sábado, 23 de janeiro de 2016

Isto É em: Apologia a Segregação Racial

r31Estava navegando pela internet quando me deparei com uma capa na revista Isto É com o seguinte título: “Porque as cotas deram certo no Brasil”. Pensei: Curioso como o transcorrer do tempo nos faz deixar de lado assuntos de importância premente. Em certo sentido, o arrefecer do debate sobre determinados assuntos faz parecer, em política, que há certa pacificação ou, ao menos, algum sinal de que a maioria foi alcançada. O passo seguinte – daqueles que supostamente venceram o debate – é começar a construção da sua narrativa recheado de um discurso auto glorificado. É foi isso que a revista Isto É realizou nesta capa ao comemorar os 10 anos do sucesso das cotas.
O argumento principal da revista ao longo de todo o texto se resume nessa primeira falácia. Diz a revista: “a cor da pele (no Brasil) determina as chances de uma pessoa chegar à universidade”. Claro que essa frase se fundamenta no argumento clássico da esquerda sobre dívida histórica que, aliás, também aparece no conteúdo do artigo enunciada por um pedagogo com ares da “verdadeirona” ciência “de raiz”.
Ora, a primeira frase é, em si, um absurdo, assim como o conceito de uma “dívida histórica”. Sobre a tal dívida, não é necessária uma observação muito longa no fluxo dos fatos historiográficos para constatar que os humanos se barbarizam mutuamente desde os primórdios. Concordo com aquele “idiota útil” genérico do nosso cotidiano, entretanto, quando ele se enfurece. É evidente que o domino de um indivíduo sobre o outro é uma das maiores transgressões ético morais que alguém pode realizar em sua existência. A escravidão consistiu exatamente nisto: dominação.
Entretanto, o Brasil recente não adotou um sistema legal de segregação racial. Para o acesso ao ensino superior a etnia era um irrelevante. Ao contrario, o sistema segregacionista passou a ser adotado com a vigência das cotas raciais e, consequentemente, se restaurou um modelo de dominação baseado na reserva das vagas no mercado de ensino superior. Dominação de políticos do “movimento negro” sobre os próprios negros.
Avançando na leitura do periódico a argumentação ganha, seguidamente, contornos ligeiramente esquizofrênicos.  Em um ponto a revista afirma: “sem a política de cotas, ele teria passado os últimos dias pedalando nas pontes erguidas sobre os canais de Amsterdã? (…) a resposta lógica seria “não” em outro afirma “As cotas raciais deram certo porque seus beneficiados são, sim, competentes. Merecem, sim, frequentar uma universidade pública e de qualidade.”.
Entretanto, basta ler um pouco mais e os fatos se apresentam de modo diverso. Desde “minha nota no vestibular foi suficientemente boa para que eu ingressasse na faculdade sem precisar disso (cotas)” ou, “A questão não tem a ver com o tom de pele, mas com a educação que se recebe”, para a primeira afirmativa. Até “No vestibular, que é o princípio de tudo, os cotistas estão só um pouco atrás. Segundo dados do Sistema de Seleção Unificada, a nota de corte para os candidatos convencionais a vagas de medicina nas federais foi de 787,56 pontos. Para os cotistas, foi de 761,67 pontos. (…) Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior diferença entre as notas de ingresso de cotistas e não cotistas foi observada no curso de economia (…) distância foi de 11%”, para os últimos argumentos (se formos ignorar este “sim” típico do autoritarismo do enunciador).
Logo, mesmo que o discurso dos entrevistados fosse enaltecedora do sistema de cotas, suas argumentações seguidamente faziam alusão ao que comumente chamamos de mérito pessoal, leia-se, a capacidade individual de atingir – ou superar – o resultado pretendido. E, se diziam que não há diferença entre não cotistas e cotistas no ingresso, em seguida mostravam os dados que confirmam existir a tal diferença.  Em ambos os casos, como costumo dizer: A Realidade se impõe!
Voltando a questão dos 11% de diferença entre as notas dos beneficiários do sistema de cotas e dos não beneficiários. A revista afirma que este dado estatístico, ou seja, que a nota daqueles que não são privilegiados pelo sistema de cotas serem 11% superior é irrelevante estatisticamente. Mas, me pergunto e deixo também as perguntas para você, estimado leitor. No Brasil – país do “jeitinho” – beneficiar aquele que não atingiu o resultado é insignificante? A diferença entre indivíduos com base na sua etnia é um irrelevante moral?
Para resumir, não existem raças entre os humanos e qualquer medida racista precisa ser eminentemente repudiada. É tão imoral, quanto é inconstitucional, como recentemente declarou o TRT da Paraiba. Ainda que fosse considerada justa com base num conceito transverso de “justiça social” (posicionamento que não referendamos), ela é totalmente ineficaz. A cota para negros beneficia precipuamente os negros que estudaram em escola particular e, em sua ausência, negros que estudaram nas escolas públicas de ponta como Colégio Militar, Colégios Pedro II, os CAPs (Colégio de Aplicação, ligado as Universidade), e as diversas Escolas Técnicas Federais. Alunos estes que disputam em pé de igualdade com qualquer aluno proveniente do ensino privado. O benefício desleal a estes alunos se repete no caso de cotas para o ensino público.
Resta, então, o último argumento abordado pela revista: A porcentagem de pessoas negras nas universidades em comparação a porcentagem na população. Afirma a revista “até outro dia, as salas de aula das universidades brasileiras lembravam mais a Suécia do que o próprio Brasil”. A ideia se apóia na binariedade, assim como toda a matéria, se não é negro, então é branco. Isso é uma falácia! Segundo o censo de 2010, apenas 7,6% da população brasileira é de negros, enquanto 43,1% são pardos. E pardo, segundo o manual do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) significa: pessoas com uma mistura de cores de pele seja de miscigenação mulata (descendentes de brancos e negros), cabocla (descendentes de brancos e ameríndios), cafuza (descendentes de negros e indígenas) ou mestiça. Eis que a verdade vem à tona: o Brasil é (um pais de) pardo.
Como o sociólogo Gilberto Freyre já havia exposto, o Brasil é um país extremamente miscigenado. Aqui não faz sentido esse “racialismo americanizado”. Nossa identidade esta relacionada com nossa miscigenação. É misturar-se ao diferente sem afetações pseudo aristocráticas. Nada mais enaltecedor do indivíduo. Nada mais essencial ao liberalismo.
Por fim, registro que é a capacidade do indivíduo de responder corretamente as questões do seu exame que deveria determinar as chances de qualquer um chegar à universidade. Não falo aqui em nome de uma “meritocracia”, até porque não acredito em sua existência. Falo da capacidade de entregar resultados e de produzir valor para o próximo. Não há nada mais simples e isonômico que isso. Neste modelo não há critérios arbitrários, não há subjetividade, não há segregação e nem favorecimento. Já passamos da época que queríamos ser “doutor diplomado” e essa dominação bacharelesca não serve ao século XXI.

SOBRE O AUTOR

Fernando Fernandes

Fernando Fernandes

Graduado em Direito (UFRJ). Mestrando em Filosofia (UERJ). Coordenador Administrativo do Instituto Liberal.

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