Tempos atrás, um professor de Direito Tributário, ao expressar uma opinião sobre o Imposto de Renda para pessoas físicas, sustentando como parâmetro o sistema tributário vigente nos países escandinavos, em especial, a Suécia, defendeu que o IRPF, no Brasil, para ser mais “socialmente” justo, deveria alcançar as pessoas de maior renda por meio da progressividade das alíquotas (na Suécia ultrapassa 60% da renda do cidadão).
Ao ser perguntado se defendia alíquotas tão altas, e se estas não configurariam o “efeito de confisco”, vetado por nossa Constituição, respondeu tranqüilamente que não, desde, claro, que, por se tratar de um imposto pessoal, a justiça estaria em o Estado prever um rol de situações sujeitas a dedução, pelas quais seria possível diferenciar as necessidades dos cidadãos encontrados em situações diversas. Desta forma, somente seriam plenamente atingidas pelas alíquotas máximas, em “cheio”, as pessoas com alta disponibilidade de renda e diminutos encargos pessoais.
Antes de prosseguir, é necessário explicar como funciona o princípio da progressividade. Quando um imposto é cobrado por meio da aplicação de uma alíquota fixa, isto é, na forma de um único percentual a ser aplicado sobre a matéria a ser tributada, podemos dizer que aí se opera uma “proporcionalidade”, pois tanto quanto esta aumentar, será preservado o peso relativo do tributo, embora se pague mais, em termos absolutos. A “progressividade”, um princípio albergado em nossa Constituição, vai mais além: ela considera que, quanto maior o montante da base de cálculo (a renda de uma pessoa, digamos), diferentes percentuais, gradativamente majorados, devem ser aplicados, de modo a fazer com que o contribuinte pague, tanto de forma relativa quanto absoluta, cada vez mais tributo.
Aplicada com austeridade, isto é, principalmente com a finalidade de mitigar a tributação sobre os cidadãos de renda mais baixa (isto é, porque, de uma forma geral, seus salários mal pagam as despesas mais necessárias e indispensáveis), a progressividade procura proporcionar um Estado que não seja demasiado pesado para seus cidadãos, mantendo assim uma tendência de a população assimilar mais pacificamente o encargo de pagar impostos. Na linha contrária, quando feita com a intenção de expropriar os cidadãos relativamente mais abastados, a aplicação da progressividade significa, sobretudo, substituir os “gerentes” das decisões sobre o dinheiro arrecadado, de - muitos - donos legítimos, para - relativamente poucos - políticos e burocratas.
Por deduções, deve-se compreender que são situações em função das quais o Estado prevê que o cidadão deve ser eximido de pagar parte do tributo. Estas situações podem ser várias: possuir filhos em idade escolar, despesas médicas, contribuir para instituições sem fins lucrativos, etc. A intenção é alcançar a diferença de disponibilidade econômica entre dois sujeitos que se encontrem em situações diversas.
Quando previstas com parcimônia, no campo das estritas exceções à regra, as deduções ajudam a aliviar a carga tributária sobre pessoas de renda relativamente menor e sobre as quais pesem determinados ônus que, de outra forma, poderiam vir a ser transferidos para o próprio Estado. (Imagine que você cuida, por exemplo, de uma pessoa idosa: é melhor que você cuide dela, como sua dependente, do que o próprio Estado arcar diretamente com este ônus, daí ser razoável que se diminua o imposto).
Todavia, quando as hipóteses de deduções são tantas e tão variadas, conforme a criatividade do legislador, a ponto de deixarem de serem exceções, mas, ao contrário, caracterizarem a própria regra do sistema tributário, elas não podem significar mais que um desejo do Estado de passar a substituir-se às próprias pessoas com relação à condução de suas vidas, dando ensejo a um perigoso dirigismo do Estado para com a vida privada.
A aplicação combinada de altas alíquotas progressivas e de um rol exaustivo de hipóteses de deduções sugere, portanto, em máximo grau, um Estado que não está mais preocupado em apenas administrar suas funções precípuas, como proporcionar segurança e manter os bens públicos, mas em interferir incisivamente na vida privada dos cidadãos; sem rodeios, substituí-los, como acontece com aqueles filmes de ficção científica, em que as pessoas são substituídas por zumbis extraterrestres. Tais pessoas simplesmente deixam de viverem suas vidas, porque o Estado, em dupla mão, tanto agora detém o dinheiro arrecadado, como também os instrumentos legais para fazê-las agir não segundo os seus próprios sonhos e projetos, mas segundo um plano geral elaborado por políticos e burocratas.
