24 de dezembro de 1996. Nosso navio estava atracado no porto de Rotterdam. O inverno holandês pegava pesado, com neve abundante; à beira do cais, os patos se aninhavam, como uma forma de se aquecerem. Aquela seria uma estadia estafante, pois, além de haver muitos reparos a fazer, não haveria tempo nem sequer de tomar umas cervejas ou de fazer algumas compras. Vínhamos da Austrália, e nosso equipamento de rádio estava com defeito, de modo que passamos cerca de cinqüenta dias sem entrar em contato com nossos familiares. Terminado o meu turno, então, “baixei a terra” para, pelo menos, telefonar para casa.
Logo depois do portaló, alcancei um telefone público para efetuar a chamada. O aparelho funcionava com cartões telefônicos, mas também com cartões de crédito. Saquei do meu, que tinha sido recentemente convertido para “internacional” (outra coisa bizarra do nosso país: pouco tempo atrás, os cartões de crédito eram válidos “only in Brazil”), mas estava vencido. Uma pena. O jeito seria fazer uma ligação a cobrar. Seria divertido usar um cartão de crédito em um telefone público, enquanto os seus equivalentes brasileiros ainda eram umas caixas vermelhonas, que funcionavam com fichas metálicas.
Mas o aparelho holandês não tinha só este recurso: entre outros, ele também era dotado de teclas especiais, com as quais era possível falar diretamente com o serviço telefônico de seu próprio país, com alguém de sua própria língua. Chique, não? Tentei então acessar o Brasil, mas a linha estava ocupada. Tentei várias outras vezes, mas sem sucesso. Então, meio que para passar o tempo, meio para aguardar uma nova chance para retornar a ligar, fui ligando para os serviços de telefonia de cada um dos outros países, enquanto “engolia” o congestionamento da Embratel...
Entrei em contato com uma simpática telefonista da França, em seguida com outra do Japão (telefonista japonesa tem uma entonação de voz charmosa...). Fiz também contato com a Alemanha, com Israel (como eu não falava nada, apenas escutava, a telefonista israelense, estressadíssima, logo começou a altercar a voz e dizer impropérios - devia estar pensando que eu devia ser um terrorista palestino, he...he...), com Portugal (Esta tentou fazer uma “ponte”, mas, de novo, sem êxito). Só países desenvolvidos? Que nada. Fui “descendo a escada”, e todos, simplesmente todos os países atendiam, menos o Brasil. Falei com a Turquia, com o Egito e até com umas ilhas das quais só me lembrei por causa das aulas secundaristas de Geografia: Trinidad-Tobago.
Devo ter ficado quase duas horas “surfando” nestes serviços telefônicos, enquanto escutava “sorry, line is overbusy!” ao tentar uma chancezinha junto à Embratel. Finalmente, cansado, frustrado, e morrendo de frio, retornei a bordo. Um Natal inesquecível, não?
Para os brasileiros, especialmente os jovens, que ficam a dar ouvidos sobre este papo furado que tem sido levantado sobre privatizações, que fique este relato: o serviço de telefonia brasileiro era simplesmente uma porcaria. Não funcionava. Mas não era só isto. Para se comprar um telefone, era necessário ou esperar muiiiito tempo, ou, para ser um pouco menos lento, comprar uma linha no mercado paralelo! Sim, comprar, como se compra um carro, por exemplo. Em Belém, uma linha custava aproximadamente mil e quinhentos dólares. Sim, eu falei “dólares”. “Dólares americanos”. Em Jacarepaguá, uma linha não custava menos do que dez mil dólares! O preço de um carro novo!
Eu me lembro muito bem destes dados porque, naquela época, eu pretendia adquirir linhas para alugar. Imagine! Isto também acontecia! Tinha muita gente que vivia da renda dos aluguéis de seus telefones.
No Rio de Janeiro, o serviço telefônico era, possivelmente, o pior do Brasil. Era simplesmente um serviço tão safado que a telefônica estatal, a Telerj, vendia uma mesma linha a duas pessoas distintas, simultaneamente. Era um produto chamado de “telefone compartilhado”, ou algo assim, anunciado como a “sétima maravilha do mundo”, pelo preço mais em conta do que a linha normal. Sem dizer que estas estatais prosperavam verdadeiros antros de corrupção, onde até espionagem de pessoas e empresas acontecia livremente.
Mas não era só isto! Havia também um outro fato bizarro: as linhas eram divididas em “comerciais” e “residenciais”, as primeiras, bem mais caras. Eu me lembro que, quando eu era garoto, minha mãe possuía uma pequena loja de confecções e os fiscais da Telesc ligavam para o nosso número, fazendo-se passar por fornecedores ou clientes, para investigar se ela utilizava o telefone para assuntos da loja.
Este era o nosso Brasil, em que, para se ter uma coisa tão banal quanto um telefone, era preciso pedir autorização, justificar-se, esperar muito, pagar muita propina e, só para servir de tempero, submeter-se a fiscalizações e sanções.
Dias atrás, eu precisei de um chaveiro (De novo, fiquei do lado de fora, impedido de entrar, porque havia batido a porta com a chave dentro...). Quando o profissional chegou, foi logo deitando a sua bolsa no chão, e começou a retirar os seus apetrechos. Sabe o leitor quais foram os primeiros? Alicates? Chaves de fenda? Não, ele retirou simplesmente dois aparelhos celulares, e mais um aparelho móvel de linha fixa!
Francamente falando, é preciso ser muito “cara de pau” para defender o sistema de telefonia estatal, depois de tantos benefícios que trouxe a privatização ao nosso país. Hoje, até mesmo a minha filhinha, uma criança de 5 anos, tem um celular pré-pago, assim como minha empregada doméstica. Aparelhos, em muitos casos, são dados de graça, e tem beneficiado muita gente, seja para conforto próprio, seja para dinamizar os negócios, tanto o de um simples carpinteiro quanto o de um renomado advogado.
Recentemente tem havido uma onda de pessoas que, a pretexto de falar mal das privatizações e satanizar o candidato da oposição, mas incapazes de enganarem a si próprias quanto aos benefícios, alegam que o mal não está exatamente no fato de terem sido realizadas, mas “na forma como foram feitas”. Diversionismo: mesmo que tivessem sido transferidas graciosamente, ainda sim seria um grande negócio. Pena, entretanto, que este candidato não tenha tido a coragem de assumir publicamente determinadas posturas. Não age como um líder, mas como um liderado.
Empresas estatais não são patrimônio do povo coisíssima nenhuma. São patrimônio de políticos inescrupulosos, isto sim. Em qualquer cidade, pode haver boas faculdades, restaurantes, fábricas ou hospitais, todo privados, os quais, pode-se dizer, são um patrimônio de nosso país. E porque não seriam?
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