Por Klauber Cristofen Pires
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Chamou-me a atenção o cartaz afixado junto ao balcão de pizzas de um grande supermercado em Belém, cujos dizeres aqui se reproduz na íntegra:
"AVISO"
"Pague a pizza pelo que ela pesa".
"Conforme Orientação do INMETRO".
"(Resolução CONMETRO 11/88 - art. 15.1)"
"PIZZA AGORA É VENDIDA POR QUILO"
Com muito custo meus olhos não pularam para fora da cavidade craniana. A que ponto terá chegado a burocracia brasileira, a expedir normas técnicas para comercialização de pizzas! Pensando bem, até que pode não ser tão mal: talvez, fiscalizando as pizzas, venhamos a conter a corrupção que grassa no país...
O supermercado usou de um termo gentil: "orientação". Na verdade, a resolução supracitada "determina", "fiscaliza" e "impõe sanções". Possivelmente o estabelecimento sofreu alguma diligência com autuação, com ou sem pagamento de multa.
Nunca se legislou tanto neste país por meio de atos administrativos, o que é aterrador, mas não o motivo da surpresa, senão pelo aparente e bizarro casuísmo. A rigor, a norma em comento não trata especificamente de pizzas. Trata de regulamentar pesos e medidas de mercadorias. Ter tido o cuidado de examinar a norma aliviou - um pouco - o meu espanto.
Diz o artigo 15.1: "As mercadorias que se apresentem a 20º C sob a forma sólida ou granulada, devem ser comercializadas em unidades legais de massa, seus múltiplos e submúltiplos. (1)"
Não obstante o susto, de pensar que sustentamos um órgão técnico que, em átimos de preciosidade regulamentátória decidisse normatizar, de fato e in casu, as pizzas, vamos aqui refletir um pouco sobre a norma e seus efeitos.
O filósofo Hans Hermann-Hoppe, eu seu livro "A Theory of Socialism and Capitalism (2)", ensina que, nas sociedades onde prevalece a intervenção estatal ou mesmo nas socidades socialistas, as leis primam pelo casuísmo, e principalmente, pelo "particularismo (3)". Como resultado, floresce o crescimento do senso de injustiça, e conseqüentemente, do sentimento de revolta, com prejuízo para a manutenção da paz continuada, fator que os "austríacos" consideram extremamente relevante para o progresso das nações.
Veja o leitor, como parâmetro de uma comparação, que as pizzas vendidas em pizzarias, ou as que são entregues em domicílio não são pesadas. A norma parece querer ser imparcial quando determina que se sujeitam a ela somente as pizzas vendidas a 20ºc, (independemente de quem as comercialize), mas, como vemos, não é. Ora, a pizzaria nem sequer anuncia o peso padrão ou estimado de seu produto. Compramos por definições vagas: "brotinho", "pequena", "média", e "grande", ou "gigante". As pizzas de mesma definição de duas pizzarias diferentes possuem tamanhos e pesos desiguais. Pela experiência, sabemos quais as que preferimos, e isto é sim, o fiel da balança.
Por quê pizzarias podem vender suas mercadorias sem absolutamente nenhum critério preciso, ao passo que os supermercados são sujeitos à norma que estipula a pesagem? Será o dono da pizzaria mais cidadão que o dono do supermercado, ou do mercadinho da esquina?
Em conversas com amigos, um deles fez o seguinte depoimento (4): "- eu costumava passar naquele supermercado após o expediente, muitas vezes com o dinheiro certo na mão (a pizza custava exatamente R$ 12,00), para comprar uma para jantar com a família em casa, mas agora, o preço de todas aumentou...". Na internet (Orkut), veio à tona um interessante comentário de um dos participantes (4): "- eles vão logo aumentar a quantidade da massa..."
Como se vê, a interferência estatal, de um lado, inibiu a vontade de comprar de um consumidor costumeiro, e de outro, abriu uma oportunidade para o dono do supermercado possivelmente desejar contornar a lei. No primeiro caso, a norma simplesmente prejudicou o comércio, e portanto, a sociedade. No segundo, mostrou-se ineficaz, senão também contraproducente, ao estimular atitudes alternativas por parte do fornecedor, que possam, estas sim, causar algum prejuízo ao consumidor. O meu amigo, que costumava comprar a pizza ao preço fixo de R$ 12,00, sabia o que estava comprando, e a cada compra, julgava se valia a pena continuar a adquirir o produto.