Imaginemos um exemplo casual: Paulo, solteiro, e Roberto, casado e pai de três filhos, são colegas de trabalho, e recebem o mesmo salário. O Estado, ao instituir a dedução para os dependentes de Roberto, afirma ser socialmente mais justo tributar mais gravemente a renda de Paulo. Afinal, Paulo é solteiro, e por isto possui mais capacidade tributária. Segundo o Estado, Roberto tende a gastar mais com necessidades consideradas “essenciais”, enquanto Paulo tende a gastar mais com coisas supérfluas, daí a razão em tributá-lo a mais.
Do exemplo acima emerge uma pergunta, só para começar: se todos nós viemos do estado inicial de solteiros, não terá sido o casamento e a prole uma decisão absolutamente voluntária e consciente de Roberto? E quanto a Paulo? Será que ele não estaria “sufocando” seus planos de matrimônio em função de algum outro projeto pessoal?
Note-se como o Estado, ao instituir esta que é uma das mais básicas previsões de dedução (dependentes), já começa com uma presunção com relação ao comportamento de Paulo: que, a princípio vai gastar o seu dinheiro com coisas supérfluas, logo, “autorizando” assim o Estado a pensar em uma alternativa melhor para a utilização de seu dinheiro (!). Mas, consideremos a seguinte hipótese: a de que Paulo, ao invés de gastar com um carro ou roupas novas, pretende estudar, fazer algumas especializações, se possível no exterior, e abrir futuramente uma empresa que produzirá um novo produto, invento seu.
Enquanto o solteiro aplica a sua energia e seus recursos em investimento, o seu colega os aplica em despesa. Paulo esforça-se, possivelmente com sacrifício pessoal (não temos todo o tempo para fazer tudo ao mesmo tempo), e se conseguir reunir conhecimentos técnicos e capital suficiente, abrirá seu negócio, que, além de proporcionar produtos inovadores à sociedade, pagará mais impostos do que paga hoje, além de gerar empregos. Mas aí é então que entra o Estado, a atar-lhe as pernas a bolas de ferro tributárias! Em outras palavras, o Estado pretende dizer que Paulo deveria casar-se e ter filhos, ao invés de ficar se preocupando em estudar e abrir empresas...
Ao estudarmos as hipóteses de deduções, sejam as relativamente poucas, como no Brasil, ou as abundantes, como na Suécia, poderemos quase sempre nos deparar com isto: uma presunção do Estado com relação ao comportamento do cidadão, casada a um dispositivo que o oriente a tomar determinadas atitudes e abdicar de outras. Em todas estas, invariavelmente, o Estado privilegia o gasto o e consumo, enquanto onera a poupança e o investimento. Eis uma das grandes razões pelas quais as sociais-democracias vivem afundadas em déficits orçamentários e previdenciários.
Concordo que hoje o imposto de renda da pessoa física como está é um desincentivo a atitudes positivas que geram valor para a sociedade.
ResponderExcluirQuem escolhe não ter filhos, poupar e assim gerar riquezas para a sociedade é punido.
Quem resolve trabalhar mais, gerar mais riqueza, é punido com uma alíquota maior.
A minha sugestão é, me perdoe, criar mais deduções: para investimento em imóveis, ações, títulos públicos, etc. Isso poderia incentivar a poupança, como já faz hoje a dedução com aplicação em previdencia privada. As pessoas acabam poupando algum dinheiro, só para pagarem menos imposto. Isto deveria ser ampliado para outras modalidades de investimento, a começar com a aquisição de imóveis e o investimento em ações.
Discordo completamente. Não acho justo nenhuma espécie de imposto, mesmo que proporcional. Imagina cobrar um "imposto de renda" de uma pessoa que mora em um edifício, ao invés de taxa de condomínio. O que deveríamos era pagar uma taxa por morar no Brasil, e taxas pelos serviços públicos que usamos. Não tem dinheiro para pagar? Não tem direito aos serviços básicos. Qual a lógica de eu pagar tantos % sobre o meu salário? Ou seja, me punir por eu ser mais produtivo e gerar mais riqueza para a sociedade que outros? Ao contrário, o imposto poderia ser REGRESSIVO, ou seja, quanto maior a minha renda, ou em outras palavras, maior minha contribuição para a sociedade, menor o % do meu imposto, pois sou mais útil. Obviamente, funcionários públicos e políticos, no caso brasileiro, não se enquadram nesta regra, pois usam do poder para arbitrar seu próprio salário. A legislação teria que ser alterada para eles ganharem de acordo com a média de cargos equivalentes na iniciativa privada, e aí se aplicar a regra do imposto regressivo. Ninguém vai querer ser político? Vai sim, tem um monte de gente que ia achar bom ganhar a média por um trabalho honesto. Chega de carregar gente nas costas, pessoal. Ou então vamos admitir que existem pessoas que são como "animais de estimação", incapazes de ganhar a vida sozinhos. Não acredito nisso, logo não posso aceitar que alguns levem muitos nas costas.
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