segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Por onde anda a Caridade?


Por Klauber Cristofen Pires


Recentemente, de uma conversa entre amigos - estávamos falando sobre a educação dos filhos em contraposição à interferência negativa do governo e da mídia – um estimado veio com esta, mais ou menos nos seguintes termos: “... que ensinaria seus filhos a terem senso de responsabilidade social, que isto é uma coisa que no futuro eles vão ter, ou melhor, vão ter que ter!”.

Este comentário imediatamente remeteu-me a um outro termo: “caridade”. Que lhe aconteceu? Já faz tempo que não se ouve esta palavra. Só tenho percebido como tem sido detratada, lembrando-me de acontecimentos até então aparentemente eventuais. Em uma destas ocasiões, lá pelos anos setenta, por meio de uma carta ao programa do apresentador Flávio Cavalcante, um telespectador a repudiara, manifestando seu ódio àqueles que a praticavam. Vi o mesmo se repetir ulteriormente, seja na TV ou na mídia impressa, com cada vez mais frequência. Hoje, parece que “caridade” não é mais uma virtude, mas um ato vergonhoso.

Há algum tempo venho alimentando a idéia de falar sobre a responsabilidade social. O discurso de uma pessoa de meu convívio (gente boa, em que pese sua opinião) apenas fez soar o alarme porque até então eu circunscrevia a expressão ao setor empresarial. Para as pessoas físicas, o denominativo imperante seria “solidariedade”, a qual contrapor-se-ia a “caridade”. Responsabilidade social, por sua vez, seria o substitutivo de... sei lá, quem sabe, “responsabilidade empresarial”?

Mas eis que agora crianças serão obrigadas, por seus próprios pais, a imbuírem-se do espírito de “responsabilidade social”. Elas “terão que ter” responsabilidade social, pelo que se vê. Bom, então, já que caridade é um defunto, peço que me deixem enterrá-la; por favor, não se repita em mim o infortúnio de Antígona.

Cresci aprendendo sobre a caridade em um Colégio de Freiras, e vou morrer com este conceito, por acreditar que ele está conforme a doutrina cristã e a boa filosofia. Porque vejo características diferenciais entre “caridade” e “responsabilidade social” ou “solidariedade”, em sua nova acepção.

A começar, por caridade, percebe-se um ato voluntário, o exercício do livre arbítrio. Sem livre arbítrio, não existe caridade e nem mérito, e mais que isto, economicamente falando, também não existe o melhor julgamento quanto à quantificação dos recursos a serem utilizados. Por meio do livre arbítrio, o agente caridoso pode julgar quais e quanto de seus recursos (dinheiro, bens, ou seu próprio trabalho) serão usados em favor do necessitado, e quanto pode sacrificar de seu próprio bem-estar, ou de outras pessoas sob a sua responsabilidade, para a consecução deste mister.

Há certas religiões que exaltam as boas obras; outras, por sua vez, defendem que somente a fé é a coluna mestra da salvação. Não são disparidades essenciais: os que vêm virtude nas boas obras apenas entendem que são o extravasamento natural de quem alimenta a sua fé. A caridade pode advir de um sentimento humanista ou religioso, mas tanto faz: justamente por ser um ato livre, denuncia a compaixão, a piedade, e o juízo por parte do praticante, como bem atesta a parábola do bom samaritano. As religiões, a seu turno, embora recomendem ou a elogiem, não obrigam seus fiéis à prática. E com razão: como poderia alguém merecer o céu por atos que pratica por obrigação?

Outro que odiava a caridade era Cazuza: “...vivendo da caridade de quem me detesta...”. Quem oferece seus recursos ao próximo destituído da vontade de lhe ajudar, em verdade, não pratica a caridade, mas apenas o usa para um fim pessoal. Não é muito difícil discernir uma situação de outra: a verdadeira caridade prescinde da publicidade, tão cara aos adeptos da “responsabilidade social”.

