quarta-feira, 30 de maio de 2007

Sobre o Trabalho Doméstico Infantil

Por Klauber Cristofen Pires

Há algum tempo atrás, a trabalho, visitei as instalações de uma Delegacia do Ministério do Trabalho e Emprego. Oportunamente, sempre me perguntei qual a necessidade desta diferença que foi criada no nome desta instituição, isto porque a mudança havida parece sugerir que emprego não deve significar necessariamente trabalho. As ideologias de esquerda adoram a abundância: nas passeatas que seus grupos promovem, recorrentemente apelam a frases tais como “contra a violência e a favor da paz”, ou “contra o desemprego e a favor da estabilidade”, e assim por diante.

Entrementes, o que me chamou a atenção foi ver, espalhados pelos corredores, diversos cartazes anunciando uma campanha daquele Ministério contra o trabalho doméstico infantil. Claro, que aqui não se trata de emprego, e talvez seja esta a fundamentação oriunda da diferença no nome acima comentada: o trabalho então passaria a ser entendido não apenas como o resultante de acordos de prestação remunerada de serviços entre partes contratantes, mas sim como qualquer ação humana.

Se isto for verdade, então o Estado, por meio do seu MTE, passa a aumentar significativamente a amplitude de sua competência, de modo a lhe ser permitida a interferência ilimitada na vida privada: não causaria estranheza, portanto, opinar sobre o trabalho doméstico, como acabou de fazer, e por extensão, não teremos o direito a nos surpreender se um dia nos for exigido filiação em algum sindicato para trocar o pneu do carro ou consertar o cano da pia, ou mesmo se vier a considerar a vida sexual do casal como um problema trabalhista.

Tal como a legislação trabalhista não consiste em garantia de trabalho, mas antes, em um código corporativista constituído de diversas formas de impedi-lo ou dificultar sua ocorrência, não poderia ser diferente com a instituição criada para fiscalizá-lo. Portanto, ao ampliar sobejamente seu campo de atuação, parece o Estado interessado em repudiar o trabalho, a priori, onde quer que se encontre; parece, portanto, assaz interessado em minar as iniciativas das pessoas, em estimular o niilismo, até mesmo dentro do reduto mais sagrado, que é o lar.

Neste contexto, talvez seja conveniente relatar alguns aspectos da minha infância: desde quando garoto, sempre me acostumei a auxiliar nas tarefas domésticas, de tal forma que, com cerca de 10 ou 11 anos (independentemente de ser do sexo masculino – meus pais não me concediam tal privilégio) já cuidava praticamente de todas as tarefas domésticas, tal como colocar as coisas em ordem, varrer, encerar e lustrar, passar palha de aço, limpar e lustrar os móveis, lavar as louças, varrer e “capinar” o quintal, e muito mais.

Jamais, contudo, estas tarefas cercearam meus estudos ou minhas brincadeiras, ou pior, fizeram de mim um tipo revoltado. Pelo contrário: a uma certa altura da minha vida, ingressei em instituições de ensino militares, e praticamente todas as tarefas a mim incumbidas foram cumpridas com naturalidade: limpava banheiros, varria o alojamento, lavava e passava minha roupa, lustrava meus coturnos e sapatos, bem como meu cinto e os meus distintivos e insígnias. Tudo isto, sem prejudicar meus estudos, a ponto de ter me formado como oficial-aluno (distinção concedida aos melhores alunos), tanto no nível secundário quanto no superior.

Em linha contrária, se melhor posição eu – ainda – não galguei na vida, confesso que isto se deve unicamente aos meus próprios defeitos, jamais a algum alegado tempo que me fora subtraído ou trauma adquirido. Pelo contrário, parece-me que tudo isto sempre me proporcionou um senso de autoconfiança e independência, que eu claramente sentia serem muito superiores a muitos outros jovens da mesma idade.

Mais além, a participação na divisão das fainas do lar também contribuiu para o desenvolvimento do valor do companheirismo, de repartir o ônus, de sentir-se integrado na célula familiar; dias atrás, testemunhei um fato deprimente, ao observar um morador de meu prédio, abarrotando-se de forma atrapalhada com pertences que retirava do seu carro para levar ao seu apartamento enquanto seu filho, um chupinzão mais alto que ele próprio, o acompanhava atrás, de mãos livres, e pior ainda, resmungando e de cara amarrada, carregando não mais que um fone de ouvido conectado a um aparelho de MP3!

