, como é fácil de se inferir, “ricos” eram os que desfrutavam os privilégios da corte e que viviam a boa vida graças à brutal (em sentido literal) exploração dos que trabalhavam arduamente. Talvez, portanto, fosse mais propício dizer que Robin Hood “roubava dos nobres para dar aos pobres”, mas nem esta expressão seria exata, já que estes não eram de fato nobres, mas impostores proclamados ilegitimamente.

Enfim, seja qual for o mote, que se esclareça: os ricos daquele tempo não eram os mesmos dos tempos atuais, isto é, daqueles que se afirmaram por meio de trabalho honesto. Infelizmente, no Brasil de hoje, como na Inglaterra de setecentos anos atrás, a classe rica vem novamente sendo representada cada vez mais por burocratas que já tomam ares de uma casta, como que se achando “nobres”, enquanto, a pretexto de acabar com a pobreza e as mazelas, expropriam o fruto do trabalho dos cidadãos por meio de uma carga tributária que não pára de crescer. Brasília já detém a maior renda per capita de nosso país, o que somente pode ser interpretado como uma deplorável vergonha e uma alarmante aviso.

No contexto da lenda, agora melhor compreendida, é possível resgatar o mérito do heroísmo de Robin Hood, embora não pelos mesmos motivos defendidos ultimamente. Que esta lenda, agora revigorada, sirva de inspiração para todos os que leram este artigo, de forma a não mais permitirmos xerifes de Nottinghams a roubar-nos a liberdade e os nossos bens.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

A Burguesia Fede?


Por Klauber Cristofen Pires

Publicações: Blogs Coligados, Parlata, Diego Casagrande, O Estadual, Manaus on Line, O Guaruçá, Instituto Liberdade

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo.
Trechos de “Burguesia” - Cazuza/Ezequiel Neves/George Israel