Em contrapartida, a pessoa socorrida também faz com que o sentido da caridade se complete. Ao despir-se do orgulho e da inveja, também ela, ao mesmo tempo, a pratica, ao dar esta oportunidade a quem, talvez pela primeira vez, esteja tentando ser útil. Nenhum de nós está livre de necessitar ajuda. Ocupamos todos corpos frágeis, e nossas riquezas materiais são voláteis, de modo que não há vergonha a ninguém por receber uma mão amiga em algum momento da vida.

Destarte, conquanto receba o préstimo caritativo, sabe o auxiliado que o abuso constitui fraude, esperteza vil. A caridade não se presta a sustentar ociosos, e nisso reveste-se de um certo senso de transitoriedade, que, enquadrando-se sob o juízo do agente caridoso, pode ele, revestido de seu livre-arbítrio, determinar a sua continuidade ou cessação. Há ações de caridade que atendem a pessoas que jamais irão erguer-se por si próprias, por absoluta impossibilidade; são as pessoas portadoras de enfermidades incuráveis ou as de idade avançada; mas nem por isto desvalida-se o sentido: serem gratas e colaborativas a quem lhes presta os cuidados já é, no possível, a expressão de zelo pela própria dignidade e autoconduta.

Estas são, portanto, as características da caridade: amor ao próximo, desapego, ausência de contraprestação, respeito mútuo, discreção, gratidão, não abuso, andar com as próprias pernas assim que possível.

Pronto. Feche-se a tampa, para sempre. Deitem-se as flores. Viva os novos tempos da responsabilidade social!

A quem fez a sua escolha, que agora preste atenção: responsabilidade é obrigação, e portanto, exigível. Social é ampla e perene, e não individual e transitória. Responsabilidade social é, pois, a transferência compulsória e permanente dos recursos de uns em benefício de outros. Não há mais que se falar em fraternidade, repeito, autoconduta ou gratidão. Não há mais valores morais ou religiosos em jogo, mas sim apenas valores político-jurídicos. A exação dos recursos do “responsável social”, agora ditada por quem se apresente como representante da classe beneficiada, não conhecerá limites, seja de quantidade ou tempo. A simples alegação do estado de necessidade, porque a critério deles mesmos, dispensará qualquer demonstração, servindo de pretexto para a auto-execução, isto, é, para a subtração à força, pelas próprias mãos, dos bens do responsável social. Voltamos aos tempos dos bárbaros: Genghis Khan revive!

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

O Resgate de Robin Hood


Por Klauber Cristofen Pires


Possivelmente a maior parte das pessoas já tenha ouvido falar da lenda de Robin Hood. A história medieval atravessa os séculos e se revigora nos dias contemporâneos, principalmente graças às maravilhas das superproduções cinematográficas, que popularizaram a história do personagem britânico.

“Roubar dos ricos para dar aos pobres” tem sido a máxima que acompanha o mito em sua versão mais conhecida, aliás, bastante propícia para ser oportunamente aproveitada, em tempos de alta do pensamento politicamente correto, por defensores de teorias igualitárias e coletivistas. Na linha oposta, os defensores dos ideais conservadores lamentam a popularização e o glamour de a quem não consideram mais que um ladrão.

Afinal de contas, seria Robin Hood um herói ou um fora-da-lei?

Que tal então fazermos uma análise da lenda, em sua linha essencial, como um meio de decifrar a questão?

Com base na versão do filme “Robin Hood, O Príncipe dos Ladrões”, estrelado por Kevin Costner, a saga tem início no século XIII, quando Ricardo Coração de Leão, o prestigiado Rei da Inglaterra, parte com seu exército para engrossar as fileiras cristãs nas Cruzadas. Interinamente, o governo passa às mãos do sherife de Nottingham.

