quinta-feira, 10 de agosto de 2006

A Burguesia Fede?


Por Klauber Cristofen Pires

Publicações: Blogs Coligados, Parlata, Diego Casagrande, O Estadual, Manaus on Line, O Guaruçá, Instituto Liberdade

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo.
Trechos de “Burguesia” - Cazuza/Ezequiel Neves/George Israel

Há um fato que merece a atenção: porque será que os artistas, em sua esmagadora maioria, sempre se colocaram contra a liberdade de mercado? No Brasil, é possível até mesmo falarmos de uma unanimidade. Até hoje, são tão raros os testemunhos em contrário, que só é possível lembrar as exceções pelo reconhecimento da extrema coragem manifestada por uns poucos corajosos, cônscios de toda repercussão negativa a pairar-lhes sobre as cabeças.
A estrela Regina Duarte felizmente voltou à tv brasileira após três anos de ter confessado o seu medo que, se não fosse uma surpreendente atuação de nossas frágeis instituições, teria tornado-se realidade, na forma da mordaça ao Ministério Público, aos servidores públicos e à liberdade de imprensa, no mínimo. Não menos ousadas foram as aparições da brilhante atriz Beatriz Segall e do cantor Agnaldo Timóteo, este inigualável, nas entrevistas a que comparece. Que se perdoem eventuais omissões.
Longe de dar um ponto final na busca das razões pelas quais os artistas, em esmagadora maioria, defendem a ideologia socialista – e isto é um fato verificado no mundo todo, sendo que no Brasil é apenas mais notório – muitas vezes colocando-se abertamente a favor dos partidos mais radicais, os próximos parágrafos tentarão ao menos fornecer alguns indícios para a compreensão deste fenômeno.
A burguesia nasceu das primeiras aglomerações de pequenos artesãos e caixeiros viajantes, que, para livrarem-se do poder dos nobres, bem como se manter próximos dos seus consumidores, procuravam instalar-se nas fronteiras mais distantes de seus domínios, onde o poder feudal era mais fraco e contrastável com os dos potentados vizinhos. Assim floresceram as primeiras cidades européias. Era a forma como as pessoas simples e trabalhadoras podiam escapar, ou pelo menos diminuir a voracidade e a brutalidade com que eram tratadas pelos “dons” e “lordes” da vida, a quem tinham de pagar pesados pedágios, impostos e trabalhar pesado, de sol a sol, comendo repolho a vida toda. Aos poucos, foram prosperando, a ponto de, ao fim de um ciclo histórico, acabarem por superar seus antigos exploradores.
Apesar de industriosas, estas pessoas, pelo menos no princípio, demonstravam pouco apego com relação às artes, isto é certo. Mas isto não significa que fossem seres humanos destituídos do senso de beleza. Apenas estavam todos engajados em superar suas dificuldades e sofrimentos mais urgentes: precisavam de roupas, de casas, de sapatos, de móveis e outros bens.
Aprenderam que era necessário educar seus filhos, para conseguir melhor produtividade em seus empreendimentos. Compreenderam o sentido da propriedade privada, por reconhecerem a injustiça da pilhagem, de que tanto foram vítimas. E começaram a poupar, por perceber como é custoso o trabalho e a necessidade de manterem-se previdentes face às incertezas da vida, bem como por vislumbrarem as oportunidades de investir.
Em suma, levavam a vida, por assim dizer, sem muita poesia. A rotina era pautada pelo trabalho árduo, pela atitude austera e pela valorização da responsabilidade pessoal. Nada a ver com os belos bailes onde se tocavam valsas rodadas, regadas a champanhes, em salões ricamente ornamentados com preciosas esculturas e pinturas de mestres. Em comparação com os dias atuais – e é muito propícia a comparação entre uma Europa de três séculos atrás e o Brasil de hoje – esta gente podia ser comparada com os camelôs, aquela gente “brega” que trabalha na informalidade porque não admite roubar, em contraste com o luxo palaciano provado por aqueles que se refestelam em dinheiro público.
