sábado, 23 de julho de 2016

O Primeiro Grande Saque Amazônico (VIII)

Por Armando Soares

Situação Fundiária Antes da Expansão da Economia Extrativa da Borracha   
 
Voltamos a descrever a situação fundiária no período da expansão da economia da borracha, questão que interessa para poder melhor avaliar em nossos dias esse setor. No decorrer da era da borracha, Barbara Weinstein, observou na sua pesquisa que a região das ilhas tronou-se mais exposta às incursões de casas aviadoras e de influentes funcionários locais. Há informações de que ali se intensificaram as lutas por estradas seringueiras durante os anos da expansão da atividade econômica da borracha, muito tempo depois dessa área ter deixado de ser uma área de fronteira. Em 1910, Henry Pearson, editor do India Rubber Word, traçou uma distinção entre o baixo e o alto Amazonas. Segundo ele na região das ilhas, os seringais fossem eles grandes ou pequenos, eram habitualmente registrados e fiscalizados, e “apenas bem no interior é que o indivíduo faz e executa suas próprias leis”.


                Em 1850 muitas das terras destinadas à extração de borracha não seriam ocupadas e registradas no registro de posses. Pequenos posseiros não tinham condições de arcar com as despesas do registro e havia estradas de borracha arrendadas por comerciantes locais e seringueiros itinerantes que não apareciam nos registros. Havia um velho costume de explorar terras devolutas para atividades extrativas nas partes menos acessíveis da região das ilhas. Em bora a Lei Fundiária de 1850 repudiasse toda noção de direitos consuetudinários sobre as terras, a tendência na Amazônia era ignorar a lei. Em 1862, o presidente Araújo Brusque queixava-se à Assembleia paraense de que “os seringais mais produtivos encontram-se em terras não reclamadas e em terras da nação”. “Advertia Brusque que tal situação poderia ter sérias consequências para o Pará”, e insistia que os seringais fossem entregues a pessoas responsáveis e inteligentes e não a seringueiros nômades e pequenos comerciantes de origem estrangeira. Ferreira Penna exigia que se processasse criminalmente todo seringueiro que extraísse borracha em terras da nação, a menos que, construísse moradia permanente e fizesse plantações de seringueiras, café, cacau.

                Esses comentários refletem a postura de grandes proprietários, burocratas e comerciantes, a elite tradicional, em relação à crescente economia da borracha. Essa elite considerava quem controlava terras de seringueiras, de pequena importância social, não merecedores de confiança. Entretanto, muitos dos grandes proprietários de terras nas áreas extrativas haviam recebido suas propriedades como recompensa pelo serviço militar prestado durante a cabanagem. Uma das detentoras de registro, Saturnina Thereza, fundamentava seu direito a um seringal de duas léguas quadradas em uma sesmaria do século XVIII. Havia também alguns comerciantes e funcionários locais que rapidamente colecionaram seringais e contatos políticos de boas famílias de Belém, os grandes seringalistas eram comumente novos-ricos com poder limitado fora da área de sua influência imediata. E a maioria dos antigos posseiros da região das ilhas eram produtores sem importância, muitos dos quais trabalhavam suas próprias terras e pouca influência exerciam em nível provincial.

Poder Econômico e Projeção Social

Dada sua natureza do negócio da borracha, o controle e a propriedade de seringais não era por si só, um ponto de partida seguro para alcançar o poder econômico e a preeminência social. Era o negociante, atuando ao mesmo tempo como comprador e fornecedor, que em última instância dominava a vida econômica das zonas de extração, através do controle do crédito, do estabelecimento dos preços locais, do fornecimento do transporte e do agenciamento de seringueiros suplementares. Porém, o comerciante local pode apresentar-se soube muitas roupagens diferentes. Poderia, por exemplo, ser um importante seringalista com vínculos comerciais em Belém, que não apenas equipasse seus próprios seringueiros e vendesse sua própria borracha, mas também oferecesse esse tipo de serviços a seus vizinhos produtores de borracha. De modo geral, a grande propriedade fundiária e as atividades comerciais eram compatíveis e complementares entre si; em muitos casos, não fica claro qual delas terá surgido primeiro, mas a ordem importa pouco.