O temido vilão, ambicionando tomar o trono para si próprio, passa a perseguir os nobres e demais súditos leais ao rei, entre os quais, o próprio pai de Robin Hood, o lorde de Locksley e lota a corte com uma multidão de apadrinhados compostos principalmente por clérigos corruptos e ávidos funcionários públicos (Alguma coincidência com o nosso Brasil do século XXI, com seus “Freis Bettos”, “teólogos da libertação”, mensaleiros e cerca de trinta mil cargos de confiança criados só para servir de cabide de emprego a quem o povo alijara da vida pública por meio do voto ?), os quais lhes prestarão o apoio legitimador de suas tiranias, entre as quais exigir pesados impostos dos camponeses, artesãos e feirantes.

Neste contexto, surge Robin Hood, que lidera o povo humilde em uma campanha de resistência comparável a uma atividade de guerrilha, em que comanda saques a caravanas e a pequenos grupos de militares, até que, suficientemente munido de recursos materiais e já tendo consigo uma respeitável hoste de guerreiros treinados, parte para o confronto aberto, retomando o poder e restaurando o trono para seu legítimo rei.

Há outras versões para o filme, uma das quais a figura do xerife de Nottingham é substituída pela do príncipe John, ou a de que Robin Hood não teria uma ascendência nobre. De qualquer forma, tais desvios não chegam a alterar a sinopse do enredo, tal como foi aqui formulada.

Terá o leitor notado algo de novo, alguma informação diferencial? Talvez não, pelo menos aparentemente. Mas aqui tem lugar a nossa proposta: veja que Robin Hood, mais precisamente, não “roubava dos ricos para dar aos pobres”. Na Inglaterra medieval, não havia entre os ricos quem trabalhasse. Isto somente se deu quatro ou cinco séculos mais tarde, quando, por meio de muito sacrifício e sangue, um grau suficientemente razoável de liberdade individual foi conquistado, o que possibilitou aos camponeses, artesãos e feirantes prosperar por meio do trabalho, e que mais tarde viram a se transformar em fazendeiros, industriais e comerciantes.

Naquele tempo, como é fácil de se inferir, “ricos” eram os que desfrutavam os privilégios da corte e que viviam a boa vida graças à brutal (em sentido literal) exploração dos que trabalhavam arduamente. Talvez, portanto, fosse mais propício dizer que Robin Hood “roubava dos nobres para dar aos pobres”, mas nem esta expressão seria exata, já que estes não eram de fato nobres, mas impostores proclamados ilegitimamente.

Enfim, seja qual for o mote, que se esclareça: os ricos daquele tempo não eram os mesmos dos tempos atuais, isto é, daqueles que se afirmaram por meio de trabalho honesto. Infelizmente, no Brasil de hoje, como na Inglaterra de setecentos anos atrás, a classe rica vem novamente sendo representada cada vez mais por burocratas que já tomam ares de uma casta, como que se achando “nobres”, enquanto, a pretexto de acabar com a pobreza e as mazelas, expropriam o fruto do trabalho dos cidadãos por meio de uma carga tributária que não pára de crescer. Brasília já detém a maior renda per capita de nosso país, o que somente pode ser interpretado como uma deplorável vergonha e uma alarmante aviso.

No contexto da lenda, agora melhor compreendida, é possível resgatar o mérito do heroísmo de Robin Hood, embora não pelos mesmos motivos defendidos ultimamente. Que esta lenda, agora revigorada, sirva de inspiração para todos os que leram este artigo, de forma a não mais permitirmos xerifes de Nottinghams a roubar-nos a liberdade e os nossos bens.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

A Burguesia Fede?


