Vez ou outra um artigo é lançado por conservadores para criticar a posição dos liberais. Dizem eles que os liberais, sem o saber, acabam comprando bandeiras dos socialistas ou por adesão oportunista, ou por lhes faltar um contraponto eficiente.
Todavia, apresento nas linhas seguintes alguns pontos de divergência quanto ao seu entendimento, e por meio destes, explicar porque tenho me posicionado antes como um liberal do que como um conservador...
Vez ou outra um artigo é lançado por conservadores para criticar a posição dos liberais. Dizem eles que os liberais, sem o saber, acabam comprando bandeiras dos socialistas ou por adesão oportunista, ou por lhes faltar um contraponto eficiente. Todavia, apresento nas linhas seguintes alguns pontos de divergência quanto ao seu entendimento, e por meio destes, explicar porque tenho me posicionado antes como um liberal do que como um conservador...
Há algum tempo atrás, em profunda discussão com um amigo conservador, homem de grande erudição e sincero merecedor do respeito e admiração que lhe dirijo, ouvi dele que os liberais "aceitam alegremente o keynesianismo, como os chicaguianos, ao primeiro sinal de crise". Instado, porém, a ilustrar a sua afirmação com um só nome que incluísse um "austríaco", bem, ainda está a me dever...
Em tempo, a Escola de Chicago tem sido uma instituição fortemente influente na condução das políticas do Partido Republicano, que podemos reputar sem muita chance de erro como a maior frente política representativa do pensamento conservador norte-americano. Todavia, ambos têm defendido práticas protecionistas, controle de juros, leis antitruste e várias outras medidas intervencionistas que se desviam dos fundamentos de uma doutrina liberal ou, bem se diga, aproximam-se mais da expansão do poder de estado e consequentemente, do que se pode chamar de socialismo.
Recentemente, o filósofo Olavo de Carvalho (1) afirmou que os liberais não têm como oferecer um "fundamento sólido para a rejeição do abortismo, do feminismo radical, da liberação de drogas, do gayzismo, do multiculturalismo, da guerra assimétrica, da abolição das soberanias nacionais ou da destruição de todos os pilares culturais e religiosos milenares em que se assenta a possibilidade de existência do próprio liberalismo".
É forçoso reconhecer a razão que assiste ao respeitado filósofo no campo prático. Todavia, no que pese o meu imenso respeito por seu saber, e considerando ainda que toda a minha formação e militância nasceram da influência que em mim exerceram seus livros e textos, apresento nas linhas seguintes alguns pontos de divergência quanto ao seu entendimento, e por meio destes, explicar porque tenho me posicionado antes como um liberal do que como um conservador.
Começo, pois por enfeixar num mesmo bloco conceitual a questão do feminismo radical, do gaysismo e do multiculturalismo. Dentro de uma ótica de comportamento individual, o que eu tenho a me manifestar sobre um gay é o seguinte: eu desaprovo a sua opção sexual, contudo, respeito o seu livre-arbítrio, já que a sua escolha não constitui uma agressão à minha pessoa. Partindo deste princípio, eu defendo o direito que toda pessoa tem de exercer a sua sexualidade como melhor lhe convenha, por mais que particularmente eu a desaprove, e defendo até que este direito seja reclamado ostensivamente e em grupo.
Todavia, quando falamos hoje de movimento gaysista, um outro fenômeno está em curso: o sequestro desta agremiação para a implantação da agenda socialista. De qualquer forma, por infiltração ou influência externa, o movimento gaysista pretende - por meio do estado - impor valores e normas de conduta que respectivamente desaprovo para mim e para meus filhos e que colocam os heterossexuais em condição de uma cidadania de segunda classe. A este movimento específico contraponho-me resolutamente, como tenho feito amiúde.
Agora, precisamos encontrar as nossas fronteiras. Se um liberal não se ocupa tanto com a questão gaysista, ou melhor, do atual movimento gaysista, entendido como este grupo de pressão ideológica que pretende se utilizar do estado para impor a sua agenda, tenho que seja menos por uma questão de contraposição do que por de abordagem. Explico: se um liberal defende que interesses particulares ou de grupos especiais não devem ser guardados, defendidos ou promovidos pelo estado, então, forçosamente, nenhuma das reivindicações coletivistas do movimento gaysista pode ter lugar. Apenas por questão de economia, o mesmo raciocínio se aplica ao movimento feminista, ao movimento negro e ao que se denomina de relativismo cultural ou multiculturalismo. Em tempo: a liberdade de a mulher trabalhar e votar é fruto do pensamento conservador?