Responsabilidade, justiça, comando e gestão também podem ser valores adquiridos com a disciplina familiar. Meu pai costumava me dizer que os melhores comandantes são aqueles que, quando na função de subordinados, melhor obedeceram. Hoje eu vejo o quanto lhe assiste a razão. Definitivamente, jamais tive uma empregada doméstica que se saísse melhor do que eu mesmo: basta-me um olho rápido para a avaliar a qualidade dos seus serviços; por extensão, na condução dos meus afazeres profissionais, sempre tive clara a medida das tarefas a serem distribuídas aos colegas subordinados, desde que sempre me senti capaz eu mesmo de realizá-las.

Se meu testemunho puder valer de alguma coisa, principalmente às famílias constituídas por pais e mães mais jovens, peço que entendam que, durante a minha infância, participar ativamente dos afazeres domésticos era uma necessidade, que foi facilmente superada com a colaboração mútua entre pais e filhos, vislumbrada a oportunidade de poupar o dinheiro que seria empregado com uma empregada doméstica para uso em outros fins, considerados por nós todos como mais valiosos.

É certo que hoje muitas famílias têm condições tranqüilas de manter não somente uma, mas talvez até mais auxiliares. Não pretendo aqui sugerir aos pais que reduzam seus filhos à função de domésticas. Entretanto, algumas poucas medidas podem ajudar a orientar seu filho a ser mais organizado, disciplinado e companheiro: ordene à sua secretária que limpe o quarto de seu filho, mas quanto à arrumação, isto deve pertencer a ele; determine a seu filho que lave imediatamente o copo que acabou de usar para beber água ou suco, bem como levar a sua roupa usada à área de serviço; que também ajude a carregar as compras do supermercado, a lavar a louça do jantar e coisas assim. Isto não lhe fará nenhum mal, por mais que o MTE sustente o contrário.



quarta-feira, 23 de maio de 2007

Uma História Liberal

Por Klauber Cristofen Pires

Meu pai costumava contar – com alguma recorrência - uma história para mim e meus irmãos. Era sobre a vida de uma família de nossa terra natal, a ilha de São Francisco do Sul, no nordeste de Santa Catarina. A história, além de realmente bela, era anunciada por ele como exemplo a ser seguido.

Esta família, dizia ele, era constituída por uma mulher e seus três filhos, todos muito pobres e necessitados. Todavia, jamais ela entregara os pontos; soubera como superar os percalços de seu – apenas aparente – infortúnio: quando ao entardecer, ela puxava seus filhos para coletarem “berbigões” nas coroas próximas às praias, aproveitando a maré baixa. Berbigões são moluscos característicos daquela região, e bastante apreciados pelos veranistas, tal como os mexilhões e as ostras. Tempos atrás, meu pai viu, em um grande supermercado, os mesmos, então denominados “Vôngoles”. Bem mais chique, não?

Com a coleta dos moluscos, eles voltavam pra casa e, ainda de madrugada, punham-se a cozinhá-los, para vendê-los ainda fresquinhos ao público. Todos participavam. Naquele tempo, bem se diga, não havia bolsa disso ou daquilo. Mas havia a escola pública. E até que era boa, comparada aos padrões atuais. Sem ter cadernos ou livros didáticos – não sei se já existia merenda escolar, mas creio que não - o único incentivo que as crianças tinham era a visão de um futuro melhor, apontada pela mãe, que não cansava de lhes exigir a boa aplicação nos estudos.

O primeiro dos filhos formou-se como sargento do exército, sendo que usou de seus recursos para financiar os estudos superiores do segundo irmão, que conquistou a carreira da Medicina, e ambos, finalmente, também ajudaram o caçula, que também alcançou o nível superior, tendo logrado invejável sucesso na carreira.

Que mãe vitoriosa! Que família vitoriosa! Imaginemos o quanto podemos aprender com um exemplo tão singelo, mas ao mesmo tempo tão profundamente belo! Exemplo de fé na vida, ao decidir por não abortar ou abandonar seus filhos; exemplo de fé em si mesma (e certamente, também em Deus), ao contar com seus próprios recursos e meios para superar as suas próprias dificuldades; exemplo de gestão, ao manter sempre a família sempre unida! E quantos outros exemplos mais...!

