Não há duas pessoas iguais neste mundo. Todo aquele que sustenta que os seres humanos necessitam disto ou daquilo, ou que têm de voltar as suas atenções para tais e quais objetivos, somente estatui arbitrariamente parâmetros medidos em termos de suas próprias convicções. A liberdade, portanto, é o principal meio de garantia pelo qual um ser humano pode, por ele mesmo, julgar as suas necessidades e conveniências e valorando-as, tentar conquistar a sua felicidade.
No Brasil, se queremos apontar uma causa em especial para a progressiva relativização da liberdade individual, que paulatinamente temos visto tornar-se mais diáfana, será a tese do “interesse público”. Nas faculdades, nas tribunas, nos debates televisivos, nos artigos de opinião da mídia impressa, não há quem falte a defender que o “interesse coletivo deve prevalecer sobre o do particular”.
À primeira vista, pelo menos intuitivamente, somos levados a concordar com tal postulado, pelo menos quando colocado em termos abstratos. Os defensores do princípio da prevalência do interesse público, animados por teorias coletivistas, para sustentar-lhe a validade amparam-se na crença da existência de um pensamento coletivo, do qual, claro, apresentam-se ou como um de seus porta-vozes, ou, pelo menos, advogados dos que reclamam para si este poder.
Neste cenário plúmbeo, apresentamos a lição objetiva e elucidativa de Ludwig von Mises (1): “Se alguém diz Eu, nenhuma outra informação é necessária para estabelecer o seu significado. (...) Mas, se alguém diz Nós, é preciso alguma informação adicional para indicar quais Egos estão compreendidos nesse Nós. É sempre um simples indivíduo que diz Nós; mesmo que muitos indivíduos o digam em coro, permanece sendo diversas manifestações individuais.
O Nós não pode agir de maneira diferente do modo como os indivíduos agem no seu próprio interesse. Eles podem agir juntos, em acordo, como um deles pode agir por todos. Neste último caso, a cooperação dos outros consiste em propiciar uma situação que torna a ação de apenas um homem efetiva para todos. Somente neste sentido é que o representante de uma entidade social age pelo todo; os membros individuais do corpo coletivo ou obrigam ou permitem que a ação de uma só pessoa lhes seja também concernente.”
Como compreendemos do argumento acima, não podemos deixar de flagrar aquele que, pretendendo falar em nome de qualquer interesse coletivo, o declama por sua própria boca e, portanto, segundo tão somente a sua particular visão das coisas.
Oportunamente, observemos também que a palavra “interesse”, para dar significado ao conceito de “interesse coletivo” pode ser bastante desastrosa: por exemplo, podemos assinalar que os nazistas (a maioria) tinham o interesse “coletivo” de exterminar os judeus (a minoria). Seria, então, este um direito legítimo, ainda que fosse para matar um só judeu?
Mais adiante, vejamos que também existe diferença entre o que se costuma denominar de “interesse coletivo” e “interesse do Estado”, muito embora estas expressões sejam corriqueiramente “empurradas” como sinônimas. Por exemplo, o Estado tem muito interesse no instituto de substituição tributária (um dispositivo legal pelo qual ele obriga alguém a recolher os tributos em lugar de terceiras pessoas – tal como ocorre com o recolhimento de imposto de renda na fonte pelas empresas, em relação aos seus empregados), mas até hoje não ficou demonstrado se este interesse, que é claramente do Estado, porque lhe gera uma economia, atende os interesses da sociedade, analisados os critérios de justiça e também da própria economia, balanceada a redução de custos pelo estado, quando contraposta com a elevação dos custos pelos particulares.
Certamente, há antes bens públicos, do que interesses públicos; podem ser tangíveis como uma estrada ou praça, ou intangíveis, como o dever de todos de respeitar o direito à vida de seus compatriotas. Mas o que lhes distingue categoricamente de qualquer alusão a um dado “interesse público”, quando assim proferido como uma verdade categórica, é sempre a manifestação positiva e inequívoca por todos os integrantes de uma comunidade, e respeitadas as minorias, mediante a garantia permanente de proteção aos direitos individuais, já consagrados para todos; isto, afinal, é o que devemos esperar de uma democracia que se esmere em ser fielmente representativa.
Em suma, viver em sociedade exige a mitigação de algumas liberdades, mas somente no tanto necessário para que esta se faça possível, e sempre com vista à obtenção de benefícios gerais compensadores dos sacrifícios por todos suportados; em linha contrária, a edição sem fim de normas casuístas, justificadas com base em considerações de “interesse público” por arrogantes que crêem serem donos das escolhas alheias, somente transforma uns em fidalgos e outros, em servos.
(1) Ação Humana, 2ª ed. 1995, Instituto Liberal, pg. 46.