Esta é a posição que, falando por mim mesmo, reputo como liberal, e note-se como o meu lado conservador defende o meu direito de entender o pecado na conduta homossexual, de tal modo que não a pratico, ensino minha filha a não praticá-la e reservo-me o direito de me manifestar em público contra ela.
Isto posto, qual a posição que se pode afirmar como conservadora? Se alguém disser que é esta mesma, então temos o mesmo entendimento, e os termos "liberal" ou "conservador" tornam-se meras disputas pela denominação, o que pra mim, é irrelevante. Entretanto, no passado, muitas pessoas foram efetivamente perseguidas pela sua opção sexual, mesmo aquela exercida sob o que podemos convencionar hoje como sendo um padrão de discrição. Estas pessoas foram expulsas de instituições que nada têm a dizer sobre a opção gay, tal como instituições de ensino, de comércio, serviços públicos e militares. Outras, ainda, foram presas ou executadas. Os conservadores podem afirmar que isto nada tem a ver com a doutrinam que pregam, ou que estes foram erros típicos das superstições de época. Porém, o progresso não é um presente que o tempo nos traz de graça. Estas superstições perduram até que sejam falseadas, e o movimento ideológico que colocou este problema à tona foi o liberalismo.
É notícia recente que o presidente Barack Obama pretende permitir o ingresso de gays nas forças armadas do seu país. Coisa que poucos conhecem é que os gays existem há muito tempo nas Forças Armadas do Brasil e isto nunca chegou a ser um problema. Seja no Exército, na Marinha ou na Aeronáutica, até hoje ninguém jamais foi admoestado por sua preferência sexual. Claro, desde que, na caserna, porte-se como militar, sujeito à hierarquia e à disciplina, como qualquer dos seus demais. O caso recente da notícia de dois sargentos que foram expulsos do Exército em nada pode ser imputado a alguma discricionariedade ou discriminação por parte daquela instituição, mas ao simples fato de que os sujeitos pretendiam fazer militância gaysista - aquela do movimento ideológico - e por isto agiram em desacordo com o código militar. Podemos então dizer, segundo o que temos sustentado, que as nossas FFAA agem segundo uma posição liberal, no que não lhes envio reparos.
Vamos falar agora sobre racismo e sobre movimento negro. Creio que não seja motivo de disputa sustentar que a abolição da escravidão foi o fruto da golden age do pensamento liberal. Pode-se até mesmo aventar que a escravidão já não vigorava na Europa havia muito tempo, mas se houve uma campanha de envergadura mundial que tenha exercido um protagonismo eficiente no combate aos regimes escravocratas, principalmente nas Américas, esta deveu sua existência à proliferação de idéias liberais, a ponto de muitos homens dotados de posses (estou falando aqui não de governos, mas de indivíduos) a terem financiado a fundo perdido.
Agora, espere: se as idéias liberais foram a base para a abolição da escravidão, porquê o racismo permaneceu como sendo um problema social americano tão grave e tão longo? No filme "A Guerra de Hart" o personagem vivido pelo ator negro Terrence Howard reclama que em seu país prisioneiros de guerra alemães eram vistos soltos nas ruas, a frequentar bares e cinemas, enquanto os negros eram proibidos. Depoimentos reais de soldados brasileiros informam que os americanos abandonavam as áreas de lazer quando percebiam brasileiros negros ou mestiços nos referidos locais, a ponto de terem sido criadas datas para que cada nação "aliada" delas pudesse fazer uso. Diante disto, eu pergunto: se ao liberalismo não pode ser imputado o racismo, por quê uma ideologia numericamente superior nos EUA - o conservadorismo - não foi capaz pelo menos de amainá-lo?