Que boa providência a de não haver naquele tempo bolsas-isso-e-aquilo e tantos benefícios! Ainda bem que não existia esta patrulha contra o trabalho infantil! Sorte que não existia o Ibama! Que alívio que o aborto era considerado por todos como uma monstruosidade! Quão afortunados por terem podido freqüentar uma escola ainda não ideologizada! (ou, pelo menos, não tanto como agora...).

Desconheço se esta senhora ainda vive. Se isto é certo, também o é o fato de que esteja desfrutando da vida com um farto conforto psicológico e espiritual, rodeada de amor, carinho, respeito e admiração, por seus filhos, noras e netos. Todavia, não deve estar desfrutando somente de conforto íntimo, mas também de amplo conforto material, incomparavelmente maior do que se estivesse escorada em benefícios pagos pelo governo.

Sua vida foi a prova de que o planejamento familiar fomentado pelo Estado é somente o atestado de sua incompetência, e a legalização do aborto é o instrumento que pretende obter para justamente – abortar – os insucessos – de seus desmandos e interferências na vida privada.

Em um mundo livre, mesmo o Brasil de quarenta anos atrás (sim, em muitos aspectos, eles eram muito mais livres que nós!), os indivíduos trabalham (não ficam necessariamente esperando em uma fila de emprego) usando dos talentos e recursos de que dispõem, e ao, fim, toda a humanidade prospera mais um pouco.

Em uma sociedade livre, não há que se falar em desemprego. Não há nada, por mais simplório que seja, que uma pessoa não possa fazer, e então obter algum ganho com seu esforço. Isto porque mesmo as tarefas muito banais têm algum preço, quando os compradores avaliam as oportunidades que terão caso abdicarem de fazê-las eles próprios. Imaginemos João, um excelente advogado. João também é um excelente cozinheiro. Ele costuma convidar amigos aos fins de semana para apreciarem seus talentos culinários. Contudo, necessita de uma cozinheira em sua casa, para fazer as refeições durante a semana, simplesmente porque seu tempo aplicado na advocacia é muito mais caro do que o tempo gasto na cozinha.

O desemprego não é senão fruto de proibições e/ou obrigações: o salário mínimo, por exemplo, não é uma garantia de emprego por um salário arbitrado como “justo”, mas sim tão somente uma proibição de contratar as pessoas mais humildes que, por não possuírem mais habilidades, somente podem contar com o subemprego ou benefícios do governo. Em cada um dos mais de mil artigos que compõem a CLT, ou de outros tantos que jazem nas legislações previdenciária, tributária ou ambiental, prevalece uma proibição de contratar. Não deveria ser surpresa haver tanto desemprego.

Em um mundo liberal, não há ninguém para mandar nos outros; cada um assume as rédeas de sua própria vida, e espontaneamente toma a iniciativa de executar as atitudes que julga cabíveis segundo o julgamento que faz de suas possibilidades e das necessidades dos demais.


quarta-feira, 16 de maio de 2007

Sociedade de Trincheiras


Por Klauber Cristofen Pires
Recentemente, no exercício do meu trabalho, recebi um ato de fiscalização por parte do CRA. Tratava-se de uma impugnação a um edital de licitação para contratação de empresas fornecedoras de serviços terceirizados, na qual ela pedia que se exigisse das empresas de locação de mão-de-obra o registro no CRA.

A lei em vigor das licitações contempla a necessidade de se fazer esta exigência, contudo, o seu significado visava a atingir a garantia de uma boa prestação do serviço. Isto significa que o registro em conselho de categoria deveria ser exigido em função do serviço prestado. Assim, uma obra, por exemplo, exige um ART (Atestado de Responsabilidade Técnica) expedido pelo CREA. No caso concreto, aquela licitação, todavia, contemplava somente o fornecimento de mão-de-obra de nível básico e médio, sem que houvesse, por parte destes profissionais, a necessidade de estarem registrados em algum conselho ou ordem.

Em face da falta do que se fiscalizar, todavia, e conjuntamente com o pensamento viciado – mas ainda predominante – de que tudo tem de estar vinculado a algum órgão de fiscalização, partiu-se para exigência de que a firma, em si, é que tem de estar registrada no CRA, isto é, na falta de uma atividade-fim especificamente relacionada com a prestação da obra ou serviço. Não há como se perceber aqui a tão somente voracidade de encontrar alguém para fiscalizar e assim arrecadar suas taxas.

Tempos atrás, escrevi um outro artigo sobre este mesmo tema (“Conselho, Pra Quê?”, acessível em http://libertatum.blogspot.com/2006/01/conselho-para-qu.html ), mas é o inconformismo o que me leva a fazer um segundo apelo a quem me lê.