Por Klauber Cristofen Pires

Publicações: Blogs Coligados, Parlata, Diego Casagrande, O Estadual, Manaus on Line, O Guaruçá, Instituto Liberdade

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo.
Trechos de “Burguesia” - Cazuza/Ezequiel Neves/George Israel

Há um fato que merece a atenção: porque será que os artistas, em sua esmagadora maioria, sempre se colocaram contra a liberdade de mercado? No Brasil, é possível até mesmo falarmos de uma unanimidade. Até hoje, são tão raros os testemunhos em contrário, que só é possível lembrar as exceções pelo reconhecimento da extrema coragem manifestada por uns poucos corajosos, cônscios de toda repercussão negativa a pairar-lhes sobre as cabeças.
A estrela Regina Duarte felizmente voltou à tv brasileira após três anos de ter confessado o seu medo que, se não fosse uma surpreendente atuação de nossas frágeis instituições, teria tornado-se realidade, na forma da mordaça ao Ministério Público, aos servidores públicos e à liberdade de imprensa, no mínimo. Não menos ousadas foram as aparições da brilhante atriz Beatriz Segall e do cantor Agnaldo Timóteo, este inigualável, nas entrevistas a que comparece. Que se perdoem eventuais omissões.
Longe de dar um ponto final na busca das razões pelas quais os artistas, em esmagadora maioria, defendem a ideologia socialista – e isto é um fato verificado no mundo todo, sendo que no Brasil é apenas mais notório – muitas vezes colocando-se abertamente a favor dos partidos mais radicais, os próximos parágrafos tentarão ao menos fornecer alguns indícios para a compreensão deste fenômeno.
A burguesia nasceu das primeiras aglomerações de pequenos artesãos e caixeiros viajantes, que, para livrarem-se do poder dos nobres, bem como se manter próximos dos seus consumidores, procuravam instalar-se nas fronteiras mais distantes de seus domínios, onde o poder feudal era mais fraco e contrastável com os dos potentados vizinhos. Assim floresceram as primeiras cidades européias. Era a forma como as pessoas simples e trabalhadoras podiam escapar, ou pelo menos diminuir a voracidade e a brutalidade com que eram tratadas pelos “dons” e “lordes” da vida, a quem tinham de pagar pesados pedágios, impostos e trabalhar pesado, de sol a sol, comendo repolho a vida toda. Aos poucos, foram prosperando, a ponto de, ao fim de um ciclo histórico, acabarem por superar seus antigos exploradores.
Apesar de industriosas, estas pessoas, pelo menos no princípio, demonstravam pouco apego com relação às artes, isto é certo. Mas isto não significa que fossem seres humanos destituídos do senso de beleza. Apenas estavam todos engajados em superar suas dificuldades e sofrimentos mais urgentes: precisavam de roupas, de casas, de sapatos, de móveis e outros bens.
Aprenderam que era necessário educar seus filhos, para conseguir melhor produtividade em seus empreendimentos. Compreenderam o sentido da propriedade privada, por reconhecerem a injustiça da pilhagem, de que tanto foram vítimas. E começaram a poupar, por perceber como é custoso o trabalho e a necessidade de manterem-se previdentes face às incertezas da vida, bem como por vislumbrarem as oportunidades de investir.
Em suma, levavam a vida, por assim dizer, sem muita poesia. A rotina era pautada pelo trabalho árduo, pela atitude austera e pela valorização da responsabilidade pessoal. Nada a ver com os belos bailes onde se tocavam valsas rodadas, regadas a champanhes, em salões ricamente ornamentados com preciosas esculturas e pinturas de mestres. Em comparação com os dias atuais – e é muito propícia a comparação entre uma Europa de três séculos atrás e o Brasil de hoje – esta gente podia ser comparada com os camelôs, aquela gente “brega” que trabalha na informalidade porque não admite roubar, em contraste com o luxo palaciano provado por aqueles que se refestelam em dinheiro público.