Mas a norma não atingiu só as pizzas. Observei também que o balcão das comidas japonesas também fora atingido pelos ditames estatais. Eu me lembro que um combinado especial de sushi-sashimi custava R$ 26,00. Mesmo considerando um bom lapso de tempo que deixei de comprar o produto (desde que este passou a ser vendido a peso), recentemente o adquiri, e pasmem, a etiqueta marcava quase R$ 35,00!
Note-se que, enquanto no caso das pizzas poder-se-ia alegar que se tratava de diferentes produtos (pizza crua e pizza assada), aqui o produto exibe-se, pelo menos teoricamente, igual. Assim, por quê o supermercado é obrigado a vender a peso, sendo que o restaurante não o é? Nos restaurantes, não há nenhuma alusão a peso ou quantidade dos ingredientes. Nem no estabelecimento, nem no caso de entrega a domicílio.
Há produtos que demandam exatidão precisa em suas medidas, e uma conversão, apenas para se sujeitar à lei, poderia causar erros, pois nem sempre estas conversões terminam em números redondos. Isto seria um exemplo de lei sem finalidade. Noutro caso, pode ser que o comércio de determinado produto seja extremamente influenciado por países que adotem outras medidas, o que significaria um custo desnecessário e injustificado mudar embalagens somente para conversões que não chegarão ou chegarão a poucos consumidores finais no Brasil.
Eu me lembro de uma vez, quando na Austrália, em uma loja verifiquei que os aparelhos de rádio automotivos eram iguais aos do Brasil, isto é, a disposição dos botões era a mesma, apesar de na Austrália o volante da direção encontrar-se à direita. O vendedor respondeu-me tranquilamente que era assim porque a maioria dos países do mundo adotava a direção à esquerda. Graças a Deus, o "Inmetro" australiano (será que existe?) não se apercebeu de mandar inverter os paínéis dos rádios, caso contrário os australianos teriam de pagar a mais por eles!
O Direito Comercial dá grande importância aos costumes, e o faz isto acertadamente. Impor uma medida padrão não importa necessariamente em defender o consumidor. As peculiariedades e a evolução do comércio e do local onde este se exerce pedem flexibilidade e compreensão. Melhor faria o Estado brasileiro se respeitasse mais amiúde os contratos e deixasse os consumidores decidirem se desejam comprar mercadorias a preço fixo ou a peso. Melhor faria se pusesse seus agentes a estudarem melhor a doutrina do Direito Comercial, ao invés de autorizar órgãos do Poder Executivo, muitas vezes chefiados por políticos sem conhecimentos mínimos, a procriar regulamentações sem compreensão adequada de seus efeitos.
Seria mais sensato que o Inmetro, um órgão que fora criado justamente com a função de garantir a exatidão das medidas, reconhecesse os grandes sistemas existentes no mundo e praticados largamente no comércio, e cuidar para que as medições e equipamentos de medição fossem aferidos. As polegadas, as libras e os graus Fahrenheit são respeitados no mundo todo; em muitos países são as medidas majoritariamente utilizadas, independentemente de serem legais ou não. E nem por isto os consumidores de tais países se sentem prejudicados.
(1) A norma inteira, em PDF, pode ser encontrada no seguinte endereço: http://www.inmetro.gov.br/resc/pdf/RESC000113.pdf
(2) Hans Hermann-Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism: Economics, Politics, and Ethics, Kluwer Academic Publishers, segunda edição, 1990, pag. 5.
(3) O autor usa o termo "particularistic rules", o qual eu reconheci como um significado diferente de "lei casuísta"; enquanto a lei casuísta se caracteriza por esmiuçar detalhes de uma hipótese de fato, a "lei particularista" estabelece direitos e deveres diferentes aos seus cidadãos, não em face da situação, mas segundo outros critérios, tais como origem, sexo, cor, etc., em desrespeito ao princípio da igualdade jurídica (de todos) perante a lei. A lei das cotas raciais exemplifica o conceito de lei "particularista".
(4) depoimentos aqui reproduzidos com as minhas próprias palavras.
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