terça-feira, 24 de janeiro de 2006
A falácia do mutirão
por Klauber Cristofen Pires em 28 de setembro de 2004
Resumo: Estamos em plena vigência do “Princípio do Füehrer”, onde o comércio e a livre iniciativa são reprimidos artificialmente, para se sujeitar ao mando de só uma cabeça pensante.
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Dias atrás, assisti a uma chamada televisiva, na qual um dos candidatos à Prefeitura de Belém fazia sua proposta para a questão das moradias. Dizia, na propaganda, que forneceria os materiais por meio de financiamento a juros mais baixos, da Caixa Econômica Federal, e que a construção das casas seria realizada pela própria população, em regime de mutirão, coordenada pela Prefeitura de Belém, então sob seu comando. Poderia ter aqui colocado o nome do candidato e do seu partido, mas, além de isto se revelar inútil, seria uma injustiça contra todos os outros políticos populistas que assombram este país. Afinal de contas, esta estória de mutirão já não é nenhuma idéia original. Às vezes, inclusive, necessário se faz dar um crédito à ignorância do candidato ou, diga-se, freqüentemente, ele nem sabe do que está falando. No caso em tela, muito claro me pareceu mais uma daquelas déias “enlatadas”, adquiríveis dos profissionais de marketing.
No entanto, a ignorância não desfaz a responsabilidade de quem assume por suas as propostas inventadas no mercado da política, e muito menos serve de desculpa para quem se apresenta como alguém disposto a liderar uma população. Não é necessário tanto raciocínio para verificar que a formação dos mutirões para a construção das moradias populares não passa de um engodo demagógico, injusto, perigoso, anacrônico, ineficiente e mesmo prejudicial à sociedade.
Demagógico, porque o candidato se propõe a dar o que não tem. Como pode alguém dizer na TV que conseguirá os materiais a juros baixos por intermédio da CEF? Por acaso, ele já havia apresentado seu projeto para aquela instituição bancária, tendo esta aprovado? Além disso, por que alguns cidadãos, ou o governo, merecem juros mais baixos que o restante da população?
Injusto, porque, tendo o governo assumido a missão de construir um determinado número de casas, a quem as entregará? Existirão cidadãos que, por qualquer critério, mereçam esta benesse estatal, em detrimento de outros, ou antes dos outros?
Perigoso, pois pessoas que não possuem conhecimentos profissionais no ramo da construção serão levadas a tratarem com materiais tais como tijolos, telhas e cimento. As medidas de segurança, neste ambiente em que circularão pessoas comuns com parte de suas famílias, inclusive crianças, certamente que serão convenientemente relaxadas, com risco para todos. E nem é preciso que haja um acidente em destaque: por exemplo, o simples pó de cimento, em emulsão na atmosfera, pode queimar a retina dos olhos.
Perigoso, pois tais casas, ainda que sejam obras mais simples, merecem o zelo profissional na sua construção. Será que pessoas não habituadas lograrão erguer paredes bem fundadas e alinhadas? Será que saberão encaixar corretamente as portas e janelas, ou as telhas? Será que, enfim, estas casas não correrão o perigo de desabar?
Anacrônico, porque a sociedade evoluiu. A especialização das profissões e o comércio não se estabeleceram por invenção de alguém em particular, muito menos de um governo. Nasceram do senso comum, entre os próprios indivíduos, porque perceberam que este método era mais eficiente na produção e distribuição das riquezas, com inegável melhoria no bem-estar geral. Ora, se um político em pleno ano de 2004, em pleno século 21, anuncia que o mutirão é a melhor forma de se prover casas à população, então é de se perguntar se não é o caso de voltarmos, cada um de nós, a criarmos nossas galinhas, plantarmos nosso feijão e tecermos nossas próprias roupas, como nos tempos pré-medievais.
Ineficiente, porque as pessoas ao serem cooptadas a construírem as suas próprias moradias, deverão trabalhar em detrimento das suas próprias ocupações. Se levarmos em conta que não entendem do ofício da construção, então poderemos comparar seus serviços aos de um auxiliar de pedreiro, se muito. Agora, tomemos, por exemplo, uma eletricista. Se ele trabalha por conta própria, isto é, consertando equipamentos tais como máquinas de lavar e liqüidificadores, e se, por conta de seu ofício, consegue ganhar mais que um auxiliar de pedreiro, então, ao se envolver diretamente com a obra de sua casa, ele estará literalmente pagando para trabalhar, com o mais grave prejuízo de tornar precário o atendimento aos seus clientes. Se ele trabalha como empregado, também terá prejuízo, porque, do horário comercial não poderá se afastar, ou seja, estará disponível para trabalhar somente após seu turno de trabalho, justamente quando se, trabalhando extra para seu patrão, receberia um acréscimo de 50% em seu salário, de acordo com a legislação trabalhista em vigor.
Prejudicial à sociedade, pois esta já conta com um elenco de profissionais do ramo da construção e os coloca em desemprego, com prejuízo para si própria. Quem trabalha no ramo da construção civil passará a sofrer uma concorrência que, além de desleal, prejudica a si mesma, com o resultado de empobrecer a ambos.
Mas, o pior ainda não passou pela nossa análise. O pior ainda está por vir. Trata-se da derrogação, por conveniência do governante, das normas que ele mesmo tem imposto à sociedade, e de sua força produtiva, seu para uso e manipulação. Ora, já vimos que o mais barato, o mais seguro e o mais justo meio de alguém conseguir a sua casa seria por meio da compra. A especialização do trabalho e o comércio têm gerado excedentes de produtividade cada vez mais notáveis, com conseqüências diretas para a melhoria de vida da população. Mas, se as pessoas já não mais conseguem simplesmente comprar as suas moradias e têm de se submeter a um regime de mutirão para vê-las, é porque este excedente tem sido subtraído à força, pelo Estado. De fato, estima-se que pelo menos cinqüenta por cento do valor de um imóvel seja constituído de tributos. Tributos, encargos trabalhistas, juros e burocracia! Aí reside a principal questão: o poder de manipular as forças econômicas da sociedade, para atender aos projetos de um “füehrer”. Sim.
Estamos em plena vigência do “Princípio do Füehrer”, anunciado pelo filósofo e economista Ludwig von Mises. Estamos vivendo em um tempo em que o comércio, ou seja, o conjunto das trocas mutuamente benéficas e realizadas diariamente por opção e escolha de milhões de pessoas, passa a ser deprimido artificialmente, para se sujeitar ao mando de só uma cabeça pensante.