quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cabe aos pais e não ao Estado definir o que os filhos podem assistir na TV! - Cantares alheios (XVIII)



É interessante observar a maneira como aqueles que pregam a proibição da publicidade dirigida às crianças buscam um engajamento apaixonado pela causa.
Seu método aterrorizante de convencimento tem duas bases de sustentação: pregar que a publicidade dirigida às crianças é nefasta e que as famílias não podem por si sós, fazer nada para evitar as suas consequências. Ou seja, mães, pais, tutores e responsáveis pelas crianças são impotentes diante do “mal”.

A “bandeira” da proteção da criança é uma das mais fáceis de portar. Entusiasma, comove, incendeia…
Um documentário bem produzido, um discurso de boa retórica, uma denúncia dramática, levarão platéias a cerrar os dentes e derramar lágrimas. As mesmas platéias que, a bordo de seus automóveis, cruzarão, em seguida, por esquinas infestadas de pequenos famintos e esfarrapados, sem perceber ou sem aprofundar a questão em suas consciências.
Aqueles que se organizam pela “causa” da criança sabem muito bem do comodismo e da hipocrisia da sociedade. Sabem que a sociedade, de um modo geral, está sempre predisposta a assinar uma “procuração” a quem dispensá-la do comprometimento direto com atos e atitudes que deem trabalho e impliquem em algum tipo de renúncia.
Quando uma organização não-governamental propõe a proibição da publicidade dirigida às crianças, sob a alegação de que as crianças estão sendo educadas pela televisão, por conta dos pais disporem de cada vez menos tempo para filtrar as influências sofridas por seus filhos, está propondo uma solução sob medida para o comodismo.
O risco de uma adesão incondicional e empolgada é grande; afinal, em tese, ninguém vai precisar fazer mais nada.
Os argumentos são verdadeiramente assustadores: obesidade infantil, erotização precoce, materialismo consumista… O discurso “do bem” é uma vestimenta que cai perfeita em todo mundo. Não importa o que fizermos ou deixarmos de fazer, desde que sob a indumentária do “politicamente correto”.