Segundo Ludwig von Mises, logo no começo da revolução industrial a classe representada pelos detentores de títulos de nobreza costumava detratar o modus vivendi daquela gente, assim considerada “sem origem”, “tosca” e “sem refinamento”. Lembra o sábio austríaco, oferecendo como um exemplo os primeiros guarda-roupas industrializados, que ele mesmo os comparava, pela rusticidade, a meros “caixões com portas”, em contraste com os ricos entalhes ornamentais dos móveis da aristocracia.
Todavia, eram simples porque a necessidade mais urgente era produzir na maior quantidade possível; os consumidores não tinham escolha, já que toda a demanda era maior que a procura; ademais, ainda não possuíam capital que lhes permitissem optar por produtos mais requintados. Aqui também se pôde verificar, de três ou quatro décadas para cá, que os móveis passaram, paulatinamente, a agregar mais elementos estéticos, e a preços razoavelmente acessíveis.
A classe artística, todavia, contrariamente à burguesa, seguiu um rumo diverso. Os pintores, escultores e compositores floresceram justamente no seio da nobreza. Seus patrocinadores foram, mesmo após a ascensão da burguesia (isto é, até que a satisfação de outras necessidades mais urgentes destes já tivesse sido alcançada.), a casta nobiliárquica européia. Daí compreende-se porque se uniriam aos seus senhores, e não à plebe rebelde; Some-se isto ao fato de que esta gente nunca foi lá muito entrosada com números e cifras - seu negócio sempre foi trabalhar com as ilusões, as fantasias, os romances – de modo que a vida recatada a previdente dos primeiros burgueses lhes causava repulsa, quando comparada com a opulência e fartura das cortes, àquele tempo em que os exageros, das roupas à etiqueta, eram a mais fiel expressão da fineza.
Em Terra de Santa Cruz, é reconhecida a supremacia do poder público em oferecer trabalho à classe artística. São os showmícios; as propagandas televisivas; os filmes aos quais ninguém quer assistir, mas de financiamento assegurado por órgãos estatais; são os trios elétricos a fazerem micaretas pelo país inteiro, e assim por diante...
Cazuza foi um dos artistas mais prestigiados de sua época. Ele se declarava diferente dos burgueses, alegava, por ser artista. Aliás, desejava, com a naturalidade de um guerrilheiro do Kmher Vermelho, que queria mandar a burguesia para “uma fazenda de trabalhos forçados”. É difícil imaginar que o seu dinheiro - ganho também com trabalho honesto, conquanto imoral – fosse diferente do que qualquer pessoa usa em frente a um caixa de supermercado, ou dos próprios burgueses que lhe compraram os discos. E é lamentável que, à época, jamais alguém tenha tomado alguma atitude de protesto. Exagero? Experimente trovar a palavra “burguesia” por “raça negra”, e veja lá se não daria cadeia...
Por fim, afirmar que não era burguês porque era do povo nunca passou de uma grande mentira. O povão foi xingado pelos intelectuais marxistas de “lumpen” (“lixo”), justamente porque, vacinado, não lhes aderiu às revoluções que culminaram com a instauração dos primeiros regimes socialistas. Os fundadores destas correntes coletivistas se originaram, isto sim, dentre os aristocratas, que, percebendo a decadência, puseram-se a combater as liberdades que lhes esvaziavam o poder. E os artistas, seus companheiros palacianos, lhes fizeram coro.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Será o Capitalismo uma Doutrina Materialista?


