terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Conselho, para quê?

por Klauber Cristofen Pires

Publicações: Mídia Sem Máscara, Blogs Coligados, Parlata, Diego Casagrande, OEstadual.com, O Guaruçá .

Desde a década de trinta, sob a atmosfera do Estado Novo de Getúlio Vargas, de inspiração fascista, começaram a ter existência os chamados “conselhos”, ou “ordens”. A primeira entidade desta natureza foi a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em 1930, seguida pelo CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura), que abrange engenheiros, agrônomos e arquitetos, e também geógrafos, geólogos, meteorologistas e seus tecnólogos e técnicos. Hoje, diversas profissões são regulamentadas por instituições tais como o Conselho Federal de Medicina, o de Farmácia, o de Contabilidade, o de Administração, a ponto de, no limite do absurdo, existir até mesmo uma Ordem dos Músicos do Brasil.

Os conselhos ou ordens, são revestidos de personalidade jurídica de direito privado, com delegação do poder público para regulamentar as profissões, selecionar seus profissionais, conceder atribuições a atividades, fiscalizá-las e, obviamente, cobrar taxas e multas. São autarquias, isto é, são organismos de Estado mas geridos por particulares oriundos das respectivas classes profissionais.

A atual Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, anuncia - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Contudo, vigora em nosso país uma bizarra Ordem dos Músicos do Brasil que, dentre outros absurdos, tem o poder de atribuir competências a músicos, cantores e maestros, cobrar-lhes taxas e mesmo aplicar multas ou pedir a prisão a quem ouse tocar um violão em público sem ter diploma e estar inscrito como seu membro - com a anuidade em dia, claro...

Da mesma forma, declara a nossa Carta Magna que: Art 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A OAB (o CFA pretende, em breve, fazer o mesmo) impõe um “exame de ordem”, sem o qual o bacharel de Direito não pode advogar. Se a um profissional, para que possa exercer o seu ofício é exigido estar registrado em seu conselho de classe, sendo que, para poder entrar, deve prestar um exame de suficiência e depois, ainda por cima, pagar compulsoriamente taxas e anuidades, qual a utilidade da universidade? Serão os diplomas – reconhecidos pelo mesmo Estado que impõe o exame de ordem - documentos inidôneos?

Acompanhemos a CF/88 mais um pouco:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

Se os conselhos são habitados por profissionais de uma classe e que deliberam sobre assuntos correlatos, então obviamente os conselhos são associações, ainda que de inscrição compulsória, contrariando assim os incisos supra-mencionados. No caso do inc. XVIII não apenas se vê a interferência estatal – tais entidades são o próprio Estado!

Não obstante, não cessa a questão sob a ótica utilitarista: conforme estas próprias entidades têm declarado ostensivamente, também têm exercido atividades políticas que extrapolam de seus estatutos e regimentos! Ou seja, a sociedade está abrigando entidades que, exercendo o jus imperis estatal, decidiram abertamente exceder da parcela de poder delegada para atuarem em âmbito político, à revelia da população do governo eleito.

Quando um “conselho” declara abertamente influir na política, é lógico inferir que deva manter um pensamento político majoritário, senão hegemônico. Adianto-me, dificilmente será de natureza liberal, sob pena de cair em contradição existencial. Se este fato pode ser encontrado, mesmo que por pura hipótese, então é de se perceber que, no “exame da ordem”, tal viés ideológico encontrar-se-á presente nas questões. Ora, em ciências tais como o Direito, pertencente ao rol das ciências sociais, as questões certamente serão formuladas com base em tendências políticas abraçadas pelos que comandam a cúpula destas entidades. Desta forma, inegável concluir que não haja um monitoramento ideológico, com prejuízo aos oriundos de universidades onde determinadas posições possam ser divergentes e, pela monotonia do pensamento, a toda a sociedade.

Ademais, como pode, por exemplo, a CFM, dizer que “ao defender os interesses corporativos dos médicos, a CFM empenha-se em defender a boa prática médica, o exercício profissional ético e uma boa formação técnica e (sic) humanista...”? Que tem a ver as condições remuneratórias ou relativas a determinados privilégios de mercado com a atuação qualitativa de cada médico, em particular? Estarão os interesses corporativos dos médicos permanentemente alinhados com os da população? Creio que não. Afinal, são fartas as notícias tendentes a demonstrar justamente o contrário...

