domingo, 24 de fevereiro de 2013

As normas, o óbvio e as consequências


A tragédia de Santa Maria/RS na boate beijo da morte suscitou muito debate entre autoridades, especialistas e jornalistas, com ênfase no alvará vencido ou não, fora da realidade demonstrada nos vídeos, fotos, fachada (antes e depois), ambientes internos, lamentos e dor de quem perdeu entes queridos e sofrimento dos que estão nos leitos dos hospitais feridos pela ação, omissão e negligência de agentes aliados à ganância pessoal.

Ernesto Caruso

         
         O alvará vencido em agosto de 2012 é ponto negativo para os responsáveis pelo estabelecimento e para a fiscalização que não cumpriu com o dever de multar e lacrar a casa de diversão, ao que consta, recebia mais de mil frequentadores. Injustificável alegar que são poucos funcionários e muitos estabelecimentos para inspecionar, especialmente após o advento da informática que pode gerar relatórios periódicos dos alvarás vencidos com muita facilidade.

         Mas, e aí? Mesmo que o tal documento — válido ou não — estivesse estampado na face da boate ao lado do Kiss, iluminado por vela, neon ou lêiser, que todos pudessem ler e decidir “entro ou não entro”, teria impedido o fogo e a frustrada tentativa de fugir da morte estúpida?

         Claro que não, imagino a resposta. O “papel documento” é importante, mas a responsabilidade de quem assina é muito mais. O servidor público probo deve avaliar todas as variantes de segurança que cada caso requer. A realidade demonstrou com o sacrifício de muitas vidas (239) que as instalações e o local da boate não eram adequados. Uma única porta de entrada e saída, sem outras rotas de escape.

         Ora, ficar o debate circunscrito à largura da porta e o que a norma prevê fica longe da constatação, quando dois rapazes estão a cortar a parede espessa e resistente com picareta e com muito pouco rendimento, no lugar dos bombeiros em número insuficiente. Parede antes revestida por lambris a encobrir os basculantes com armações de ferro como mais um obstáculo.  Voluntários com muito desgaste físico, inalando fumaça, sem máscara e sem a formação profissional específica, com nítida escassez de meios dos Bombeiros/RS. Um incêndio de pequena monta e de muitas mortes!

Se a avaliação fosse bem feita, não haveria tanta desgraça apesar da eventualidade do incêndio. Saídas de emergência impõem alternativas que o prédio não dispõe, como corredores laterais, indeferindo-se o pedido de licenciamento para ali funcionar uma casa noturna/espetáculos. A planta de arquitetura tem que se adequar ao mínimo de segurança exigido para cada atividade. Um especialista em coisa nenhuma tirava dez reprovando a tal casa.

Considerar ainda a relação entre o baixíssimo custo da avaliação inicial, mas com maior responsabilidade, claro, e, o elevado custo para combater e neutralizar o fogo, socorrer as vítimas, prover assistência médica em Santa Maria (92), transportar os mais graves para Porto Alegre (30) a sobrecarregar os hospitais pessimamente atendidos pelo SUS, plano de saúde do povo brasileiro, que mensalmente contribui, sofre nas filas e nas macas pelos corredores. Como informado pelo piloto da FAB foram feitas cinco viagens transportando as vítimas. Até países vizinhos como a Argentina e o Uruguai enviaram pele para os queimados.

 Presentes a dor e o sofrimento pela perda de gente tão jovem envolvida no lazer, na diversão, nas comemorações, na alegria, no amor, nos primeiros passos do namoro, da caminhada de sonhos, na vida prosseguir, como de uma senhora que recém viúva, chora a morte de dois filhos.

Quem foi o responsável por toda essa desgraça? Deve estar com dor na consciência de olhar seus filhos vivos e chorar escondido pelos filhos dos outros que agonizaram momentos de pânico. E os co-responsáveis? Que não fiquem impunes.
Que não se restrinjam aos despreparados porteiros encarregados de recolher a comanda. Que frutifique o ensinamento na cabeça dos políticos, governantes e servidores públicos de qualquer nível, dos maiores que administram orçamentos e com suas assinaturas podem contribuir com a morte de milhares de cidadãos privados do mínimo de saúde, esgoto, água potável, até os que assinam certificados, laudos e alvarás nas cidades.

Justiça como meio; ética, civilidade e aprimoramento dos costumes como fim. Força às famílias enlutadas, orações pelos mortos e para recuperação dos feridos, onze ainda em estado grave. Louvor aos heróis que salvaram vidas e a outros, mártires da incompetência do Estado.
  

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