Por Klauber Cristofen Pires

Ao lado de classificar os cidadãos dos países capitalistas como consumistas, sobre o que já foi discorrido no artigo anterior, tem sido moda xingá-los também de materialistas. Certa vez, em certo comercial veiculado pela MTV, listava-se um rol de diversas personalidades mundiais que recebiam adjetivos que traduzissem uma certa visão de mundo; o presidente George W. Bush mereceu o de “materialista”. Teria o comercial a intenção de referir-se apenas o presidente do EUA, ou a todos os norte-americanos, por fazerem parte de uma sociedade “materialista”?

Hoje, em nosso país, é recorrente ver alguém disparar o epíteto a quem ouse desfrutar de algum bem qualquer, seja uma simples roupa ou um celular ou um carro. O craque Ronaldo que o diga: não roubou ninguém, não participou de nenhum “mensalão”, mas pagou caro pela extrema petulância ao comprar uma Ferrari com o dinheiro que conquistou trabalhando honestamente.

Esta juventude, que estuda em colégios e universidades particulares e se encontra em shopping centers e clubes, são todos uns “burguesinhos materialistas”. A "loira", então, não teria sido consagrada como “burra” se não representasse uma classe de mulheres “extremamente” materialistas...

Que tal então refletirmos um pouco sobre isto?

Por primeiro, cabe perguntar: haveremos de entender que o engenheiro é materialista? Ora, dir-se-ia, a engenharia somente está preocupada em inventar e construir coisas materiais... Da mesma forma, serão o médico, o químico e o advogado também materialistas, por aplicarem seus conhecimentos especializados em prol de algum mister? A pergunta, como se vê, já traz em si a resposta: seja o capitalismo um sistema de sociedade, ou a ciência que traduz o seu estudo, não tem como objetivo oferecer às pessoas um caminho para a salvação das almas, mas sim, só e simplesmente, produzir coisas materiais, para melhorar o seu bem-estar.

Não cabe perguntar se tais indivíduos irão para o céu. Qualquer ação humana tem o propósito de modificar, para melhor, uma dada situação, de forma a diminuir o desconforto daquele que age. Opera-se o serrote sobre a madeira para transformá-la, por exemplo, em uma cadeira. Àquele que a adquire espera-se que melhore seu padrão de vida, por entender que se sentar no móvel é melhor do que no chão. Neste sentido estrito - e objetivo – é permitido afirmar que tal pessoa atinge a sua felicidade, assim entendida como a sua satisfação pessoal.

Contudo, conquanto se possa afirmar um conceito “objetivo” de felicidade, cuja aplicação encerra-se somente no escopo da busca da diminuição do desconforto material, o mesmo não ocorre com o seu sentido “subjetivo”. Este é – como se diz – pessoal e intransferível. Ninguém tem a capacidade de ler as mentes alheias para então medir a felicidade ou enlevo espiritual de seus donos, bem como nenhum idioma conhecido pode garantir que a experiência metafísica de uma pessoa seja transmitida a outra de modo a que venha a repetir nesta as mesmas sensações transcendentais.

Do ponto de vista das religiões, é preciso destacar duas características essenciais: a primeira, que Deus delega aos seres humanos o livre-arbítrio, resultando que a busca do paraíso é personalíssima, portanto, anulando qualquer iniciativa no sentido da construção de uma teocracia. Deus não levará ao céu nenhuma espécie de coletividade humana (família, comunidade ou nação), mas sim cada um de seus filhos, segundo os critérios vislumbrados pelos crentes de cada religião (boas obras, ou a fé, por exemplo). Em seguida, jamais alguma religião defendeu o estado de necessidade e miséria; pelo contrário, sempre as religiões declaram que a observância aos seus preceitos conduzirá seus fiéis à abundância e plenitude de gozos.

Conseqüentemente, a ninguém pode ser dado o direito de preestabelecer um padrão de um bem de consumo, e acusar de pecado, imoralidade ou crime aquele que ousar a inovação. Não se pode medir o nível de espiritualidade ou de felicidade daquele que prefere uma rebuscada cadeira almofadada, com braços trabalhados e o brasão da família gravado no encosto a outra, simples e rústica. Pode-se apenas aferir que escolhendo desta forma esta pessoa encontra maior satisfação. Religião ou espiritualidade, cada um tem a sua, e que a siga e a professe como bem entender.

Portanto, aquele que costuma rotular os seus semelhantes de “materialistas”, apenas incorre em uma atitude prepotente e ditatorial. No fundo, nenhum sentimento de espiritualidade lhe fornece o ânimo de assim agir, mas sim apenas o despeito e a inveja. A insegurança que provém do desconhecimento do exercício da liberdade dos outros inspira-lhe a vontade de a todos controlar. Desrespeitando o livre-arbítrio dos conterrâneos, abandona qualquer noção de religiosidade, bem como ofende os direitos alheios meramente terrenos de escolherem o que de melhor lhes aprouver.

