Por Klauber Cristofen Pires
Tem havido ultimamente um grande debate sobre as diferenças entre liberais e conservadores, com algumas discussões, infelizmente, conduzidas para direções outras. Todavia, enquanto for debate, e enquanto este debate carregar um mínimo de argumentos honestos de parte a parte, é de se esperar que seja benéfico, pois há muito tempo que isto não acontecia.
Tem havido ultimamente um grande debate sobre as diferenças entre liberais e conservadores, com algumas discussões, infelizmente, conduzidas para direções outras. Todavia, enquanto for debate, e enquanto este debate carregar um mínimo de argumentos honestos de parte a parte, é de se esperar que seja benéfico, pois há muito tempo que isto não acontecia.
Em debates com amigos que se declaram conservadores, tenho observado, em síntese, a preocupação que têm eles de se escorarem no Estado para a garantia de uma sociedade ordeira, e talvez seja possivelmente devido a um sentimento reativo, de indignação pelo fato de os liberais não compartilharem as mesmas opiniões, é que partem para certas generalizações tais como a que imputa aos liberais o ateísmo e/ou o abandono aos valores morais e éticos.
Bom, antes de tudo é necessário esclarecer que não há, absolutamente, nenhuma relação de causa e conseqüência entre ser liberal e ser ateu ou amoral. O que é necessário explicar, possivelmente aos leitores que, da arquibancada, prestigiam os argumentos das partes, é que os liberais entendem que a religião e a moral devem ser guardadas pela sociedade, e não pelo Estado.
Isto porque, se concedermos as chaves destes tesouros ao Estado, poderá chegar o dia em que seu ocupante decida por implantar uma nova ordem, pautada por diferentes valores. Aliás, é isto mesmo o que hoje está acontecendo em nosso país. Tínhamos leis pautadas por princípios religiosos e morais mas, confiantes na força do Estado, esquecemos nós mesmos de protegê-las.
Quem pensa que uma lei funciona como um instrumento infalível da ordem, se engana. A lei funciona assim como aquele lacinho que amarramos no dedo para nos lembrarmos de alguma coisa. No fundo, o que faz mesmo a diferença é uma espécie de senso comum (“common sense”), ou uma palavra alemã que li em um blog de um amigo “zeitgeist”. É uma forma de espírito, se me é permitido assim me expressar, que anima uma opinião geral a respeito de um determinado assunto.
Sem o espírito que anime a lei, ela não passa de uma estátua de barro a ruir. Nas últimas décadas, por exemplo, este senso tem caminhado na direção da diminuição do valor da proteção à propriedade privada. As freqüentes derrogações do direito de propriedade privada não teriam acontecido em meio a um povo que majoritariamente as condenasse. Do mesmo modo, como tenho muito demonstrado em meus artigos, o princípio de igualdade jurídica (“todos são iguais perante a lei”), também tem sido desbastado sob o cinzel do igualitarismo material. Ainda outro era a lei que garantia ao recém-casado anular seu casamento caso comprovasse que sua mulher não era virgem. Por muitos anos, esta cláusula legal permaneceu em vigor, sem que praticamente ninguém ao menos se lembrasse que ela existia.
Por outro lado, incorrem em erro os conservadores, quando tentam impor determinadas condutas que eles abraçam voluntariamente em função da religião que abraçam, a outros grupos diferentes, pois agridem o direito de livre-arbítrio e também o direito de associação.
Como bem disse o filósofo Ludwig von Mises, as religiões agem como partidos políticos quando prescrevem fórmulas sociais. Mises também asseverou que as guerras religiosas são as mais drásticas, porque, como dogmáticas, não admitem negociação. Ou fiéis de um grupo religioso se impõem sobre os outros, ou sucumbem perante os da religião militarmente triunfante.
A declaração do Papa Bento VXI, de quem sou um admirador, abriu uma questão bem propícia para este debate. Pois neste momento eu tenho uma amiga cujo marido, a ela e a seu filho, os largou.
Isto me levanta intuitivamente o seguinte senso de justiça: ora, é certo que o segundo casamento dele mereça o desprezo da Igreja, eis que largou de sua família para conviver com outra; todavia, não me parece correto que a mulher, abandonada, e crente católica fervorosa como é, seja proibida de procurar um novo parceiro que trate a ela e a seu filho com respeito, dedicação e amor.
Algo me diz que segundos casamentos não são uma praga social, mas ao contrário, uma solução social. Uma solução em face do que já se encontra destruído. Todavia, levando-se em consideração que uma pessoa adere ao catolicismo voluntariamente, concordo plenamente que o Papa tem até mesmo o direito de excomungar a ambos, caso tentem casar-se novamente.
EM LINHA CONTRÁRIA, SOU TOTALMENTE CONTRA QUE ESTA NORMA DE CONDUTA SEJA ESTENDIDA A NÃO CATÓLICOS!
