Para começarmos a falar sobre Economia e Livre Iniciativa, necessariamente precisamos introduzir o conceito de propriedade privada. Os méritos para a compreensão da função da propriedade privada devem ser atribuídos primeiramente aos economistas clássicos, e mais precisamente, aos economistas austríacos, especialmente o filósofo Ludwig von Mises, ao terem demonstrado que, sem a propriedade privada dos meios de produção, não há preços, e portanto, não há uma avaliação racional sobre a utilização de recursos. Segundo os “austríacos”, este foi o principal fator para o colapso da economia dos países comunistas, e em especial, da União Soviética.
De forma absolutamente diferente do que estabelece a Constituição brasileira de 1988, ao arbitrar critérios absolutamente convencionais para definir uma “função social da propriedade privada”, podemos atribuir ao instituto da propriedade privada cinco valores apriorísticos, e portanto, fundamentais, a saber:
1. Do valor jurídico: a primeira forma de obtenção da propriedade privada é a “apropriação original”. Por este conceito, um indivíduo declara ser dono sobre um dado recurso natural jamais antes pertencente a outro indivíduo. O conceito de propriedade emerge sempre que pensamos em raridade dos recursos, e é por si mesmo, a medida solucionadora de disputas entre dois seres humanos. Mesmo o próprio local no qual um ser humano põe os pés sugere a necessidade de um critério pacífico de resolução de conflitos, dado que duas pessoas não têm como ocupar o mesmo lugar no espaço. Da apropriação original, surgem diversos destinos que uma pessoa pode dar ao seu bem: a troca, a doação, o empréstimo, gratuito ou oneroso, ou outras formas mais complexas de relacionamento com outros humanos, todas pacíficas e porque voluntárias, também mutuamente benéficas.
2. Do valor filosófico: do conceito de propriedade privada surge a garantia de liberdade de um ser humano. A primeira propriedade de uma pessoa é o seu próprio corpo. Um ser humano tem um elo lógico, naturalmente aceitável por qualquer um, para declarar seu corpo como sendo sua propriedade: é ele quem o ocupa, que o forma e que o mantém; qualquer outro critério que alguém alegue para declarar a sua propriedade sobre o corpo de outrem, digamos por exemplo, o fato de ser mais forte, ou mais claro, ou de ter sido encarregado de uma missão divina, é destituído de qualquer vínculo natural e lógico, mas antes, baseado em conceitos puramente arbitrários por ele mesmo estabelecidos.
3. Do valor moral: a liberdade, que é o fruto garantido pelo direito de propriedade, não tem um valor finalístico próprio, mas é ela mesma incondicionalmente ligada à procura da felicidade. Dado que não há, absolutamente, nenhum critério pelo qual um ser humano possa ditar a outro como ser feliz, a busca da felicidade, objetivamente considerada, deve envolver somente o juízo de cada indivíduo, e do que ele estabelece para si mesmo como sendo o alvo de suas aspirações. Quando alguém –um indivíduo, ou um grupo de indivíduos unidos por uma convenção, digamos, o Estado - começa a ditar restrições ao direito de propriedade, ou mais sutilmente, sobre as variações de uso da propriedade, por exemplo, sobre o modo como as trocas podem ser feitas, inexoravelmente inicia um processo de derrogação da liberdade e portanto, da felicidade humana individual.
4. Do valor econômico: Já vimos até aqui que, com a propriedade privada, surge a possibilidade de os seres humanos efetuarem trocas. Estas trocas, quando realizadas pacifica e voluntariamente, atendem ex-ante aos anseios dos seus protagonistas e permitem, com o uso de um meio de troca, ou seja, da moeda, uma avaliação cada vez mais apurada e precisa dos valores que uma dada população atribui a cada bem, dado que os indivíduos, com o objetivo de incrementarem suas condições de vida, tendem a balancear as relações de custo X benefício. Nos países comunistas, os preços eram convencionalmente estabelecidos por burocratas desvinculados de qualquer conhecimento sobre os custos de produção, daí que torravam capital material e humano em empreendimentos que inexoravelmente produziam menos do que o investimento feito.
5. Do valor praxeológico: a Praxeologia, a ciência desenvolvida pelo filósofo Ludwig von Mises, estuda a ação humana, e define categoricamente os eventos e situações em que o ser humano age, sempre com o intuito de prover uma melhoria de seu bem-estar. Neste aspecto, a acumulação dos frutos do trabalho tem o efeito de estímulo à produção de mais bens, os quais poderão ser trocados com os demais indivíduos que com ele se relacionam, o que acarreta, paulatinamente, um incremento geral no padrão de vida de todos os envolvidos.
Quando compreendemos o que acima foi exposto, podemos claramente entender que a defesa do instituto da propriedade privada possui um caráter apriorístico e fundamental, bem diferente, como apresentamos acima, dos equivocados conceitos estabelecidos pelos constituintes de 1988; em suma, não é uma dada propriedade particular que irá cumprir uma função – social(?) – da propriedade, se estiver em dia com determinadas obrigações ou requisitos estabelecidos por terceiros. O que define a segurança, tranqüilidade, estado de confiança mútua e paz no seio de uma sociedade é a compreensão mesma dos valores intrínsecos da propriedade privada, e que qualquer derrogação, mesmo parcial, sempre acarretará uma corrosão no edifício social.
Finalmente, devido ao fato de que a ação humana é sempre um ato individual, e que a busca da felicidade ampara-se sempre em critérios absolutamente pessoais e subjetivos, qualquer explicação macro-econômica da sociedade irremediavelmente escora-se em valores de juízo arbitrariamente - e por isto injustamente - estabelecidos por seus propositores.
Muito bom o texto, Klauber. Esclarecedor e direto. As relações entre propriedade e liberdade são sempre negligenciadas pelos comentaristas, principalmente os "especializados" que acham que podem relativizar uma sem relativizar a outra. Quando explicitamos a relação entre propriedade e liberdade, fica claro entender a compreensão desta última pelos elaboradores da constituição de 1988: para eles a liberdade também tem um fim social, ou melhor, socialista, onde os indivíduos são livres para servir a revolução, mas não são livres para lutar contra ela. A função social da propriedade é tão restritiva quando dizer que há uma função social na liberdade, e que esta só pode ser utilizado sob determinados aspectos.
ResponderExcluirFica claro entender a sanha de vários político por limitar o poder da mídia, por criar meios estatais de comunicação e por criar e amparar movimenos sociais e de classe que queiram restingir as demais liberdades humanas. É a função social da liberdade trabalhando em conjunto com a função social da liberdade.
Um abraço
Fernando R.