Segundo Ludwig von Mises, logo no começo da revolução industrial a classe representada pelos detentores de títulos de nobreza costumava detratar o modus vivendi daquela gente, assim considerada “sem origem”, “tosca” e “sem refinamento”. Lembra o sábio austríaco, oferecendo como um exemplo os primeiros guarda-roupas industrializados, que ele mesmo os comparava, pela rusticidade, a meros “caixões com portas”, em contraste com os ricos entalhes ornamentais dos móveis da aristocracia.
Todavia, eram simples porque a necessidade mais urgente era produzir na maior quantidade possível; os consumidores não tinham escolha, já que toda a demanda era maior que a procura; ademais, ainda não possuíam capital que lhes permitissem optar por produtos mais requintados. Aqui também se pôde verificar, de três ou quatro décadas para cá, que os móveis passaram, paulatinamente, a agregar mais elementos estéticos, e a preços razoavelmente acessíveis.
A classe artística, todavia, contrariamente à burguesa, seguiu um rumo diverso. Os pintores, escultores e compositores floresceram justamente no seio da nobreza. Seus patrocinadores foram, mesmo após a ascensão da burguesia (isto é, até que a satisfação de outras necessidades mais urgentes destes já tivesse sido alcançada.), a casta nobiliárquica européia. Daí compreende-se porque se uniriam aos seus senhores, e não à plebe rebelde; Some-se isto ao fato de que esta gente nunca foi lá muito entrosada com números e cifras - seu negócio sempre foi trabalhar com as ilusões, as fantasias, os romances – de modo que a vida recatada a previdente dos primeiros burgueses lhes causava repulsa, quando comparada com a opulência e fartura das cortes, àquele tempo em que os exageros, das roupas à etiqueta, eram a mais fiel expressão da fineza.
Em Terra de Santa Cruz, é reconhecida a supremacia do poder público em oferecer trabalho à classe artística. São os showmícios; as propagandas televisivas; os filmes aos quais ninguém quer assistir, mas de financiamento assegurado por órgãos estatais; são os trios elétricos a fazerem micaretas pelo país inteiro, e assim por diante...
Cazuza foi um dos artistas mais prestigiados de sua época. Ele se declarava diferente dos burgueses, alegava, por ser artista. Aliás, desejava, com a naturalidade de um guerrilheiro do Kmher Vermelho, que queria mandar a burguesia para “uma fazenda de trabalhos forçados”. É difícil imaginar que o seu dinheiro - ganho também com trabalho honesto, conquanto imoral – fosse diferente do que qualquer pessoa usa em frente a um caixa de supermercado, ou dos próprios burgueses que lhe compraram os discos. E é lamentável que, à época, jamais alguém tenha tomado alguma atitude de protesto. Exagero? Experimente trovar a palavra “burguesia” por “raça negra”, e veja lá se não daria cadeia...
Por fim, afirmar que não era burguês porque era do povo nunca passou de uma grande mentira. O povão foi xingado pelos intelectuais marxistas de “lumpen” (“lixo”), justamente porque, vacinado, não lhes aderiu às revoluções que culminaram com a instauração dos primeiros regimes socialistas. Os fundadores destas correntes coletivistas se originaram, isto sim, dentre os aristocratas, que, percebendo a decadência, puseram-se a combater as liberdades que lhes esvaziavam o poder. E os artistas, seus companheiros palacianos, lhes fizeram coro.

2 comentários:

  1. Excelente artigo! É fácil convercer, por exemplo, idéias contra a "burguesia" quando se é financiado por lei de isenção fiscal para o prazer da criação ou quando se cobra 100 mil por cachê para dar entrevistas ou 15 minutos de show???

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  2. Meu caro Klauber:
    Lembro de um diálogo de dois escritores, um americano e outro inglês, o último lamentando que queria escrever sobre algo que o americano já tinha abordado.

    O americano retrucou: por que não escreve? Somos apenas dois rádios sintonizados na mesma estação.

    Ótimo artigo, continue assim.

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