O filósofo francês Alain Peyrefitte, em seu livro A Sociedade de Confiança, traça algumas informações sobre as corporações de ofícios, que vigoraram primeiro na França, mas também na Itália, Espanha e Portugal. Estas entidades parecem ter sido as precursoras do que hoje se conhece no Brasil por Ordens ou Conselhos, tais como OAB, CFM, CFF, CFC e outras. Segundo o autor, tais corporações eram as responsáveis por fiscalizarem o controle de qualidade dos produtos sob sua jurisdição. Dentre estas, na França, as mais famosas eram as dos fabricantes de tecidos, as quais estabeleciam normas extremamente rígidas para a confecção dos mesmos, bem como para o funcionamento dos estabelecimentos. Asseverava o autor, todavia, que, embora deste arranjo se pudesse garantir, razoavelmente, que os tecidos tivessem alguma boa qualidade, na Hansa, na Holanda e Suíça fabricavam-se tecidos com qualidade inferior, mas que podiam ser utilizados para fins menos solenes, e que isto propiciava aos fabricantes grandes vendas.

As corporações de ofício não nasceram de uma preocupação autêntica de se fornecer ao público bons produtos e serviços, mas de uma atitude protecionista e corporativista, por parte dos atuais fabricantes com relação aos que ingressavam no mercado, e depois de todos estes com os produtos importados. As tais normas de qualidade, na verdade, não passavam de obstáculos utilizados como subterfúgio. Há razoavelmente um bom tempo atrás, tornou-se conhecido no meio televisivo um caso de um jovem veterinário que decidira cobrar honorários bem abaixo dos estipulados pela tabela criada por seu Conselho de Classe, pelo que este o ameaçava com a cassação de sua carteira, prova de que não mudamos praticamente quase nada do século XVII para cá.

Todos os anos, estas entidades arrecadam uma dinheirama que ultrapassa até mesmo o orçamento de muitos estados. E para quê? Eu penso, para absolutamente nada!

Há quem alegue, por exemplo, que ações como a do exame de ordem para a OAB tem o mérito de evitar o acesso ao mercado de maus profissionais. Sinceramente, eu duvido muito disto: porque não será uma mera prova que vai decidir o sucesso na carreira. O dia a dia de um advogado não pode ser reproduzido por um punhado de perguntas de tom acadêmico; no máximo, pode-se formular uma parte bem reduzida deste universo por este método. Não obstante, é tranqüilo que existe um amplo rol de advogados, todos inscritos regularmente na OAB, e muitos dos quais negligentes com seus clientes, incompetentes, e até mesmo trambiqueiros. Ademais, não será uma abundância o fato de que existe um Ministério da Educação? Ora, se o diploma já declara o formado como competente, não parece um absurdo que venha um segundo órgão para averiguar sua capacidade?

Pode também alguém argumentar que a OAB, em muitos momentos, defendeu pessoas incapazes economicamente, bem como os direitos de cidadania junto aos Poderes da Nação. Isto lá é verdadeiro, mas não é a sua estrutura de autarquia que lhe permite isto. Ela já prestava tais serviços quando ainda era o antigo Instituto dos Advogados Brasileiros, na forma de uma instituição privada. Ademais, qualquer advogado pode defender alguém de forma graciosa, ou melhor, qualquer brasileiro pode fazer isto, se decidir patrocinar ao seu próximo as suas custas advocatícias.
Todavia, um temor me acomete. Notem os leitores que, se temos uma autarquia que goza da prerrogativa de “peneirar” seus profissionais, ela poderá fazê-lo por meio de provas que os filtrem segundo uma peculiar visão de mundo (Ora, Direito não é uma ciência exata). Todos os outros estarão, portanto, reprovados. Se esta autarquia for dirigida hegemonicamente por elementos que militem em favor de uma determinada ideologia, então podemos considerar o risco, ainda que potencial, de uma poderosa instituição de transformação social, a qual somente habilitará aqueles que comungarem de seu projeto.

Por quê não podemos, por exemplo, ter diversas OAB’s, todas elas sob a estrutura de associações privadas? Assim, poderemos garantir um melhor atendimento dos interesses da sociedade. Com o tempo, cada uma delas irá desenvolver uma determinada identidade, e isto será visível para os clientes e para a sociedade.