Nas sociedades socialistas, sempre aconteceu de meia dúzia de burocratas que se acham entendidos determinarem o que todos os demais membros de uma população devem consumir, seja a quantidade ou o modelo de determinado bem de consumo. Não por outras razões que as aqui explicitadas, jamais lograram atingir a felicidade (objetiva) dos consumidores, seja por produzir bens insatisfatórios do ponto de vista da qualidade, seja por sequer produzi-los em quantidade suficiente.

Justamente por esta incapacidade de produzir, é que os detratores da sociedade de livre-iniciativa procuram desclassificá-la, por acusar seus cidadãos de materialistas, em flagrante contradição com os princípios da sua própria ideologia, que sempre se posicionou de forma hostil às religiões, tendo mesmo afirmado serem “o ópio do povo”.
Será que nós, os brasileiros, queremos um sistema que preveja dogmas religiosos de observância obrigatória? Será que pretendemos trocar o sistema econômico no qual vivemos, e pelo qual as pessoas são livres para escolher o que produzir e o que consumir, por outro em que sabichões mensaleiros vão determinar o que podemos ter, e que não poderemos nem reclamar, sob pena de sermos acusados de "materialistas"? Ora, prezado leitor, se você também não concorda com isto, mande esta gente reclamar ao bispo, ou se internar num mosteiro!

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Sociedade Consumista não: Produtivista!

Por Klauber Cristofen Pires

Dias atrás, fruto de uma conversa, ouvi o comentário de uma pessoa de meu convívio: “o problema é que vivemos em uma sociedade consumista!” Quantas vezes o leitor não deve ter ouvido – ou proferido – a mesma sentença? Já houve mesmo, tempos atrás, intensa campanha jornalística abordando este assunto; lembro-me inclusive de uma que sugeria o quanto que uma criança americana consumia, em contraste com uma européia (algumas dezenas de vezes), e outra indiana (algumas centenas).

Hoje até que parece, talvez depois de um elegante candidato ter se explicado para o Boris Casoy sobre seus ternos Armani, seguindo-se a uma enxurrada de notícias sobre aviões, pijamas de algodão egípcio, games para celulares, Land Rovers e caixas de uísque forradas com dólares, que a sentença anda meio em desuso. Não obstante, ainda perduram comentários neste sentido, por parte de quem tem a cabeça contaminada pelas idéias marxistas, para as quais o capitalismo significa uma sociedade de pessoas “consumistas”, seja lá o que isto signifique...
, consumismo
Refletindo sobre o ocorrido, constatei que, em toda a minha vida, sempre escutei isto de dois grupos humanos: os primeiros, representados pela pessoa já mencionada, memorizaram “de cor e salteado” as frases prontas acumuladas durante anos de doutrinação acadêmica e midiática, mas não ousam abdicar das conveniências da vida moderna. A bem que se diga, no instante em que a prezada colega citou a máxima, jaziam sobre sua mesa de trabalho uma bolsa de grife, um celular “chique” e as chaves de um bonito sedan do ano. Como se vê, segundo o conceito desta gente, “consumista” são os outros...

Apesar da hipocrisia flagrante, não é este grupo que mais me preocupa: tais pessoas estão apenas tentando encontrar justificativas – desnecessárias - para o sucesso de seus próprios esforços, procurando assim, ainda que infrutiferamente, dar algum senso de organização aos seus pensamentos confusos.

No segundo grupo, todavia, concentram-se aqueles que, por não gozarem de uma abundância material, desferem o epíteto de “consumista” sobre aqueles que lograram conseguir os bens desejados. Não são pessoas materialmente pobres, comuns, mas uma gente especialmente sofredora, porque se alimentam de rancor e inveja.

Pois bem, então desmistifiquemos isto: “consumista”, para se ter uma boa definição, seria uma tal sociedade como a dos nômades que, vivendo da extração, consomem os recursos naturais existentes, mudando-se depois da exaustão para novas paragens. Os gafanhotos são assim. Os integrantes do MST também.

