Por Klauber Cristofen Pires
Pede-me um eloqüente leitor, com irrefutáveis reclamações sobre o sistema previdenciário nacional, que eu discorra sobre o assunto. Em verdade, já o fiz, mais de uma vez. Não obstante, já que os políticos e demais defensores de interesses corporativistas não se vexam por mentir cem vezes com o propósito de tornar as suas falácias verdade, creio que não me custa fazer-me repetir por pelo menos mais algumas vezes. Quantas vezes uma verdade tem de ser dita para que seja ouvida e acreditada?
Pede-me um eloqüente leitor, com irrefutáveis reclamações sobre o sistema previdenciário nacional, que eu discorra sobre o assunto. Em verdade, já o fiz, mais de uma vez. Não obstante, já que os políticos e demais defensores de interesses corporativistas não se vexam por mentir cem vezes com o propósito de tornar as suas falácias verdade, creio que não me custa fazer-me repetir por pelo menos mais algumas vezes. Quantas vezes uma verdade tem de ser dita para que seja ouvida e acreditada?
A primeira e fundamental pergunta que se há de fazer em relação ao nosso sistema previdenciário público, e aqui incluo tanto o regime estatutário quanto o celetista, é: se é mesmo tão bom – ou tão justo - por que há de ser compulsório? Compulsório tem de ser ir à guerra; o boi vai compulsoriamente para o matadouro; compulsórios são os tributos; enfim, não me consta nada que me seja bom e que seja por natureza compulsório: sou obrigado a ganhar na loteria? Sou obrigado a gozar férias em uma praia maravilhosa? Sou obrigado a apreciar um jantar em um restaurante de primeira classe?
Dizem os defensores de ambos os falidos sistemas que há justiça, na medida em que os que têm pagam pelos que não têm, e com isto se reduziriam as desigualdades. Dizer algo assim seria sedutor, se estes mesmos que decidem isto não gozassem dos maiores privilégios quando falamos de aposentadorias – igualdade se faz é com o bolso alheio! Como um ditado que já ouvi: “quem parte e reparte e não fica com a maior parte, é burro e não entende da arte!”.
Não obstante, eu creio que as pessoas, uma vez convencidas de que algo é errado, e necessariamente ruim para elas próprias, abstém-se de procurar as más ações e passam a adotar e defender as boas. Por boas ações, refiro-me às atitudes humanas que levam o ser humano a conquistar melhores resultados dos que os atualmente obtidos. Um raciocínio ao qual costumo recorrer e que é um pouco grosseiro, mas justamente por ser assim chocante, tem se saído convincente, é o seguinte: Será que um homem qualquer, em condições normais, defecaria em uma sala de estar ou em sua mesa de reunião? Claro está que não, e o aparente absurdo de ainda ter-se de responder a tão repulsiva pergunta reside justamente no fato de que literalmente todas as pessoas estão plena a absolutamente convencidas de que fazer isto é errado; ainda, de que fazer uma coisas destas trará prejuízos não somente aos outros, mas a elas próprias.
Perseguindo este mesmo norte, jaz imperioso demonstrar que, no atual sistema previdenciário brasileiro, todos saem perdendo; à primeira vista, é comum e nada tem de novidade que os pagantes do sistema celetista são os prejudicados, enquanto os pobres do sistema celetista são os beneficiados e os estatutários são os maiores privilegiados. Todavia, mesmo os pobres recebem hoje menos do que poderiam vir a receber em um sistema totalmente capitalista de previdência, assim como também os privilegiados servidores públicos, militares e os políticos que se aposentam com um ou dois mandatos eletivos que cumprem.
Começando nossa análise pelo nosso sistema celetista, o seu primeiro e fatal erro é o de se constituir em um sistema de despesa. Neste sistema, os atuais ativos rateiam a manutenção do custo dos então aposentados. Todos os meses são extraídos bilhões de reais de empresas e trabalhadores para serem pagas as aposentadorias e pensões daqueles que hoje não trabalham mais. Esta montanha de dinheiro, claro, é quase toda usada em bens de consumo, principalmente os de primeira necessidade. Desta forma, pessoas que não trabalham competem com aquelas que trabalham pelas coisas produzidas. Isto faz com que a produção diminua e a demanda aumente, o que causa inflação e um gradual empobrecimento geral da população. No caso dos servidores públicos, militares e políticos, estes disputam as coisas produzidas com notória vantagem, desde que seus salários, via de regra, são mais altos do que os de seus parceiros da iniciativa privada.
Mas há algo mais a se dizer do atual sistema celetista: nos anos em que havia mais ativos do que beneficiários, isto é, nos tempos em que este sistema gozava de uma relativa abundância de caixa, o estado simplesmente desviava o dinheiro para outras finalidades, como, por exemplo, o pagamento da dívida externa; hoje, em via oposta, quando há praticamente um ativo para cada beneficiário, o estado necessita saldar o rombo colossal com retiradas cada vez maiores do Tesouro. Porém, nem isto nos serve de garantia, pois paulatinamente o estado tem desvalorizado o valor das aposentadorias e pensões, na ânsia de verem diminuídos seus custos. Tome-se por exemplo a pensão que a minha sogra recebe, hoje pouco mais de dois salários mínimos, em confronto com as contribuições que meu sogro fazia em vida, que na época eram calculadas para seis salários mínimos!