Então vejam os que se denominam de conservadores, que o casamento perpétuo já teve vigência jurídica neste país, obrigando católicos e não-católicos à mesma norma de conduta social. Isto me parece uma clara agressão contra o direito dos não-católicos de tomarem suas próprias decisões.
Assim como eu detestaria que me obrigassem a usar um quipá ou um turbante; ou que me obrigassem a observar o Pesach ou o Ramadan, eu também não me sinto na obrigação de seguir condutas impostas pelos católicos. Eu tenho as minhas próprias convicções, e aqui reinvindico o meu direito de livre-arbítrio e de associação para me juntar àqueles que compartilham comigo as mesmas idéias. Isto se chama paz. O contrário disto se chama guerra.
OS LIBERAIS ENTENDEM QUE O SER HUMANO DESFRUTA, ALÉM DO DIREITO DA LIBERDADE DE COMERCIAR, TAMBÉM DO DIREITO DE PROCURAR A SUA PRÓPRIA FELICIDADE.
Nos termos em que amigos conservadores têm se definido, isto é, que são a favor da manutenção de uma ordem social (estabelecida em seus próprios termos), aliada a uma liberdade econômica, é preciso esclarecer que a liberdade econômica não se desenvolveu por si só, num processo de autogênese. Ao contrário, ela é filha - e até mesmo a filha caçula - de outras liberdades, tais como a liberdade científica, a política e a religiosa.
É razoavelmente certo afirmar que a filosofia da liberdade nasceu em meio às civilizações judaica e cristã, todavia, isto não leva necessariamente a crer que as religiões sempre concorreram para este fim. No livro “A Sociedade de Confiança”, Alain Peyrefitte demonstra como a Igreja Católica posicionou-se contra o trabalho dos artesãos e a prática do empréstimo a juros, por séculos a fio, de modo que a liberdade foi encontrar seu lugar entre os protestantes, que fugiam duplamente, do absolutismo monárquico e das censuras da Igreja Romana.
Portanto, os liberais entendem que a filosofia da liberdade é muito mais ampla do que só a econômica. Não fossem experimentadas as outras liberdades, e a muito custo, JAMAIS OUVIRÍAMOS FALAR da liberdade econômica que hoje os conservadores defendem.
Ora, tem sido dito que os ateus podem viver bem em uma sociedade cristã; que eles desfrutam dessa sociedade, mais ou menos assim como um papagaio que sabe falar, mas não sabe o que significa os sons que emite (e eu compartilho desta opinião). Então, vale a mesma sentença para tais conservadores, quando negligenciam que a liberdade econômica somente veio a nascer em meio às outras liberdades. Enfim, religião é uma busca por Deus, e portanto, uma atividade personalíssima. Ao cristão incumbe, conseqüentemente, agir conforme os preceitos de sua crença, que lhe devem informar como agir como INDIVÍDUO. A doutrina liberal, a seu turno, é uma ciência social: ela prescreve receitas de normas de convívio em sociedade, de modo que sejam garantidos os seguintes valores: liberdade do indivíduo, respeito à propriedade privada, e paz continuada.
Sr. Klauber Cristofen Pires,
ResponderExcluirnão posso deixar de parabeniza-lo pelo artigo. O bom senso anda tão desprestigiado e raro que uma manifestação dele acaba por parecer algo extraordinário.
Certamente que temos divergências, mas se defendemos a liberdade, estas são insignificantes.
Não cabe fazer adendos ao seu brilhante texto, mesmo que numa ou noutra frase eu possa ter ressalvas. Como já disse, diante da grandeza de seu bom senso essas quiziras são mesmo despreziveis.
Sendo assim, posto aqui o reconhecimento e admiração por seu artigo.
Se fossem abandonadas as disputas idiotas, por aqueles que querem usurpar para si todas as virtudes e ao mesmo tempo lançar contra outros até os próprios vícios, certamente que o debate seria mais honesto e proveitoso. Algo bem na linha de seu artigo.
É tolo um grupo almejar ser o exemplo da virtude valendo-se de artifícios escusos.
Um forte e admirado abraço
C. Mouro
Obs.: Entendo que sou agnóstico por entender que não é possivel saber ou provar que algo não existe. Afinal, para isso somente se onisciente. Contudo mesmo que as vidências possam levantar fortes suspeitas, elas são apenas evidências e não provas concretas.
Klauber,
ResponderExcluirPassei aqui pelo convite de C. Mouro e concordo com ele. Aliás, curiosamente, posso até mesmo endossar todo o texto dele acima, até a parte de ser agnóstica!
Muito bom ler um texto em busca de tanto equilíbrio no meio de tanta baboseira e intransigência que tenho visto estes últimos dias. Muito boa sua forma clara e muito objetiva de expressar suas opiniões.
Um grande abraço,
Helena.
NÃO PRECISA PUBLICAR ESTA PARTE EM MEU POST, É APENAS UMA PEQUENINA CONTRIBUIÇÃO: reveja os romanos em "Papa Bento VXI" (XVI)