Por Klauber Cristofen Pires
Recentemente, em uma fila para um caixa eletrônico, teve lugar um caso que entendi merecer ser retratado neste artigo. Trata-se de como os nossos valores morais, a nossa liberdade, e sobretudo, a nossa civilidade, vêm sendo atingidas. O que ocorreu foi um caso que se repete corriqueiramente no Brasil inteiro e por isto não chama minimamente a atenção de ninguém. Todavia, por isto mesmo seja tão deletério.
Recentemente, em uma fila para um caixa eletrônico, teve lugar um caso que entendi merecer ser retratado neste artigo. Trata-se de como os nossos valores morais, a nossa liberdade, e sobretudo, a nossa civilidade, vêm sendo atingidas. O que ocorreu foi um caso que se repete corriqueiramente no Brasil inteiro e por isto não chama minimamente a atenção de ninguém. Todavia, por isto mesmo seja tão deletério.
Estava eu em quinto lugar em uma fila para um caixa eletrônico, dentro de um supermercado. Havia saído um pouquinho antes do meu trabalho, e pretendia sacar o dinheiro para, quando pegasse a minha filha na escola, pagar a instituição. Logo, portanto, se vê que eu tinha alguma pressa em executar a tarefa. Atrás de mim, estava uma senhora, possivelmente na casa dos sessenta, e na minha frente, em quarto lugar, um senhor, também da terceira idade (ah, estes termos politicamente corretos...).
Estávamos todos calmos esperando a nossa vez de acessar o caixa eletrônico quando, ao passar por nós uma mulher, aparentando estar na casa dos trinta, e vestindo uma camiseta de uma pastoral “não-sei-de-quê”, nos indagara a todos na fila por que a senhora que estava atrás de mim não passava à frente, evocando pra isto, segundo seus próprios termos, o “Estatuto do Idoso”. Na verdade, ela fez vez mais que isto: protagonizou a retirada da senhora da fila, para colocá-la junto à máquina, e tentou persuadir os que lhe precediam a aceitar a sua condição de idosa, e portanto, seu “direito”. Tudo com um bonito sorriso no rosto...
Bom, até aí, tudo bem. Embora eu não concordasse, a princípio, acovardei-me e me resignei, pensando no que teria de suportar caso protestasse, na minha condição de homem razoavelmente jovem e com boa saúde. Todavia, a atitude da interventora, indignada com a “injustiça social” a que assistia, não resultara tão bem sucedida, isto é, desde que o senhor que se posicionava à minha frente não se calara. Ele não aceitou, ou melhor, apenas protestou - isto porque ela já tinha puxado a senhora para a frente - com o argumento de que ele próprio tinha setenta e dois anos, portanto, mais velho que ela, que como viemos a saber, nem havia chegado aos sessenta, isto além de ter um compromisso que lhe pedia a pressa.
O protesto gerou uma breve perturbação na militante com cara de religiosa, possivelmente, em primeiro lugar, por ter seus argumentos contestados, e em seguida, por eles terem sido derrubados com um argumento que não via como treplicar. Quando deu por si, balbuciou algo como convidá-lo a também exercer o seu direito de preferência (mas agora, então, já atrás da senhora que antes se lhe seguia duas posições na retaguarda), e ao fim, percebendo o clima animoso que causara, saíra, como se diz, à francesa....
Bom, agora vamos examinar os fatos, começando a constatar que estávamos todos em um clima de paz e harmonia antes da chegada da estranha (que bem se diga, nem estava na fila!), cada qual com a sua idade, cada qual com os seus próprios compromissos. Tenho a certeza que, caso perguntássemos a cada um dos que aguardavam a sua vez, todos responderiam que teriam um motivo para estar ali, e isto é óbvio!
A seguir, vem um fato que o Estatuto do Idoso não previu: ora, se uma pessoa tem o direito de avançar na fila, mediante o argumento de que é mais velha, então qualquer pessoa que tenha mais idade que ela também deve ter o mesmo direito em relação a ela própria! Ou não? Neste caso, os dois, o senhor que me precedia, e ela, que me sucedia, teriam ambos o direito de avançar, mas ele teria a primazia, por ser mais idoso, certo? Então, que tal imaginarmos adotar um censo permanente para um re-posicionamento constante dos idosos, a cada vez que uma simpática velhinha ingressasse na fila? A lei bem que poderia exigir que os bancos contratassem auxiliares especializados na realização desta tarefa, para trabalhar em turnos de revezamento constante, em cada caixa eletrônico!
Calma, ainda temos mais: Ora, se uma senhora, diga-se, pelo dito Estatuto, tem o seu direito a partir dos 65 anos, que fundamento seria filosoficamente suficiente para não aceitar que, digamos, uma mulher, apenas um dia mais velha que eu, não merecesse a extensão deste direito com relação a mim? Assim, toda a fila seria constantemente re-posicionada pelo critério de idade! Nada mais justo (ainda que talvez algumas pessoas mais jovens, em tese, jamais viessem a acessar o caixa!)
No título deste artigo, faço uma referência aos nossos valores civilizatórios, e isto não foi por engano. Ainda temos muito de bom, e enxergamos isto todo dia, quando alguém dá o banco do ônibus para uma mulher grávida, ou quando somos gentis e respeitosos com os mais idosos, seja por justamente passar-lhes à nossa frente em uma fila. Ainda num dia destes, uma jovem ofereceu-se para segurar uma sacola minha num ônibus (ela vinha sentada, e eu, em pé). Contudo, é importante perceber que em cada um destes casos há um juízo de conveniência e oportunidade vivenciado concretamente pelas pessoas envolvidas.