E o quê dizer sobre liberdade de religião? Pode parecer surpresa, mas as colônias norte-americanas não nasceram dotadas de idéias de tolerância religiosa. Neste mesmo momento estou lendo a obra "The American Story", de Garet Garrett (2), e vejamos o que ele diz dos puritanos, aqui em tradução livre:
"Tendo fugido da perseguição e da tirania do rei da Inglaterra, os puritanos em Massachusetts estabeleceram uma tirania por eles próprios, isto é, uma teocracia. (...) Apenas membros da igreja podiam tomar parte no governo - Os anciãos baixavam todas as regras para a vida - morais, estéticas e econômicas - A desobediência era tratada com severidade. Alguns quakers vieram e foram expulsos. Se retornassem, o que frequentemente faziam em espírito de desafio, eram mutilados, tinham suas orelhas cortadas, e alguns de ambos os sexos foram enforcados."
Segundo o autor, a Virgínia e as Carolinas eram anglicanas; Maryland era católica, a Pensilvânia, quaker, e havia também os cristãos da igreja reformada da Holanda e os calvinistas. Naquele tempo, o único lugar em que se podia conviver em liberdade de religião era na colônia de Rhode Island, justamente porque seu fundador, Roger Williams, havia sido expulso de Massachusetts durante o inverno (isto equivalia, na prática, a uma quase pena de morte) por ter dito que "a religião era uma coisa e o governo outra, e que as pessoas deviam ser livres para pensar e dizer o que quisessem".
Se há um tópico que podemos relatar como sendo fruto de idéias liberais, aí está: a liberdade religiosa. Não fosse por ela, dificilmente haveria o que chamamos hoje de Estados Unidos da América. Se há conservadores que sustentem que isto seja bom, então, repito, não temos o que disputar, a não ser a convenção sobre o nome do que pensamos, mas frequentemente os conservadores querem conservar o que os liberais inventaram - isto é, depois que eles inventaram.
Atualmente, porém, nos defrontamos com algo novo: a expansão da religião islâmica nos países tradicionalmente cristãos. É um fato verdadeiro que os muçulmanos fazem de sua religião uma ferramenta de conquista geopolítica, e é mais verdadeiro ainda que todas as liberdades são extintas quando eles conseguem impor a sua teocracia. Como solucionar este problema? Na França, já foi proibido o uso de véus pelas moças em escolas públicas, e na Suíça, foi proibida a construção de minaretes. Isto será, porém, uma solução?
De novo, socorro-me da doutrina liberal. O que acontece na Europa é consequência do assistencialismo e intervenção estatal. Os muçulmanos são, em devastadora maioria, pessoas que vivem na Europa a parasitar sistemas de assistência social. Ora, se para um europeu um salário-desemprego é uma miséria, para um imigrante de um país muçulmano é o tal do leite com mel descrito no Corão, e é justamente isto o que faz eles se multiplicarem como ratos. Por outro lado, o depósito de valores morais nas mãos do estado faz com que hoje, por conta da ocupação majoritária dos postos de governos por pessoas adeptas do socialismo, as idéias liberais são combatidas como criminosas.
Dentro de um cenário pura ou majoritariamente liberal, somente a extinção destes benefícios sociais já serviria como o corte de oxigênio para o movimento islâmico. Por outro lado, as más idéias da religião e/ou da cultura islâmicas haveriam de ser combatidas com as boas idéias de quem se pronunciasse com liberdade e segurança para isto. Na verdade, não há nada mais que elimine uma má idéia do que uma boa idéia, inclusive uma boa idéia cristã. E boas idéias provêm de ambientes onde a liberdade seja garantida. Não foi o estado laico que trouxe a invasão islâmica para a Europa. Foi o estado social-democrata. E os islâmicos não têm culpa de que os europeus não queiram mais ter filhos.
Falemos sobre a direita no Brasil, e porque é tão débil. Ora, não há nenhuma representatividade política desfraldada seja por liberais ou por conservadores. Todos os políticos atuais não têm nenhuma idéia destas questões. São absolutamente ignorantes. Liberais e conservadores, ambos, estão è espera de um bonde que ainda não veio, e se conhecem hoje via internet. Isto é tudo. Quem quer que se tenha afirmado como liberal ou conservador, em matéria de exercício de política partidária, ou está mentindo, ou está enganado sobre o que estes termos significam.