Da mesma forma, por quê não podemos admitir diversos Conselhos de Engenharia e Arquitetura, todos privados? Assim, eles poderiam desenvolver diferentes normas técnicas, cada uma mais propícia para cada tipo de cliente, e estas entidades poderiam concorrer entre si, atrás de prestígio e confiança, e assim poderiam garantir mais os interesses da sociedade, ao invés dos interesses corporativistas dos seus próprios associados.

No site do Conselho Federal de Medicina, encontra-se a seguinte afirmação: “Ao defender os interesses corporativos dos médicos, o CFM empenha-se em defender a boa prática médica, o exercício profissional ético e uma boa formação técnica e humanista, convicto de que a melhor defesa da medicina consiste na garantia de serviços médicos de qualidade para a população.” (http://www.portalmedico.org.br/index.asp?opcao=cfm&portal= , em 16 de maio de 2007.).

Será mesmo que ao defender os interesses corporativistas dos médicos, o CFM garantirá os serviços médicos de qualidade para a população? Então é de se perguntar: e se houver um conflito de interesses entre paciente e médico? Quantas vezes já não vimos na imprensa e nos telejornais casos de denúncias contra más práticas médicas que nunca deram em nada? E nem seria de se pensar de outra maneira: ora, se o CFM é uma entidade formada por médicos para defender os interesses “corporativos” dos médicos, e se são estes quem o sustenta por meio de suas taxas, como poderia ser diferente?

Que poder tem uma simples pessoa contra uma entidade que, para julgar, já se coloca de antemão ao lado de uma das partes, e tem o poder, no mínimo psicológico, de influenciar perícias e pareceres (ora, somente um grande senso de justiça e coragem pode fazer com que um perito atravesse a barreira corporativista de uma entidade a qual ele pertence como associado).
Ora, poderia ser diferente, sim, se os médicos tivessem a liberdade de se associar em qualquer Conselho de Medicina privado (ou mesmo, decidir-se por não se associar a nenhum). Então os pacientes poderiam fazer as suas denúncias aos conselhos concorrentes, que seriam mais idôneos e interessados em defendê-lo.

A idéia de um conselho privado não é nova. No meio naval, desde 1760 funcionam as chamadas “sociedades classificadoras”, das quais o Lloyd Register é a mais antiga. Estas sociedades são inteiramente privadas, e expedem normas técnicas, bem como fiscalizam os navios registrados em suas listas. O armador não precisa necessariamente registrar seu navio em uma sociedade classificadora, mas o faz, e paga por isto, pois o registro é garantia de bons fretes e baixos custos com seguros. Como todo o sistema funciona com base em tradição e confiança, a eventualidade de uma fraude abalaria a reputação da sociedade classificadora envolvida, e portanto tal possibilidade é praticamente remota. Hoje, tal sistema funciona não só no meio naval, mas também no ferroviário, aeronáutico, da construção civil e até mesmo em outras áreas, como as de produção. Pena que Alain Peyrefitte não tenha mencionado este exemplo em seu livro.

Os Conselhos de Classe, ou Ordens, ainda continuarão a vigorar por muito tempo, consumindo preciosos recursos da nação brasileira, já tão escassos. Note o leitor que estas entidades legislam, cobram tributos, fiscalizam e punem, sem nenhuma representatividade por parte dos cidadãos. Isto não parece um absurdo?
Tal cenário somente virá a mudar mediante a mudança de uma mentalidade geral por parte da população. Quando pelo menos uma maioria significativa da nossa sociedade compreender o erro de manter estas instituições e decidir se mexer, então, será o momento de vermos o fim delas. E é por isto que este debate ainda precisa ser bastante revisto.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

O Aborto, sob uma Perspectiva Política

Por Klauber Cristofen Pires

Creio que muito já tenha sido escrito sobre a questão do aborto, hoje tão polêmica, abordando-o quer seja do ponto de vista religioso, biológico ou sob o ponto de vista das doutrinas do liberalismo ou conservadorismo. A análise que se seguirá, todavia, pretende inovar, ao tratar o tema sob uma perspectiva especialmente política.

A coluna-mestra será o argumento principal usado pelos defensores do aborto: a questão da liberdade de escolha da mãe. De antemão, já seria um convite à reflexão perguntar aos cidadãos simpatizantes do argumento dos abortistas se não acham nada estranho esta intransigente luta pela liberdade das mulheres, justo por parte de partidos que têm dado demonstrações contumazes de que pretendem suprimir, cada vez mais, a liberdade dos cidadãos.