Por exemplo, a jovem, que se ofereceu para carregar a minha bolsa, possivelmente não teria feito tal convite se a sacola que eu carregava fosse leve; poderia ocorrer também que eu me compadecesse de alguém mais jovem ainda que eu, ao constatar seu notório estado de saúde, e lhe desse a vez em uma fila, ou, ao contrário, negasse dar a vez a um velhinho, se eu tivesse uma imprescindível urgência em meu compromisso, mais importante, portanto, que o resultado vislumbrado ao dar a preferência a alguém que, em tese, já dispõe de mais tempo que eu.
Nossas regras de boa civilidade asseguram o estado de paz e de comunhão em sociedade. Fazem-nos sentir orgulhosos de nossas atitudes e elevam os nossos sentimentos para tornarmo-nos capazes de realizar as atitudes mais nobres. Mais além, reforçam o nosso patriotismo e o nosso padrão geral de vida.
Infelizmente, é exatamente o contrário que se dá quando alguém tem a idéia estúpida de subtrair a moral do povo para regulá-la segundo a lei. Quando um político idiota (ou espertalhão) inventa uma coisa destas, ele simplesmente troca um juízo de oportunidade de quem vivencia uma situação concreta pelo seu, distante, arrogante e autoritário, e cria o que vimos naquela cena, ou seja, a discórdia e o descontentamento. Aos poucos, vamos delegando os bons costumes, e com eles a nossa ética e a nossa moral, para a regulação pelo Estado, e aí vem o pior: começamos a nos tornar um povo incapaz de colocar nossos políticos nos eixos! Moralmente frouxos e relapsos, seguimos, de bolsa-esmola em bolsa-esmola, acobertando a maior série de escândalos que já se viu na história deste país, isto só para usar os seus próprios termos.
Para que o que o Estado, ou administração pública, possa regulamentar todos os detalhes das vidas das pessoas, como vem fazendo há muitos anos, é preciso aparelhar funcionários que imponham eficazmente decisões a população. Para que isto aconteça, convém revesti-los com uma aura de intocabilidade. Com isso, foram criadas verdadeiras castas que se esmeram na arte de impor regulamentos, cujos componentes, ao serem intronizados em algum cargo, de pronto adquirem uma sabedoria inatingível pelo cidadão comum, sabedoria essa que os leva a tomarem decisões inquestionáveis. Assim, sentem-se capazes de prever todas as possibilidades de ocorrências na vida das pessoas, transformando-as na infinidade de regulamentos, proibições e leis que atualmente sufocam a população. E todo dia continuam lançando novidades.
ResponderExcluirO trânsito de veículos é um bom exemplo, embora longe de ser o único caso. Antigamente o motorista dirigia atento ao trânsito no local por onde andava, cabendo a ele decidir o que fazer. Hoje tudo se resume a examinar o velocímetro e a sinalização, que infesta as ruas e as estradas, mal sobrando tempo para uma rápida olhadela no que acontece a nossa volta. Assim, a habilidade de dirigir foi substituida pelo formalismo impessoal, colocado no nível dos que tem menos habilidade. Nem é preciso saber dirigir, para andar por aí, bastando ter sempre disponível para alguma oportuna consulta o Manual do bom motorista. Dizem que se suas regras forem religiosamente seguidas, evitam qualquer problema no trânsito. Será que evitam??!!
Sr. Klauber, absolutamente genial suas reflexões. Aliás, sempre venho aqui para deleitar-me com seus brilhantes textos.
ResponderExcluirEu defendo a tese de que a lógica é a ferramenta para se alcançar a verdade. Assim, onde há contradição ou ambiguidade não há verdade. Ou seja, ao analisarmos as idéias descobriremos que não se sustentam logicamente, ou criam absurdos insoluveis. Isso é o bastante para nos dizer que estão erradas, que são fruto do mero arbítrio.
Enfim, por si, seja nos fatos ou mesmo na mera contradição nas palavras, as imposturas se exporão pela análise.
Brilhante! Sr. Klauber, brilhante no úrtimo.
Já passei por experiência similar, e protestei, apesar da menor idade. Logo, outra pessoa, uma senhora, de idade, que estava atraz de mim manifestou-se defendendo que não se deva ter privilégio legal. Assim, aquele que invocava sua idade para o privilégio - é a cultura do privilégio - constrangeu-se e não mais exibiu o sorriso debochado com que invocava seu "direito" - na verdade seu privilégio concedido pela força estatal.
Fantástico:
"Nossas regras de boa civilidade asseguram o estado de paz e de comunhão em sociedade. Fazem-nos sentir orgulhosos de nossas atitudes e elevam os nossos sentimentos para tornarmo-nos capazes de realizar as atitudes mais nobres."
e
"Infelizmente, é exatamente o contrário que se dá quando alguém tem a idéia estúpida de subtrair a moral do povo para regulá-la segundo a lei. Quando um político idiota (ou espertalhão) inventa uma coisa destas, ele simplesmente troca um juízo de oportunidade de quem vivencia uma situação concreta pelo seu, distante, arrogante e autoritário, e cria o que vimos naquela cena, ou seja, a discórdia e o descontentamento."
Magnífico! estou aplaudindo de pé e assoviando com empolgação.
...vou ler agora o artigo abaixo, que só pelo título já presumo mais um deleite.
Um abração
C. Mouro