Esta característica atroz que tem o estado de decidir modificar unilateralmente as regras do jogo e atender os seus clientes da forma como lhe bem aprouver pode ser ilustrada com um papel que o ator Flávio Migliaccio desempenhava em uma conhecida novela da rede Globo; nas cenas, ele fazia o papel de um aposentado que, em eterna espera pela correção de sua aposentadoria pelo INSS, freqüentemente exclamava: “- eles (a previdência social) querem é me ver morto, mas não vão conseguir!”. Bom, como diz a famosa emissora em suas vinhetas, “Cidadania, a gente vê isto aqui!”, o que o autor da novela mais procurava defender era a batida tese esquerdista de que um cidadão deve perseverar na busca de seus direitos: berrar, ir às ruas, blá, blá, blá...
Pois, totalmente diferente seria o cenário atual em que vivemos se tal sistema público fosse substituído por um sistema totalmente privado e desregulamentado de previdência privada. Então, quais seriam as conseqüências de uma tal drástica mudança?
Ora, primeiramente, valeriam regras contratuais, isto é, regras juridicamente estabelecidas entre partes iguais! O que quero dizer com isto é que se a companhia previdenciária não pagar o que deve ao seu cliente, este não há de gritar nas ruas, nem de procurar os jornais, muito menos ser motivo de chacota em novelas, mas simplesmente, processar a outra parte na justiça, para exigir o que lhe é de direito.
Mas vale dizer que, quanto ao nosso propósito em tela, esta não seria a maior diferença. O que realmente diferiria é que um sistema totalmente capitalista, caso implementado, seguiria um regime de poupança! Por um regime de poupança, um trabalhador haveria de juntar parcelas de seus ganhos durante o prazo ativo de sua vida que ELE estabelecesse (e não o estado, que hoje pretende aposentar as pessoas só às vésperas de baterem as botas!), e o dinheiro entregue não seria jogado em despesas de bens de consumo, mas aplicado em investimentos que trariam futuramente riqueza, empregos e maiores salários. Para garantia das aposentadorias, tal sistema poderia aplicar em cestas de investimentos, que, embora não proporcionassem os ganhos mais altos, pagariam taxas mais seguras; também, consoante, poderiam funcionar em paralelo com um sistema de seguros e um sistema de auditoria (ambos puramente contratuais).
Um sistema capitalista de previdência, calcado em um regime de poupança e investimento, não quereria ver um cliente seu morto, já que vivo ele vale mais; não haveria de enganá-lo ou roubá-lo, enquanto entender que depende do financiamento da sua atividade por outros clientes e que portanto necessita ser confiável; e serviria mais aos pobres, já que estes teriam durante a sua via produtiva mais oportunidades de empregos, com salários progressivamente crescentes.
Como eu mesmo sou um servidor público federal, necessariamente tenho de pôr a minha mão no fogo e de fato o faço aqui: que o estado me devolva, com os juros, todos os descontos que efetuou em minha folha e que me deixe livremente aplicá-los em um fundo privado de previdência, sem interferências burocráticas de qualquer natureza e sem tributações desestimuladoras, e eu de pronto cambio de regime. Afinal, por mais privilegiada que há de ser a minha aposentadoria, pouco significa diante do salário de um cidadão comum japonês, por exemplo. Ademais, como hei de saber se terei uma aposentadoria privilegiadamente integral, como hoje está estabelecido, se o estado muda as regras constantemente? E como hei de saber, se este sistema é falido e um dia há de quebrar, inexoravelmente?
Enfim, mesmo que uma eventual companhia previdenciária, face a uma sucessão de erros próprios, somados aos erros da companhia seguradora e até mesmo aos erros da companhia auditora, falisse, os prejudicados seriam tão somente os clientes de sua carteira, enquanto todo o restante se manteria intacto. Entretanto, para que todas estas condições possam ser preenchidas, necessária seria uma forte e contínua intervenção estatal, tal como a que por décadas sustentou o mercado imobiliário norte-americano com crédito feito de dinheiro-papel impresso “a rodo” e juros enganosos. Em um sistema puramente capitalista, tal companhia previdenciária não seria permitida ir muito adiante em sua má gestão, desde que a companhia auditora denunciasse suas más aplicações logo que constatadas; isto desencadearia a saída da companhia seguradora e conseqüentemente, a saída em tempo de todos os clientes (puxa vida, eles não seriam obrigados a contribuir com um sistema falido e mal-administrado, não é mesmo?)
Caro Klauber:
ResponderExcluirMuito bom seu texto. Como amigo, no entanto, eu recomendaria que você mesmo administrasse sua poupança caso o estado lhe devolvesse suas contribuições, porque os sistemas privados estão fadados ao mesmo mal que os públicos. Aliás, foi o investimento dos próprios fundos de pensão que serviu de motor da atual crise. Além disto, os fundos privados estão também constantemente passíveis de serem corroídos pela carga tributária crescente. Administrar os próprios ganhos ainda é a melhor forma de garantir uma aposentadoria no futuro.
Caro Fernando,
ResponderExcluirHoje, os fundos de pensão são excessivamente regulados pelo estado. Quando eu me referi a um sistema de previdência privada, fiz questão de definir "completamente privada". Logo, se eles serão melhores ou não do que gerir pessoalmente, isto dependerá do sucesso que obtiverem e da continuação do seu financiamento por parte do público.
Abs
Klauber