Vou apresentar uns poucos exemplos, tirados à queima-roupa, sobre feitos de estadistas sedizentes conservadores: o Estatuto da Terra - o texto legal que submeteu a propriedade privada ao crivo de um índice de produtividade - foi sancionado pelo presidente Castelo Branco. A lei seca norte-americana e o Shermann Act (antitruste) foram também consagrados nos EUA por governos conservadores, assim como no Brasil a lei que proibiu os cassinos. Como vemos, os conservadores também amiúde abraçam teorias socialistas.
Sobre todos estes movimentos, de gays, de mulheres, de negros e de nações mais pobres, eles nasceram com base em fatos reais de injustiças cometidas contra estes grupos de pessoas. Uma vez li que um cidadão panamenho, em seu próprio país, tinha de tirar o chapéu para um norte-americano que passasse por ele. Isto nenhum conservador gosta de lembrar. Agora, que tenham sido infiltrados por agentes socialistas, esta é outra história que precisamos saber delimitar bem.
Como liberal, sinto-me plenamente livre para desaprovar os costumes de qualquer país ou povo, e de não me deixar dominar por seus falaciosos conceitos sociais. Isto, entretanto, não inclui impor-lhes os meus costumes à força. Nada que é imposto à força funciona. Uma vez, soube de um sargento do Exército, amigo do meu pai, que, inconformado, fez um índio em São Gabriel da Cachoeira ajudar a sua mulher com as tralhas, que só ela carregava, enquanto ele portava um terçado (facão). Claro que ele despertou a ira de ambos, o índio e a índia. Todavia, isto nunca foi um impeditivo para que índios e civilizados pudessem conviver harmonicamente. Frequentemente trocávamos nossos mantimentos industrializados pela produção deles, e nos servíamos de frutas, farinha, peixe e carne de caça, e isto fazia um enorme bem a ambos. É disto o que a doutrina liberal fala, e não de acolher a cultura alheia.
Durante um certo tempo, fui assinante do jornal conservador norte-americano Human Events, e o que concluí dele foi algo que não me convenceu, do ponto de vista da oferta de uma doutrina ou linha de pensamento que possa ser oferecida à humanidade. Pelo contrário, me aborreceu sobremaneira. Um de seus pensadores um dia veio a escrever um artigo inteiro para tentar demonstrar que o futebol é um esporte socialista. Outra pensadora defende a expulsão de imigrantes, que tanto servem ao seu país. Um dos principais patrocinadores daquele jornal era o fabricante de um celular fajuto (fabricado nos EUA) que se dizia “honesto” por ter como única facilidade fazer ligações!
Não prezo pela dissolução das soberanias nacionais, mas este papo de soberania já foi utilizado por quem uma vez afirmou que os judeus roubam os empregos dos alemães. Aliás, "soberania" é um termo sobejamente reivindicado por pretendentes a cargos vitalícios. A não ser que os americanos desejem ver os seus produtos aumentarem de preço vertiginosamente, o trabalho de gente mais pobre é necessário, justo, humano e cristão. Uma autorização para trabalhar é algo que pode muito bem resolver este problema. Como uma vez disse Mises, quem são os americanos, que não imigrantes precedentes? E que é isto senão uma atitude sindicalista ou protecionista?
Enfim, não olvido problemas práticos atuais. Mises achava que o consumo de drogas atingia tão somente o viciado; talvez ele não conhecesse os fatos e suas consequências tal como hoje se nos apresentam. Também temos um Irã que anuncia para breve a sua bomba atômica. Estes problemas pedem reflexões que precisam se estender para além de uma única linha de pensamento. Daí que me não posiciono de forma terminativa. Nenhuma linha de pensamento, tomada unicamente por si, é capaz de resolver os problemas humanos.
(1) CARVALHO, Olavo de. Por Trás das palavras. Diário do Comércio, 08-02-2010 disponível em http://www.olavodecarvalho.org/semana/100208dc.html
(2) GARRET, Garet. The American Story. The Ludwig von Mises Institute. Auburn, Alabama - 2009.
Parabéns amigo. Um texto claro. Também não me considero um conservador em vários sentidos.
ResponderExcluirAbraços.