Das ações ilegítimas do estado, a regulamentação é, com certeza, a que tem mais amplo apoio popular. A maioria esmagadora das pessoas defende a regulamentação pelo estado da atividade humana, além da simples defesa dos direitos individuais. “Isso devia ser proibido” é seu grito de guerra.
A regulamentação é a determinação legal de limites à ação do cidadão, além do respeito aos direitos individuais de seus pares. Como o respeito aos direitos individuais é a única real obrigação do indivíduo em sociedade, e sua defesa a única função legítima do governo, é evidente que estas limitações adicionais infringem contra a liberdade do cidadão e tratam-se de uma ação ilegítima do governo.
A primeira tarefa em se estudar a regulamentação governamental é entender sua natureza. Foi proposta a definição: “limitação legal da ação do cidadão, além do respeito aos direitos individuais”. Esta definição captura a natureza essencial da regulamentação: trata-se de o governo dizendo o que se pode ou não fazer, em assuntos que não se referem à proteção da vida, propriedade ou liberdade dos cidadãos.
A “permissão” pelo governo
Dada esta natureza, é uma dedução clara que toda regulamentação é uma proibição. Se, do ponto de vista da filosofia política racional, o indivíduo é livre para fazer tudo o que não infringe os direitos individuais de seus pares (vida, propriedade e liberdade), a imposição de qualquer regra adicional significa proibir algo que antes era permitido.
Esta dedução é importante para desarmar um dos artifícios usados pelos defensores do estado regulador para justificar sua posição. O artifício é dizer que o estado não está proibindo nada, está permitindo que se faça algo de uma certa forma. Quando se sabe que o indivíduo é livre por princípio, e não por permissão, se está imune a esta inversão de valores.
Há, no entanto dois outros artifícios ainda mais comuns na defesa da regulamentação, que requerem um entendimento mais amplo de filosofia política para serem refutados. O primeiro é a regulamentação como forma de promover o “bem comum”, a outra é a regulamentação travestida de defesa de direitos do cidadão.
Regulamentação para o “bem comum”
O “bem comum” é uma ficção. Quando se fala em “bem comum”, não se está falando no bem simultâneo a todos os cidadãos – o “bem comum” é uma espécie de média, alguns são prejudicados (geralmente uma minoria) e outros beneficiados (geralmente a maioria) e o efeito geral é presumidamente positivo.
Há dois erros grosseiros na idéia de “bem comum”. O primeiro é fazer aritmética entre o benefício e malefício causado a pessoas diferentes. Se algo prejudica dez pessoas para presumidamente beneficiar mil, isto não significa que a ação promoveu o bem comum. Pode ter promovido o bem da maioria, caso o benefício realmente se materialize, mas é intelectualmente desonesto desprezar os indivíduos prejudicados.
O segundo erro grosseiro implícito na idéia de “bem comum”, e compartilhado com a idéia de “bem da maioria” (uma idéia mais honesta, por não cometer o erro citado acima) é a centralização do juízo de valor. Ao desenvolver a argumentação em torno da Ética Racional, demonstrei que juízos de valor são individuais e dependem do contexto da pessoa que está julgando. Ou seja, apenas o próprio indivíduo pode julgar o que é bom ou ruim para si com pleno conhecimento de sua situação.
O defensor da idéia de “bem comum” toma para si a responsabilidade de realizar juízo de valor em nome de todas as pessoas que inclui no grupo, e se propõe determinar o que é melhor para cada uma delas! É fácil saber que, por exemplo, comida, abrigo e educação são valores para qualquer pessoa. É impossível ordenar e quantificar a importância relativa destas coisas na vida de cada um – mas é isso que o regulador se propõe a fazer.
O conceito de “bem comum” é inválido porque não se pode fazer soma e subtração entre benefícios e danos a pessoas distintas. Os conceitos de “bem comum” e “bem da maioria” são inválidos porque é impossível determinar o que é o “bem” para outra pessoa sem conhecer inteiramente sua vida – sem ser aquela pessoa.
Na prática, as ações tomadas em nome da falácia “bem comum” ou “bem da maioria” falham de forma consistente: sempre há um efeito imprevisto pela “álgebra” de quem inventou a medida que acaba tornando a tentativa de beneficiar a maioria em prejuízo para todos. Este efeito em geral tem duas formas: algo positivo deixa de ocorrer, algo negativo ocorre no longo prazo.
Como exemplo podemos citar o salário mínimo. O salário mínimo, assim como toda a lei trabalhista, nada mais é que uma regulamentação do mercado de trabalho. É proibido contratar alguém por menos que o valor estabelecido pelo governo – mesmo que ele queira ser contratado nestas condições.
Qual o efeito invisível desta medida? O salário mínimo causa desemprego. A lei não torna o cidadão despreparado capaz de produzir mais riqueza por um passe de mágica. Quando se estabelece um salário mínimo, todas as pessoas que não são capazes de produzir aquele valor são impossíveis de empregar.
No longo prazo, como o custo de mão de obra é artificialmente aumentado, o empresário investe menos e contrata menos. Os produtos são mais caros do que poderiam ser. Em resumo, a economia cresce menos – gerando menos emprego do que poderia, isto em adição aos empregos destruídos diretamente pela lei.
O efeito real do salário mínimo é prejudicar a todos. O empresário é prejudicado por não poder expandir seu negócio, o trabalhador empregado é prejudicado porque sem crescimento da economia há menos concorrência por seu trabalho (levando a salários menores) e porque os produtos em geral são mais caros do que poderiam ser. O desempregado arca com o preço mais caro, sua possibilidade de conseguir trabalho é destruída pela ação do governo.
Defendendo o cidadão de si mesmo
O jeito mais perveso de defender o estado regulador, no entanto, é travestir sua ação de defesa dos direitos do cidadão. Isto só pode ser feito corrompendo o próprio conceito de direitos.
O defensor da regulamentação dirá “todo indivíduo tem direito à vida, portanto o estado proibirá aquilo que colocar a vida de alguém em risco”. Seguem este princípio leis como as que proíbem o fumo em locais abertos ao público (mesmo que sejam propriedade privada!), que proíbem a presença de gorduras trans em alimentos, que proíbem o uso do amianto, do DDT e inúmeras outras proibições – tudo supostamente para proteger as pessoas.
Este tipo de regulamentação é, em cada caso, imoral ou desnecessário. Quando a regulamentação proíbe o indivíduo de fazer algo que causa dano a si mesmo ou a outros indivíduos que participam voluntariamente, a lei é imoral. Não é função do estado proteger-nos de nós mesmos. Este é o caso da proibição do fumo. Se o dono de um restaurante quer permitir o fumo em sua propriedade, se seus clientes só entram nela por livre e espontânea vontade, não há qualquer violação de direitos. Mesmo que de fato todos os presentes prejudiquem sua saúde.
Quando a regulamentação proíbe algo de fato nocivo a pessoas inocentes, é desnecessária. Havendo uma lei e um sistema judicial efetivos em julgar e condenar as violações de direitos, cada um estará mais do que preocupado em não causar danos ao próximo.
Em resumo, os três grandes argumentos em favor do estado regulador se mostram falaciosos. O da “permissão governamental” um mero artifício de inversão do conceito de liberdade, o do “bem comum” um argumento baseado em algo que é impossível de julgar, o da “defesa de direitos” uma deturpação do conceito de direitos – transformando o governo em uma grande babá.
Um país com defesa forte dos direitos individuais não precisa de qualquer regulamentação daquilo que não fere o direito de ninguém.