Em uma sociedade capitalista, as pessoas consomem, sim, mas aquilo que produzem! Nossa sociedade é, portanto, “produtivista”! Parece ironia, mas nem o corretor do Word, o aplicativo em que eu escrevo este artigo, reconhece o termo (rs...). Pois que se inaugure o neologismo, pois “produtora” não parece carregar o significado de ânimo de produzir que possui “produtivista”. Aliás, “produtora” estaria para “consumidora”, que também não significa o mesmo de “consumista”.

Somente para ser mais preciso, nossa sociedade, a brasileira, parece mais ser caracterizável pelo termo “sub-produtivista”, pois, minada por insuperáveis dificuldades criadas pela ação estatal, não alcança produzir a maior parte dos bens em quantidade suficiente para os seus cidadãos. Na sociedade norte-americana, diferentemente, a ampla maioria dos cidadãos goza de obter bons produtos a preços acessíveis.

Destarte, todos os países desenvolvidos, ao contrário de que se faz crer, possuem suas florestas, rios e mares bem preservados. Certa vez, enquanto aguardava a minha vez no consultório do meu odontologista, li uma reportagem sobre o Japão, e conforme pude observar, contemplando as fotos do satélite, densas florestas cobrem a quase totalidade de área de suas ilhas, comprovando as impressões que tive quando, anos atrás, visitei algumas vezes aquele belo país, e tudo isto sem afetar a sua posição de ser uma das nações mais industrializadas – e populosas - do mundo. No rio Tâmisa, pode-se remar e pescar. No rio Mississipi, também.

A alcunha “consumista” , como se vê, não passa de uma muleta exibida por aqueles que defendem um sistema que, nos dizeres do filósofo Luwig von Mises, “jamais foi capaz de criar sequer um abridor de latas”. De fato, e sempre nos países onde o comunismo se impôs, a grande parte da população sofreu ou tem sofrido as maiores vicissitudes, e diga-se, isto sem qualquer aspiração a uma alegada ascese espiritual.

Tempos atrás, ouvi do próprio Sr. Ricardo Alarcón de Quesada, presidente da Assembléia Nacional de Cuba, proferindo sua fala final em entrevista na TV Cultura, a seguinte alegação, mais ou menos nos seguintes termos: “a sociedade socialista não foi capaz de produzir coisas tais como liquidificadores, mas isto não é o nosso objetivo, que é disseminar a solidariedade entre as pessoas...”. Notei que ele falara aquilo possivelmente por ter se sentido fracassado – talvez não convencera nem a si próprio - em seus esforços de defender o terrível regime que vige em seu país, ainda que sob a branda e complacente abordagem de seus entrevistadores da tv estatal.

Afinal, de que “solidariedade” estaria ele a falar? A moral? Pois como os cidadãos cubanos podem praticar a solidariedade, se a cada um deles falta o mínimo, e pior, são proibidos de, por si mesmos, proverem às suas necessidades? Os cubanos, exceto pelos que representam a casta da burocracia dirigente, não tem nada o que dar, emprestar ou trocar, e mesmo que tivessem, isto lhes seria vedado, pois trocas significam comércio.

Uma “República Popular e Democrática”, segundo os conceitos dos detratores das sociedades pautadas pela livre-iniciativa, não comporta a faculdade de uma pessoa qualquer possuir alguma capacidade de compra e decidir por si mesma o que deseja comprar, e/ou de quem comprar. Pois a ela será dado, de acordo com Marx, “segundo as suas necessidades”, o que, obviamente, resulta que não será ela própria quem decidirá quais estas sejam, mas sim um grupo de privilegiados burocratas, estes realmente merecedores de possuírem coisas tais como liquidificadores, ou, quiçá, telefones ou mesmo carros.
Tomara que este singelo artigo tenha sido suficiente para aclarar as dúvidas de quem tem ouvido tais impropriedades, mas até então não tenha se detido para fazer um exame mais cuidadoso. Pois assim exorto estes queridos leitores para simplesmente responderem: “- consumista, não: Produtivista!”.