                Um bom exemplo da relação íntima entre a posse da terra e atividades comerciais nas zonas de seringueiras é a história da família Gonçalves de Lemos, de Breves. O primeiro vestígio desse clã encontra-se nos registros de terra de 1855, em que pelo menos três inscrições levam o nome de João Gonçalves de Lemos, provavelmente negociante ou funcionário público na cidade de Breves, entrou com os pedidos de posse em nome de três posseiros analfabetos. Um ano mais tarde, José Gonçalves de Lemos registrou uma posse de dimensão indeterminada no rio Jacaré, também no município de Breves. Não se encontra muita informação sobre as atividades da família pelos quinze anos seguintes, mas sabemos que, entre 1872 e 1887, José Gonçalves de Lemos, através de sua firma José Gonçalves de Lemos e Filhos, começou a comprar algumas das maiores fazendas de Breves. Durante esses anos o negócio da família adquiriu cinco propriedades diferentes, com um total de quatro barracões, e nos anos 90 José passara a ser reconhecido por todos como um dos homens mais poderosos do principal município produtor de borracha do Pará.

                Ainda que a propriedade original fosse excepcionalmente produtiva e bem localizada, não poderia, por si só, ser a responsável pela acentuada ascensão econômica da família; pode-se presumir que o clã Gonçalves Lemos tenha, desde o início, associado à extração da borracha com atividades comerciais, o que lhe permitiu ultrapassar seus vizinhos em poder econômico e político. José, o patriarca da família, foi também intendente de Breves, posição que, sem dúvida, ajudou a fazer progredir os interesses da família. O inventário do seu patrimônio, por ocasião de sua morte, revela a forte relação entre a propriedade da terra e o comércio. Entre as propriedades de Lemos e Filhos estava uma casa comercial em Breves, barracões menores por toda a região das ilhas, e doze diferentes seringais avaliados em 66 contos de reis. O inventário de Lemos ilustra também a cadeia de relações de endividamento característica de rede de aviamento. Enquanto seus fregueses em Breves e Anajás lhe deviam um total de 17 contos, ele próprio devia a Thomé de Vilhena & Cia., de Belém, cerca de 40 contos. E a julgar pelo fraseado desses registros, tais débitos constituíam rotinas e provavelmente seriam não seriam saldados.

                Nem todos os antigos comerciantes de borracha começaram como posseiros e funcionários públicos nos municípios do interior. Havia também inúmeros comerciantes itinerantes, os regatões, que se abasteciam em Belém e depois viajavam de barco por todas as regiões do interior, até mesmo as mais isoladas, comprando borracha e vendendo farinha de mandioca, sal, roupas, cerâmicas, armas, querosene e tudo mais quanto fosse necessário ao seringueiro e sua família. Era esse mascate anfíbio (...) comprando por 5 o que valia 20 e vendendo 20 o que valia 5 que recebia o maior desprezo por parte dos funcionários do governo e de todos os críticos da economia da borracha. Acusavam-no de tirar vantagens ilícitas do seringueiro isolado e do índio inocente que, aborrecidos e solitários comprariam coisas demais e venderiam sua borracha barata demais, afundando-se assim, cada vez mais em dívidas. Paradoxalmente, esses mesmos atravessadores eram acusados também de prejudicar o monopólio do grande seringalista ou do comerciante estabelecido, e de permitir que o seringueiro vendesse ou comprasse mercadorias a preços mais em conta.

Destaque Necessário    
           

Volto a destacar que, devido a total falta de memória no Pará, na Amazônia e no Brasil na fase de expansão da economia da borracha extrativa, lapso que me obrigou a transmitir trechos do belíssimo trabalho de Barbara Weinstein para melhor avaliação da sociedade desse período, o qual mostra a origem dos muitos problemas que determinaram a estagnação econômica da Amazônia, a origem da deformação da questão fundiária e como surgiram alguns supermercados de hoje. Ainda vou continuar a transcrever alguns trechos desse trabalho, para depois ingressar em outros grandes saques amazônicos.

Não esquecer que a razão dessa série de artigos é para mostrar à sociedade amazônica e brasileira as verdadeiras causas do processo de estagnação da economia e da crescente pobreza amazônica. É inadmissível que uma região rica como é a Amazônia esteja ainda atrasada séculos em ralação as sociedades modernas. É difícil explicar a inoperância do amazônida que admite ser transformado em cobaia de experiências insanas e de saques permanentes de sua riqueza que criaram em outras regiões do mundo desenvolvimento, qualidade de vida e eliminação da pobreza. O amazônida passa por dificuldades de toda ordem vivendo em cima de riquezas incomensuráveis rogando aos céus milagres, quando o milagre está em suas mãos, na sua capacidade de realizar desenvolvimento e não em milagres caídos do céu.

Armando Soares – economista


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