Há um fato que merece a atenção: porque será que os artistas, em sua esmagadora maioria, sempre se colocaram contra a liberdade de mercado? No Brasil, é possível até mesmo falarmos de uma unanimidade. Até hoje, são tão raros os testemunhos em contrário, que só é possível lembrar as exceções pelo reconhecimento da extrema coragem manifestada por uns poucos corajosos, cônscios de toda repercussão negativa a pairar-lhes sobre as cabeças.
A estrela Regina Duarte felizmente voltou à tv brasileira após três anos de ter confessado o seu medo que, se não fosse uma surpreendente atuação de nossas frágeis instituições, teria tornado-se realidade, na forma da mordaça ao Ministério Público, aos servidores públicos e à liberdade de imprensa, no mínimo. Não menos ousadas foram as aparições da brilhante atriz Beatriz Segall e do cantor Agnaldo Timóteo, este inigualável, nas entrevistas a que comparece. Que se perdoem eventuais omissões.
Longe de dar um ponto final na busca das razões pelas quais os artistas, em esmagadora maioria, defendem a ideologia socialista – e isto é um fato verificado no mundo todo, sendo que no Brasil é apenas mais notório – muitas vezes colocando-se abertamente a favor dos partidos mais radicais, os próximos parágrafos tentarão ao menos fornecer alguns indícios para a compreensão deste fenômeno.
A burguesia nasceu das primeiras aglomerações de pequenos artesãos e caixeiros viajantes, que, para livrarem-se do poder dos nobres, bem como se manter próximos dos seus consumidores, procuravam instalar-se nas fronteiras mais distantes de seus domínios, onde o poder feudal era mais fraco e contrastável com os dos potentados vizinhos. Assim floresceram as primeiras cidades européias. Era a forma como as pessoas simples e trabalhadoras podiam escapar, ou pelo menos diminuir a voracidade e a brutalidade com que eram tratadas pelos “dons” e “lordes” da vida, a quem tinham de pagar pesados pedágios, impostos e trabalhar pesado, de sol a sol, comendo repolho a vida toda. Aos poucos, foram prosperando, a ponto de, ao fim de um ciclo histórico, acabarem por superar seus antigos exploradores.
Apesar de industriosas, estas pessoas, pelo menos no princípio, demonstravam pouco apego com relação às artes, isto é certo. Mas isto não significa que fossem seres humanos destituídos do senso de beleza. Apenas estavam todos engajados em superar suas dificuldades e sofrimentos mais urgentes: precisavam de roupas, de casas, de sapatos, de móveis e outros bens.
Aprenderam que era necessário educar seus filhos, para conseguir melhor produtividade em seus empreendimentos. Compreenderam o sentido da propriedade privada, por reconhecerem a injustiça da pilhagem, de que tanto foram vítimas. E começaram a poupar, por perceber como é custoso o trabalho e a necessidade de manterem-se previdentes face às incertezas da vida, bem como por vislumbrarem as oportunidades de investir.
Em suma, levavam a vida, por assim dizer, sem muita poesia. A rotina era pautada pelo trabalho árduo, pela atitude austera e pela valorização da responsabilidade pessoal. Nada a ver com os belos bailes onde se tocavam valsas rodadas, regadas a champanhes, em salões ricamente ornamentados com preciosas esculturas e pinturas de mestres. Em comparação com os dias atuais – e é muito propícia a comparação entre uma Europa de três séculos atrás e o Brasil de hoje – esta gente podia ser comparada com os camelôs, aquela gente “brega” que trabalha na informalidade porque não admite roubar, em contraste com o luxo palaciano provado por aqueles que se refestelam em dinheiro público.
Segundo Ludwig von Mises, logo no começo da revolução industrial a classe representada pelos detentores de títulos de nobreza costumava detratar o modus vivendi daquela gente, assim considerada “sem origem”, “tosca” e “sem refinamento”. Lembra o sábio austríaco, oferecendo como um exemplo os primeiros guarda-roupas industrializados, que ele mesmo os comparava, pela rusticidade, a meros “caixões com portas”, em contraste com os ricos entalhes ornamentais dos móveis da aristocracia.
Todavia, eram simples porque a necessidade mais urgente era produzir na maior quantidade possível; os consumidores não tinham escolha, já que toda a demanda era maior que a procura; ademais, ainda não possuíam capital que lhes permitissem optar por produtos mais requintados. Aqui também se pôde verificar, de três ou quatro décadas para cá, que os móveis passaram, paulatinamente, a agregar mais elementos estéticos, e a preços razoavelmente acessíveis.
A classe artística, todavia, contrariamente à burguesa, seguiu um rumo diverso. Os pintores, escultores e compositores floresceram justamente no seio da nobreza. Seus patrocinadores foram, mesmo após a ascensão da burguesia (isto é, até que a satisfação de outras necessidades mais urgentes destes já tivesse sido alcançada.), a casta nobiliárquica européia. Daí compreende-se porque se uniriam aos seus senhores, e não à plebe rebelde; Some-se isto ao fato de que esta gente nunca foi lá muito entrosada com números e cifras - seu negócio sempre foi trabalhar com as ilusões, as fantasias, os romances – de modo que a vida recatada a previdente dos primeiros burgueses lhes causava repulsa, quando comparada com a opulência e fartura das cortes, àquele tempo em que os exageros, das roupas à etiqueta, eram a mais fiel expressão da fineza.
Em Terra de Santa Cruz, é reconhecida a supremacia do poder público em oferecer trabalho à classe artística. São os showmícios; as propagandas televisivas; os filmes aos quais ninguém quer assistir, mas de financiamento assegurado por órgãos estatais; são os trios elétricos a fazerem micaretas pelo país inteiro, e assim por diante...
Cazuza foi um dos artistas mais prestigiados de sua época. Ele se declarava diferente dos burgueses, alegava, por ser artista. Aliás, desejava, com a naturalidade de um guerrilheiro do Kmher Vermelho, que queria mandar a burguesia para “uma fazenda de trabalhos forçados”. É difícil imaginar que o seu dinheiro - ganho também com trabalho honesto, conquanto imoral – fosse diferente do que qualquer pessoa usa em frente a um caixa de supermercado, ou dos próprios burgueses que lhe compraram os discos. E é lamentável que, à época, jamais alguém tenha tomado alguma atitude de protesto. Exagero? Experimente trovar a palavra “burguesia” por “raça negra”, e veja lá se não daria cadeia...
Por fim, afirmar que não era burguês porque era do povo nunca passou de uma grande mentira. O povão foi xingado pelos intelectuais marxistas de “lumpen” (“lixo”), justamente porque, vacinado, não lhes aderiu às revoluções que culminaram com a instauração dos primeiros regimes socialistas. Os fundadores destas correntes coletivistas se originaram, isto sim, dentre os aristocratas, que, percebendo a decadência, puseram-se a combater as liberdades que lhes esvaziavam o poder. E os artistas, seus companheiros palacianos, lhes fizeram coro.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Será o Capitalismo uma Doutrina Materialista?


Por Klauber Cristofen Pires

Ao lado de classificar os cidadãos dos países capitalistas como consumistas, sobre o que já foi discorrido no artigo anterior, tem sido moda xingá-los também de materialistas. Certa vez, em certo comercial veiculado pela MTV, listava-se um rol de diversas personalidades mundiais que recebiam adjetivos que traduzissem uma certa visão de mundo; o presidente George W. Bush mereceu o de “materialista”. Teria o comercial a intenção de referir-se apenas o presidente do EUA, ou a todos os norte-americanos, por fazerem parte de uma sociedade “materialista”?

Hoje, em nosso país, é recorrente ver alguém disparar o epíteto a quem ouse desfrutar de algum bem qualquer, seja uma simples roupa ou um celular ou um carro. O craque Ronaldo que o diga: não roubou ninguém, não participou de nenhum “mensalão”, mas pagou caro pela extrema petulância ao comprar uma Ferrari com o dinheiro que conquistou trabalhando honestamente.

Esta juventude, que estuda em colégios e universidades particulares e se encontra em shopping centers e clubes, são todos uns “burguesinhos materialistas”. A "loira", então, não teria sido consagrada como “burra” se não representasse uma classe de mulheres “extremamente” materialistas...