Todavia, este convite vai mais longe, e convida o leitor a buscar fatos esquecidos lá atrás. Quem se lembra de uma eloqüente propaganda eleitoral para as eleições presidenciais de 2001, onde um jovem, diante de uma platéia, ergue o punho, declara-se filho de mãe solteira e brada “Sou Lula!”? Aquele “reclame” jamais me saiu da cabeça, e não por pouco, mas justamente por ter sido tão representativo...

Entrementes, convido o leitor para recordar também o seguinte:

a) Quantas novelas não mostraram aquele casal, ocupando os papéis principais, terminando juntos – mas sem casar – afinal, de que vale uma mera folha de papel? Seria ela que garantiria uma relação? Curioso é que as pessoas que detratavam “a folha de papel”, por considerá-lo tão precário, preferiam juntar-se sem nenhum compromisso a buscar meios alternativos, que, pelo menos supostamente fossem mais eficazes...

b) Quantos scripts foram entregues a belas atrizes para protagonizarem mães solteiras, heroínas, corajosas, numa sempre constante mensagem de desdém aos homens?

c) Quantas propagandas pró-camisinha (lembro particularmente de uma em que um sujeito fala tranqüilo, sentado em uma cadeira de preguiça, em meio a um bloco de carnaval), todas com a mensagem: transe à vontade, mas use camisinha...

Será mais compreensível agora? A questão é: jamais se tratou de um exercício de liberdade da mulher! As que assim pensaram, agiram segundo os desígnios traçados por outrem! Agiram como fantoches, por grupos interessados em obter poder por meio da formação de um exército de inocentes úteis, seus filhos!
Raciocine: por quê outro motivo então, não teria sido inserida a cláusula constitucional que permitisse o voto aos 16 anos? E com um requinte de estratégia: o voto facultativo, para que somente os militantezinhos adestrados saiam marchando para as urnas, enquanto os jovens de famílias tradicionais, tendendo a assumir justamente um comportamento mais maduro, irão, em sua maioria, abster-se de comparecer!

Há mais um parâmetro que não podemos esquecer: pari passu à “produção independente” e ao abandono do casamento, restou também o abandono do convívio no meio religioso, e com ele, dos costumes que traduziam um legado de condutas morais *. Bingo! Afinal, a família sempre foi um estorvo para a turma da engenharia social!

Mães solteiras, relegadas à solidão, sem o apoio de um marido responsável ou de verdadeiras boas companhias, verão seus filhos, desde a tenra idade, serem vítimas da doutrinação, aprendendo a proferir palavras de ordem em apoio a sujeitos inescrupulosos, coisa que, certamente, farão com orgulho, bradando o punho ao alto, e gritando o nome do ídolo da hora (Alguns irão ganhar um cachê por mostrarem a própria estupidez em rede nacional...).

Aí está uma boa questão a se tratar quando falamos de aborto. Quem realmente, agirá com liberdade? Pois, parece-me claro que, mais uma vez, as moças e rapazes servirão de instrumento de políticas infames! Pense, quem lê este artigo, o quanto possa ser fácil ao Estado inventar subterfúgios que façam a mãe abortar pensando que está tomando uma decisão própria!

Será que os advogados do aborto querem tanto assim a liberdade da mulher? Ou, antes, não pretendem, agora que estão no poder, administrar os danos colaterais do plano bem-sucedido? Que tal, por exemplo, fazerem-se livres dos futuros bandidos? Ora, quem já não viu reportagens televisivas anunciando o alegado sucesso de tais medidas tomadas alhures como forma de prevenção ao crime? Ou será que não querem se livrar de algumas despesas com médicos, escolas e tantos “vales-isso-e-aquilo”? Ou, será ainda que não planejam controlar a taxa de desemprego, eliminando os futuros desempregados?

Veja que motivos ao estado e aos seus futuros pretendentes para a causa do aborto, não faltam, mas eles usam como pretexto uma alegada liberdade da mulher, assim como usaram como pretexto a diminuição da violência quando queriam aprovar a lei do desarmamento.

Quem quer ser o próximo ratinho de laboratório?

* A declaração não pretende questionar, em tese, os valores morais assumidos por ateus ou agnósticos, mas simplesmente asseverar que, no meio religioso, encontra-se um círculo social onde estes valores são cultivados de forma permanente, e onde as pessoas se apóiam umas às outras.