A história é rica em experiências malsucedidas de imposição de vontades. Podemos dizer que, em muitos casos, gente corrupta subjugou povos com o mero interesse de roubar-lhes as riquezas naturais. Isso é cruel. Mas não menos cruéis foram os ditadores imbuídos de idéias que acreditavam serem as melhores para a sociedade.
Para impor uma idéia, seus seguidores não vacilavam em eliminar aqueles “que não queriam ver a verdade”. Em nome de dogmas, foram mortos homens, mulheres e crianças.
Nos tempos modernos e mais civilizados, em que o assassinato puro e simples torna-se intolerável, o processo de eliminação do contraditório ocorre através da censura ou da manipulação da informação. E o pior se dá quando a censura passa a ser uma reivindicação da sociedade.
É interessante observar a maneira como aqueles que pregam a proibição da publicidade dirigida às crianças buscam um engajamento apaixonado pela causa.
Seu método aterrorizante de convencimento tem duas bases de sustentação: pregar que a publicidade dirigida às crianças é nefasta e que as famílias não podem por si sós, fazer nada para evitar as suas consequências. Ou seja, mães, pais, tutores e responsáveis pelas crianças são impotentes diante do “mal”.
É esse sentimento de impotência que nos é incutido aquele que abre caminho para a aceitação de uma “terceirização” das ações.
No entanto, temos na pedagogia uma das áreas do conhecimento mais evoluída. Há disponibilidade farta e democrática de informação sobre educação de crianças a quem estiver interessado.
Ideal, portanto, seria que responsáveis por crianças buscassem informação não contaminada por ideologizações.
Mas quem está interessado? Apenas os “idealistas” formam e consomem informação relevante. São eles que desenvolvem teses acadêmicas, embasadas num cientificismo dirigido, pois o mundo é bastante vasto e a história bastante longa para sustentações “empíricas” do que quer que seja.
Não existe, por outro lado, ato sem consequência. Quando aderimos a idéias sem termos clareza sobre elas, estamos, de fato, exercendo a entrega inconsciente e irresponsável do nosso futuro àqueles que se pretendem donos da verdade.
Todo o discurso radical, seja contra ou a favor do quer que seja, deveria merecer uma avaliação preocupada.
Defensores de certas “bandeiras dogmáticas” contam sempre com meios dramáticos para envolver-nos com seus objetivos.
No discurso contra ou a favor da publicidade dirigida às crianças é exatamente isso o que ocorre.
Quando alguém declara que publicidade dirigida à criança “promove obesidade, erotização precoce e mentalidade materialista” está fazendo, propositalmente, afirmações atormentadoras.
Seria o equivalente a dizer, em sentido contrário, que “proíba-se a publicidade, diminua-se o consumo, fechem-se as fábricas, desempreguem-se as pessoas e estaremos alimentando a prostituição infanto-juvenil como meio de sobrevivência das famílias”.
Mentira? Verdade? Depende, num caso e outro, da nossa pré-disposição em adotar bandeiras ideologizadas.
Excetuando-se os casos patológicos, a obesidade infantil pode ser provocada, certamente, pela alimentação inadequada. Mas até que ponto pode-se afirmar, categoricamente, que a publicidade promove a alimentação inadequada das crianças?
A publicidade promove produtos e marcas, legalmente fabricados e socialmente aceitos, dentro de um contexto de normalidade social.
Fora disso, teríamos que considerar um “estado de exceção”, uma sociedade caótica, desequilibrada, irresponsável, absolutamente incapaz de agir ponderadamente…
Há quem defenda que, de uma maneira geral, essa é a realidade que vivemos. Um mundo em que as crianças não estão sujeitas a nenhuma disciplina, nenhum comando que ordene ocasião e quantidade de consumo do que é anunciado, estabelecendo-se, daí, uma relação direta entre anunciar, consumir e engordar.
Se pensarmos um pouco, é uma suposição típica de ficção futurista, uma circunstância imaginária em que meninos e meninas, instrumentalizados por “babás eletrônicas” – a televisão e a geladeira –, são escravizados para uma “engorda” permanente e infinita.
Ora, isso é a negação absoluta da célula familiar como base da sociedade. E, pior, a ser aceita como verdade, reforça a idéia de a solução ser pela “terceirização” da administração das relações humanas àqueles “que sabem o que é melhor para a sociedade”. Uma deturpação.
A questão da “erotização precoce” é outra “bandeira” fácil e dramática. Um pouco de serenidade vai mostrar que a publicidade que trabalha a feminilidade e a vaidade das crianças não inventa nada. A menina não necessita da publicidade para “pintar as unhas” ou calçar o sapato de salto da mãe. Isso acontece em 2012, como aconteceu em 1912 e em 1812.
Nada mais eficaz para aterrorizar as mães, no entanto, do que acusá-las de negligentes, diante da “erotização precoce” de suas filhas. A expressão, por si só, já coloca, em tese, todas as meninas à mercê de pedófilos. O que é, enfim, “erotização precoce”? É a menina excitar-se diante do sexo oposto “antes da hora”? Erotização precoce é namorar com 10 ou 11 anos? É fazer sexo com 13 ou 14 anos? O quanto disso é, necessariamente, produto da “fabricação” de um modelo consumista de menina para atender ao interesse do mercado? O que tem a ver erotização precoce com prostituição infantil?
Certas confusões “apavorantes” são do interesse de quem milita pela censura. Há mais de 100 anos, sem publicidade estimulando a “erotização precoce”, casavam-se as meninas com 13, 14 anos!
Provavelmente, elas não “sofressem” de “erotização precoce” e fossem defloradas passivamente por seus maridos, circunstância moralmente, quem sabe, mais digna para a época.
Em nome dessas bandeiras fáceis, busca-se aterrorizar as famílias. Quando o que se deveria fazer é resgatar a autoestima dos pais, dar-lhes coragem e segurança para tratar do assunto em casa, aproveitando, inclusive, a abordagem explícita adotada pela mídia sobre as questões.
É preciso levar o assunto para a sala de aula, com realismo e espírito contemporâneo. É preciso escapar da tentação comodista de aceitar certezas absolutas sobre os nossos destinos. Sob pena de nos tornarmos reféns de nosso medo e daqueles que dominam a arte de promovê-lo e manipulá-lo.
Stalimir Vieira, publicitário, dirigiu criação na DPZ, W/Brasil, em São Paulo e DDB, Argentina; professor convidado de pós-graduação em Comunicação Social pela Universidade de Havana; membro do Conselho de Ética do CONAR; autor de Raciocínio Criativo na Publicidade e Marca: o que o olhos não veem o coração não sente (Editora Martins Fontes).

Um comentário:

  1. http://cavaleiroconde.blogspot.com.br/2012/08/quem-difama-quem.html

    Klauber, meu amigo, preciso de uma divulgação sua. Abraços. Conde

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