Que tal então refletirmos um pouco sobre isto?

Por primeiro, cabe perguntar: haveremos de entender que o engenheiro é materialista? Ora, dir-se-ia, a engenharia somente está preocupada em inventar e construir coisas materiais... Da mesma forma, serão o médico, o químico e o advogado também materialistas, por aplicarem seus conhecimentos especializados em prol de algum mister? A pergunta, como se vê, já traz em si a resposta: seja o capitalismo um sistema de sociedade, ou a ciência que traduz o seu estudo, não tem como objetivo oferecer às pessoas um caminho para a salvação das almas, mas sim, só e simplesmente, produzir coisas materiais, para melhorar o seu bem-estar.

Não cabe perguntar se tais indivíduos irão para o céu. Qualquer ação humana tem o propósito de modificar, para melhor, uma dada situação, de forma a diminuir o desconforto daquele que age. Opera-se o serrote sobre a madeira para transformá-la, por exemplo, em uma cadeira. Àquele que a adquire espera-se que melhore seu padrão de vida, por entender que se sentar no móvel é melhor do que no chão. Neste sentido estrito - e objetivo – é permitido afirmar que tal pessoa atinge a sua felicidade, assim entendida como a sua satisfação pessoal.

Contudo, conquanto se possa afirmar um conceito “objetivo” de felicidade, cuja aplicação encerra-se somente no escopo da busca da diminuição do desconforto material, o mesmo não ocorre com o seu sentido “subjetivo”. Este é – como se diz – pessoal e intransferível. Ninguém tem a capacidade de ler as mentes alheias para então medir a felicidade ou enlevo espiritual de seus donos, bem como nenhum idioma conhecido pode garantir que a experiência metafísica de uma pessoa seja transmitida a outra de modo a que venha a repetir nesta as mesmas sensações transcendentais.

Do ponto de vista das religiões, é preciso destacar duas características essenciais: a primeira, que Deus delega aos seres humanos o livre-arbítrio, resultando que a busca do paraíso é personalíssima, portanto, anulando qualquer iniciativa no sentido da construção de uma teocracia. Deus não levará ao céu nenhuma espécie de coletividade humana (família, comunidade ou nação), mas sim cada um de seus filhos, segundo os critérios vislumbrados pelos crentes de cada religião (boas obras, ou a fé, por exemplo). Em seguida, jamais alguma religião defendeu o estado de necessidade e miséria; pelo contrário, sempre as religiões declaram que a observância aos seus preceitos conduzirá seus fiéis à abundância e plenitude de gozos.

Conseqüentemente, a ninguém pode ser dado o direito de preestabelecer um padrão de um bem de consumo, e acusar de pecado, imoralidade ou crime aquele que ousar a inovação. Não se pode medir o nível de espiritualidade ou de felicidade daquele que prefere uma rebuscada cadeira almofadada, com braços trabalhados e o brasão da família gravado no encosto a outra, simples e rústica. Pode-se apenas aferir que escolhendo desta forma esta pessoa encontra maior satisfação. Religião ou espiritualidade, cada um tem a sua, e que a siga e a professe como bem entender.

Portanto, aquele que costuma rotular os seus semelhantes de “materialistas”, apenas incorre em uma atitude prepotente e ditatorial. No fundo, nenhum sentimento de espiritualidade lhe fornece o ânimo de assim agir, mas sim apenas o despeito e a inveja. A insegurança que provém do desconhecimento do exercício da liberdade dos outros inspira-lhe a vontade de a todos controlar. Desrespeitando o livre-arbítrio dos conterrâneos, abandona qualquer noção de religiosidade, bem como ofende os direitos alheios meramente terrenos de escolherem o que de melhor lhes aprouver.

Nas sociedades socialistas, sempre aconteceu de meia dúzia de burocratas que se acham entendidos determinarem o que todos os demais membros de uma população devem consumir, seja a quantidade ou o modelo de determinado bem de consumo. Não por outras razões que as aqui explicitadas, jamais lograram atingir a felicidade (objetiva) dos consumidores, seja por produzir bens insatisfatórios do ponto de vista da qualidade, seja por sequer produzi-los em quantidade suficiente.

Justamente por esta incapacidade de produzir, é que os detratores da sociedade de livre-iniciativa procuram desclassificá-la, por acusar seus cidadãos de materialistas, em flagrante contradição com os princípios da sua própria ideologia, que sempre se posicionou de forma hostil às religiões, tendo mesmo afirmado serem “o ópio do povo”.
Será que nós, os brasileiros, queremos um sistema que preveja dogmas religiosos de observância obrigatória? Será que pretendemos trocar o sistema econômico no qual vivemos, e pelo qual as pessoas são livres para escolher o que produzir e o que consumir, por outro em que sabichões mensaleiros vão determinar o que podemos ter, e que não poderemos nem reclamar, sob pena de sermos acusados de "materialistas"? Ora, prezado leitor, se você também não concorda com isto, mande esta gente reclamar ao bispo, ou se internar num mosteiro!