A SOLUÇÃO LIBERAL

O primeiro argumento a ser apresentado pelos defensores destas instituições é o de que a sociedade ficaria à mercê de profissionais não capacitados, ou mesmo de falsos profissionais. Contudo, jamais tais entidades evitaram que, entre seus associados, não houvesse os picaretas, ou pelo menos, os medíocres e incompetentes.

Tal como soe acontecer com o “conselho” que passará a fiscalizar o Poder Judiciário, tais detratores da sociedade livre simplesmente defendem que um pequeno grupo de escolhidos saiba mais o que seja melhor para todos. E assim propõem estas instituições bizarras e anacrônicas, tal como recentemente o fizeram em relação ao “Conselho Federal de Jornalismo”, como se nossa sociedade já não contasse com instituições legítimas, públicas ou privadas, tais como os órgãos policiais, o Ministério Público, a imprensa, os advogados, ou mesmo associações privadas de fins diversos.

Este artigo pecaria pela pobreza se, ao propor a extinção desta “sociedade de trincheiras”, não apresentasse uma solução alternativa: as sociedades classificadoras.

Sociedades classificadoras são entidades de certificação técnica. Embora privadas, isto é, destituídas de poder estatal, desenvolvem normas técnicas e de procedimentos cuja observância, apesar de voluntária, não é descuidada. As sociedades classificadoras tiveram início com a Marinha Mercante, sendo a mais antiga o “LLoyd Register”, fundado na Grã-Bretanha, em 1760. Outras, semelhantes são o ABS (American Bureau of Shipping), o Bureau Veritas e o Det Norske Veritas, entre outros. Atualmente, as sociedades classificadoras expandiram suas atividades, atuando em plantas industriais, oleodutos, linhas férreas, construção civil, etc.

Neste sistema, prevalece um equilíbrio de salvaguarda de interesses, onde a tradição e a confiança são o maior patrimônio. Por exemplo, os armadores submetem seus navios voluntariamente à normatização e fiscalização periódica destas sociedades e às suas custas, pois sabem que disto depende a conquista de bons contratos de frete, menores custos de seguro e mesmo o acesso a determinados portos. Ser rebaixado na lista de uma sociedade classificadora, ou mesmo ser desclassificado, implica em enorme prejuízo!

Imagine se, por exemplo, pudessem os engenheiros exercer livremente suas profissões e seu direito de livre associação. Haveria os independentes, isto é, aqueles que optariam por não aderir a nenhuma associação. Mas, pode ser que alguns engenheiros decidam organizar-se com o fim de buscarem melhores resultados, por meio de desenvolvimento e padronização de determinadas técnicas e procedimentos, de modo a criarem assim um diferencial mercadológico. Assim, com o passar do tempo, diferentes associações, abarcando uma variedade de filosofias, ganhariam vida e permanentemente julgadas pela sociedade. Algumas mais sofisticadas – e mais caras – abrigariam profissionais de renome, aptos a executarem grandes obras, enquanto outras, mais simples, abrigariam os novatos aptos à obras mais simples.

O interessante a ser verificado nesta simulação é observar a diversidade de filosofias e estilos, como, aliás, justamente acontece com as sociedades classificadoras. Em muitas áreas profissionais, determinadas técnicas e procedimentos são razoavelmente ponderáveis em relação às vantagens e deficiências que possuem, de modo que a escolha por um ou por outro deve ser levada em conta, objetivamente, segundo os mais diferentes critérios que nortearão o estilo e a filosofia de cada sociedade.

Um outro aspecto, de fundamental importância, é o relativo à mudança de objetivo destas instituições. Enquanto nossos conselhos foram criados para, confusamente, defender simultaneamente os direitos dos profissionais e os da sociedade(?), e acabaram extrapolando para a tagarelice política, estas associações comprometem-se com sucesso de todo um processo de empreendimentos. Assim, o corporativismo cede seu lugar ao profissionalismo e à clareza das responsabilidades.

Veja-se, por exemplo, como seria muito mais fácil processar um médico. No modelo atual, o paciente prejudicado dificilmente poderá contar com algum médico que abalize suas denúncias, pois todos estão comprometidos com o mesmo CFM, do qual temerão retaliações de natureza corporativista. No modelo de associações privadas, havendo entre estas uma saudável competição, este problema inexistiria.

Concluindo: os conselhos ou ordens, não existem senão para, em primeiro lugar, manter burocratas às custas de taxas pagas por quem trabalha; em seguida, para defender interesses corporativistas às custas dos desempregados. Não defendem a sociedade que os carrega como um fardo e, pior, trabalham contra ela.