...não é de se estranhar que o imaginário popular começaria a desconfiar que as falhas na produção de provas e/ou na redação da peça de acusação, foram cometidas de caso pensado, com objetivos escusos e visando beneficiar os réus envolvidos no processo, máxime considerando que eles estavam ocupando importantes cargos no aparato estatal.
Por Flávio Roberto Bezerra Ferreira
No
início deste ano, o caso da desocupação do Pinheirinho, em São
José dos Campos, ganhou grande destaque na imprensa. Era um terreno
particular, de propriedade da massa falida da empresa Selecta,
invadido e ocupado irregularmente em 2004. Imediatamente foi aberta
uma ação judicial com pedido de reintegração de posse. Segundo
informações amplamente divulgadas na mídia, os moradores da
comunidade instalada no Pinheirinho foram apoiados de todas as
formas, especialmente do ponto de vista jurídico, por movimentos
sociais e sindicais da região do Vale do Paraíba. Após os trâmites
legais, onde aos envolvidos foi concedido o mais amplo e completo
direito de produzir todas as provas admitidas no direito, a 18ª Vara
Cível da Capital, julgou procedente o pedido de reintegração de
posse, determinando a imediata desocupação da propriedade o que foi
feito em janeiro do presente ano. Na véspera da data marcada pela
polícia para cumprimento do mandado judicial, o noticiário
televisivo apresentou imagens chocantes de moradores armados com
barras de ferro, coquetéis molotov e outros instrumentos ofensivos,
declarando abertamente que não aceitavam a decisão da Justiça e,
que iriam resistir a ordem de despejo, com ameaças diretas a
integridade física dos policiais que tentassem cumprir a
determinação do judiciário. A polícia militar do Estado de São
Paulo não se curvou as ameaças, e, executou a ordem de desocupação
da propriedade irregularmente invadida.
É
fato que o período compreendido entre 2004 e janeiro de 2012 - ou
seja, quase oito anos
- seria tempo mais do que suficiente para que todos os moradores do
Pinheirinho encontrassem uma moradia em local digno e adequado,
especialmente porque com o apoio dos órgãos públicos e privados,
bem como ONGs que os assistiam, não seria difícil obter inscrições
em programas sociais do Governo. Cumpre ressaltar que desde o início
eles sabiam que a área invadida era particular e que, portanto, não
tinham o direito de lá permanecer. É importante acrescentar ainda
que, segundo relatos publicados à época na imprensa local e
estadual, o acesso a comunidade do Pinheirinho não era livre, o que
permitia que alguns moradores locais usassem a área como ponto de
tráfico de drogas, prostituição e outros crimes, longe da ação
da polícia. Portanto, era fundamental que a autoridade pública
desse um basta nessa situação, já que não se tratava apenas de
desocupar um imóvel invadido, mas sim, de recuperar para o Estado,
uma área que indicava ter escolhido viver sobre leis próprias. Bem,
apesar de tudo, os moradores do Pinheirinho tomaram a decisão de
ficar, afrontando o próprio Estado, talvez supondo que no Brasil
“descumprir
a Lei não dá em nada”
ou, quem sabe, que “o
Judiciário não iria se voltar contra eles”.
Felizmente o Judiciário do Estado de São Paulo cumpriu a sua
obrigação constitucional de defender o primado da Lei, deixando
claro para todos, que não se obtém direitos sociais com base em
agressões, chantagens e ameaças.
Atualmente
o Brasil acompanha outro caso importante. De fato, o STF está para
julgar o processo chamado “Mensalão”,
no qual pessoas do alto escalão de importantes partidos políticos -
ou
por eles cooptados
- ligados ao governo, estão sendo acusadas de diversos crimes:
formação
de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, peculato,
evasão de divisas, etc.
Nos processos criminais como este, a boa defesa tenta inicialmente
provar que o réu não cometeu a conduta criminosa que lhe é
imputada. Caso essa alegação não se sustente, a defesa tenta
demonstrar que a conduta imputada ao réu, não está tipificada como
crime pela Legislação, ou, estando, procura comprovar a existência
de alguma excludente da ilicitude para justificar a referida conduta.
Ora, curiosamente o noticiário recente informa que para conseguir a
absolvição, como defesa no processo, dentre outras alegações e
artifícios, os réus do “Mensalão”
iriam
contestar as provas produzidas e, também apontar falhas na peça
acusatória. Bem, ser considerado inocente de uma acusação criminal
ou ser absolvido por falta de provas e/ou por inépcia da peça
acusatória tem o mesmo resultado prático. Entretanto, é certo que
qualquer pessoa de bem sempre irá preferir ser considerado inocente
pela Justiça. De fato, quando o Juiz absolve o réu porque não
ficou convencido da culpa, considerando que as provas produzidas pela
autoridade policial não foram adequadas e/ou suficientes, ou absolve
o réu pelo fato da peça acusatória conter falhas e omissões que a
tornaram inepta, sempre ficará no imaginário popular a seguinte
suposição: se a autoridade policial e/ou o acusador tivessem feito
um trabalho mais completo e abrangente em suas respectivas áreas,
talvez o réu fosse condenado. Em outras palavras, mesmo absolvido
não teria ficado comprovado que o réu era de fato inocente. Bem,
ainda nessa hipótese no caso do julgamento do “Mensalão”,
não é de se estranhar que o imaginário popular começaria a
desconfiar que as falhas na produção de provas e/ou na redação da
peça de acusação, foram cometidas de caso pensado, com objetivos
escusos e visando beneficiar os réus envolvidos no processo, máxime
considerando que eles estavam ocupando importantes cargos no aparato
estatal.
Ora,
a denúncia do Procurador Geral, indica que pelo número dos
acusados, sua importância dentro das instituições do governo
federal, bem como por suas metas e objetivos, trata-se de um grupo
que se encastelou no âmago dos Poderes da República, objetivando
tomar para si o comando do próprio Estado. Nesse sentido, a acusação
do Procurador Geral dá conta que possivelmente os réus estavam
convictos da impunidade, talvez supondo - como
os moradores do Pinheirinho
- que no Brasil “descumprir
a Lei não dá em nada”
ou, quem sabe, que “o
Judiciário não iria ousar se voltar contra eles”.
Diante do exposto, é perfeitamente compreensível o pronunciamento
da Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Eliana Calmon, feito
para a imprensa: “Há
por parte da Nação uma expectativa muito grande e acho também que
o Supremo está tendo o seu grande julgamento ao julgar o mensalão”,
uma vez que, segundo a denúncia, estamos diante de crimes graves,
cometidos por pessoas influentes, algumas delas ocupantes de altos
cargos no aparato estatal, ameaçando os pilares básicos da
República Federativa do Brasil.
No
caso dos moradores do Pinheirinho, a Justiça do Estado de São Paulo
soube restaurar a quebra da ordem institucional, demonstrando que
ninguém está acima das leis. No caso do “Mensalão”
os olhos se voltam para Brasília, no aguardo da decisão do STF
estabelecendo se os réus são culpados ou inocentes. Bem,
infelizmente, os réus podem também conseguir uma absolvição com
base em alegadas falhas contidas na peça acusatória, ou quem sabe,
em alguma outra filigrana jurídica a ser invocada, porém, nesse
caso, ninguém saberá se são efetivamente inocentes, permanecendo
no ar a idéia que dependendo da pessoa e do cargo ocupado, talvez
quebrar a ordem institucional possa valer a pena. Com a palavra o
STF.
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