domingo, 14 de outubro de 2007

Vá procurar seus direitos!

Por Klauber Cristofen Pires


Quem se lembra de uma novela que, em algumas de suas cenas, apresentava o ator Flávio Migliaccio a interpretar o papel de um aposentado que aguardava eternamente a revisão de sua aposentadoria pelo INSS? Nas suas falas, o personagem insistia mais ou menos assim: “-eles querem me ver morto, mas não vão, não vão conseguir...”.

Mais uma vez, veio uma novela politicamente correta a sugerir a necessidade do brasileiro de “ir procurar e lutar por seus direitos”, à custa, necessário dizer – de uma estóica persistência e utópica fé (no governo). Eu nem sei se o personagem afinal foi abençoado com a tal revisão, mas sei que demorou muito, o suficientemente bastante, por exemplo, para que ele pudesse, por hipótese – ter falecido antes de alcançar seu objetivo. Em termos de aposentadoria, cada ano perdido não se recompensa, nem pelo pagamento em dobro.

De certa forma, portanto, não podemos deixar de pensar que o personagem tinha razão, quando dizia que queriam vê-lo morto, pois o sistema de pagamento de aposentadorias no Brasil é do tipo de repartição de receitas, onde é coletado o dinheiro arrecadado pelos trabalhadores ativos para com ele se pagar os aposentados e pensionistas. Entretanto, se fosse só assim, até que não seria mal, mas some-se a isso a irredutibilidade do valor das aposentadorias, e aí sim temos um sistema que nasceu pra não dar certo, já que não há nenhum elo que ligue a receita com a despesa. Ao Tesouro Nacional, resta arcar com o faltante.

Neste cenário, que não é de novela, mas real, não surpreende que no ninho dos burocratas não haja quem torça, e mais, que não esteja disposto a dar uma forcinha, para pessoas como o personagem aqui descrito deixe de dar despesa. É a lógica dos chapéus: onde houver dez cabeças e nove chapéus, corte-se uma cabeça para prover a bonança. Será por acaso coincidência esta campanha que vemos pela legalização do aborto e pela eutanásia?

A tônica do argumento socialista (também comunista, petralhista, marxista, etc.) reside na proposta de que, embora o cidadão arque com os impostos considerados às vezes altos, será beneficiado em seguida com educação “gratuita”, saúde “gratuita”, segurança “gratuita”, transportes “gratuitos”, etc. Depois, quando os pais têm de dormir na rua para poder matricular seus filhos numa escola pública (que coisa mais bizarra...); quando as pessoas morrem numa maca largada num corredor fétido em meio a uma centena de outros coitados a esperar por algum atendimento médico; quando um INSS decide não pagar a aposentadoria, e assim por diante, aí não faltam “especialistas” com cara de boçais, a afirmar que os brasileiros precisam aprender a fazer valer os seus direitos, tipo assim, ir à rua e protestar, fiscalizar as contas dos governantes, e que tais...

Ora, então pergunto aqui a quem me lê: Terá sido um bom negócio pagar certo por algo que se receberá incerto? Será justo, ou conveniente, que se deva pagar por alguma coisa e depois ter de lutar – e ainda por cima por meios abstratos - para consegui-la? O que, digamos, eu preciso fazer quando vou ao supermercado? Simplesmente não pego minhas coisas, pago e as levo? E com relação às escolas particulares? Não é simplesmente chegar, pagar e ver seu filho estudando? E com relação ao serviço de tv a cabo, ou o consórcio do carro? Não é simplesmente receber o serviço, no primeiro caso, e a carta de crédito no momento avençado, no segundo?

Agora, já seria de se ver os tais especialistas batendo o pé e clamarem: “- mas então como se dão as coisas no meio privado quando os serviços não funcionam?” Ora, o que ocorre quando, por exemplo, o plano de saúde privado nega o atendimento? É simples, acionamos a justiça, e reclamamos o estabelecido no contrato!
Senão, vejamos: quando aconteceu aquela tragédia com uma aeronave da TAM em Congonhas, contra quem as vítimas acionaram a Justiça? Contra o Estado Brasileiro ou contra a companhia aérea? Só este fato – por mais que a empresa esteja tentando amenizar seu prejuízo – demonstra - mesmo num país onde quase tudo leva a intromissão abusiva do governo, como são estes dois casos, os planos de saúde e a aviação civil – que as pessoas sabem onde melhor obter a reparação para seus danos e mais, que é pura perda de tempo procurar algum responsável na Infraero, na Anac, no Ministério da Defesa, no Ministério dos Transportes, ou seja lá onde, pois o jogo de empurra-empurra, numa hora destas, não tem fim.

Certa vez, numa conversa com amigos, todos servidores públicos de alto escalão, eu ouvia sua reclamações sobre as mudanças que estavam sendo implementadas pelo governo FHC no tocante às suas aposentadorias; reclamavam, em suma, que o governo estava mudando as regras do jogo no meio do percurso, e consideravam isto injusto. (Não houve momento na conversa, todavia, em que um deles se lembrasse de quantas regras eles mesmos já haviam derrogado para os cidadãos na área em que atuam - pimenta nos olhos dos outros é refresco, não?).

Porém, a queixa deles procede - pelo menos no âmbito moral, ou melhor, em termos de um conceito de justiça natural, dado que, quando fizeram o concurso público, o governo oferecia a aposentadoria integral no edital. Contudo, as disposições editalícias não são de ordem contratual, mas antes, oriundas de um jus imperi que permite ao ente estatal modificá-las unilateralmente, com base numa doutrina de prevalência do interesse público sobre o interesse do particular, seja lá qual for este direito, fundamento ou por quem se o declame. Concluindo, por mais que reclamassem, não podiam fazer nada, isto por que eles não tinham direito como aposentados, já que ainda não haviam cumprido os requisitos previstos em lei para a aposentadoria, o que vale dizer, no direito vigente, que a eles assiste apenas uma “expectativa de direito”, ou no fim das contas, o mesmo que nada.

Duas coisas, portanto, separam irrevogavelmente o serviço privado do serviço público: a contratualidade e a igualdade jurídica entre as partes. Pela contratualidade, ambos os lados têm certos entre si todos os seus direitos e deveres, e ex-ante, concordam com todos os termos e declaram-se satisfeitos com o acordo celebrado; pela igualdade jurídica entre as partes, temos que nenhum lado tem o poder de modificar unilateralmente as cláusulas estabelecidas. Juntos, estes dois institutos dão o contorno, moldam, concretizam o que há de mais rarefeito nos serviços públicos: a responsabilidade.

Enquanto que em relação aos serviços privados há sempre um direito concreto a ser defendido judicialmente e um responsável direto a ser cobrado, no serviço público as pessoas contam, no máximo, com estas tais de expectativas de direito, ou alegados direitos políticos (como se já não houvesse de fato direitos concretos a serem reclamados), verdadeiras fumaças que se desfazem somente no momento em que sobra um cidadão com um prejuízo na mão.
Se há algum direito a ser reclamado, isto sim, é o de podermos escolher de quem compramos nossos serviços; que as pessoas que recebem o nosso dinheiro não brinquem com ele, mas façam o combinado, e que haja uma justiça idônea a compelir os espertinhos a cumprirem com as suas responsabilidades.
Livre-mercado, respeito aos contratos, Estado necessário: eis os nossos direitos!

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