| 16 AGOSTO 2012
Quando os estudos demográficos chegaram no Brasil, por meio de institutos europeus e norte-americanos, na década de 1950, o viés controlista, isto é, a idéia de controlar o crescimento da população, contava com grande desaprovação interna e até temor do imperialismo do mundo desenvolvido, tanto da direita quanto da esquerda. Hoje este medo está superado e toda a imprensa, assim como o sistema educacional, espalha o consenso internacional dessa “sustentabilidade” pelo preço da morte de seres humanos.
Mas engana-se quem pensa que o perigo populacional é meramente quantitativo. A eugenia ou seleção artificial dá o tom do consenso anti-populacional desde sua origem. Entre as propostas liberais do welfare norte-americano, capitaneado pela esquerda daquele país, estava a eugenia, pronta e intacta trazida por intelectuais europeus, fundadores da maioria das fundações fomentadoras das pesquisas populacionais. Intelectuais como George Bernard Shaw, John Maynard Keynes, Julian Huxley, Sidney Webb (patrono dos socialistas fabianos) E. A. Ross, e Margareth Sanger, fundadora da liga que posteriormente se tornou a instituição abortista Planned Parenthood, são os verdadeiros artífices do pensamento progressista norte-americano, cuja herança maldita permanece intocada dentro do partido democrata. Lembremos aos desavisados que a famosa seita racista Ku-Klux-Klan era composta por membros do partido de Al Gore, Obama e Clinton, personalidades idolatradas pela imprensa norte-americana e internacional.
Qualquer estudante de ensino médio em suas mais altas digressões adolescentes brada em reclamação à superlotação de seres humanos no planeta, ao que culpa o calor, as marés, os maus tratos aos animais, a violência, o preconceito, a intolerância, suas decepções na vida e toda sorte de desconfortos emocionais que venham a se manifestar em seu corpo mal formado ou em sua mente mal informada. A culpa provém inicialmente dos seus pais e vai ganhando corpo até somar-se a toda a humanidade e sua vil prática reprodutiva.
A atual tese da necessidade do controle populacional, chamada neomalthusianismo, nasceu de dentro da teoria da transição demográfica, fruto de estudos estatísticos iniciados na metade do século XX, mas que foram sutilmente tempererados com a tese eugênica, resultado de uma interpretação positivista da natureza. Essa mudança de mentalidade está ligada ainda hoje ao movimento ambientalista que propõe ações humanas a serem aplicadas para um maior controle do meio ambiente e da natureza física descontrolados pela própria ação humana. Enquanto inicialmente se pretendia estudar sem julgar os resultados, eis que surgem os neomalthusianos para alertar-nos do perigo das altas taxas de fecundidade na população.
É notável o quanto os estudos demográficos no Brasil e demais países latinoamericanos, bem como o grande montante de investimento nestas áreas, foi impulsionado pelo aumento da preocupação internacional com o crescimento populacional. John D. Rockefeller, quando percebeu a resistência e o temor dos cientístas da sua própria fundação, resolveu criar o Population Council, a partir do qual foi seguido por outras entidades como a Fundação Ford. Em um ambiente científico cheio de preocupações e cautelas – muito devido a má fama das engenharias populacionais após o nazismo e comunismo – surgia um movimento amplamente dedicado à engenharia populacional e ao controle do crescimento capitaneado por um grande número de fundações e empresas. Foram estas fundações e empresas as propagadoras do lobby controlista e intervencionista do homem para a sociedade.
A grande revolução no controle populacional teria se dado, segundo o demógrafo George Martine, presidente Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), com a estréia no campo populacional da United States Agency for International Development (Usaid), já em 1965. A partir de então, os esforços de controlar a população mundial ganharam maior agressividade e medidas práticas mais efetivas. Em 1969, foi criado o Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) que rapidamente passou a ser o organismo responsável pelos “programas de população” da ONU. Não é coincidência que nesta época os grandes defensores do controle populacional fossem os biólogos e ecologistas, que entraram de cabeça nas teses neomalthusianas.
Um dos mais conhecidos ecologistas que defende o controle populacional como solução é Paul Ehrlich que, em seu livro de 1995, orgulha-se de ter conseguido uma transição fácil do estudo das populações de mariposas ao estudo das populações humanas. Embora saiba-se que Ehrlich fosse especialista em mariposas e não em seres humanos, seus estudos ganharam tanto respeito que fizeram dele um especialista em crescimento sustentável. A aplicação das teorias sobre mariposas para os seres humanos deu-se rápida, sem necessidade de maiores esclarecimentos. Seu livro mais famoso e polêmico foi o Population Bomb (1968), mas em seu livro mais recente ele afirma que se a taxa de fecundidade e natalidade não cair, a de mortalidade terá de aumentar. Nada mais adequado às mariposas.
A simplicidade da tese neomalthusiana tornou-a tão atraente não só a cientistas mas à opinião pública e políticos dos países desenvolvidos, o que possibilitou deixar a tese eugênica de fora das campanhas publicitárias até que este tabu fosse rompido. É claro que o controle populacional deveria ser aplicado aos países pobres, afinal são eles que se “reproduzem como coelhos, espalhando seus genes podres pela sociedade”, como disse Margareth Sanger, a feminista “mãe do aborto”.
A cruzada mundial pela redução da fecundidade deveria ganhar tanta importancia que muitos países desenvolvidos investiram pesadamente nos estudos em demografia nos países subdesenvolvidos. Isso explica o rápido investimento internacional nessas áreas de pesquisa no Brasil e outros países. O plano de longo prazo, para a redução populacional do terceiro mundo, foi levado a cabo lentamente e só agora seus frutos aparecem mais claramente.
A partir do Relatório Kissinger, a redução populacional em países do terceiro mundo, tornou-se uma questão de segurança nacional para os EUA. A Usaid patrocinou e iniciou a distribuição de centenas de milhares de aparelhos para a prática do aborto em mais de setenta países, na maioria dos quais o aborto não era legal, e a implantação de redes de clínicas de abortos em vários deles. O diretor da Usaid afirmava que, com os recursos disponibilizados pelo Congresso Americano, "os maiores já liberados em toda a história americana para qualquer programa de ajuda externa com exceção do plano Marshall", ele poderia diminuir drasticamente a taxa de crescimento populacional de qualquer país em 5 anos e, se utilizasse também o aborto, em apenas 2 anos.
Quando muitos países subdesenvolvidos passaram a defender que a melhor forma de controle populacional seria o desenvolvimento econômico e não o aborto ou contracepção, somado a uma perda de espaço das teses abortistas no governo norte-americano, a partir da década de 1970, John Rockefeller finalmente entendeu que a melhor estratégia era a militância política através da emancipação da mulher. Usando dos movimentos feministas para trabalhar o seu lobby, a fundação Rockefeller foi a pioneira na estratégia da modificação da moral sexual popular. Em outras palavras, o desafio do controle demográfico mundial não poderia ser vencido a longo prazo pela pressão sobre os governos, mas somente através de uma revolução cultural de natureza sexual. Com as feministas trabalhando pela causa, a pressão aos governos tornava-se indireta e muito mais eficiente. Só em conjunto com essa estratégia era possível estabelecer alguma pressão eficiente sobre governos.
Uma grande pressão é iniciada também no aspecto das humanidades, por meio dos estudos de comunicação de massa e controle mental do Instituto Tavistock e as fundações internacionais. A escola sociológica dos estudos culturais deu um impulso a mais na causa feminista ao trazer a novidade do relativismo cultural, trazido da antropologia, em oposição às teses moralistas dos frankfurtianos. Ao invés de luta de classes, estes estudos inauguraram a luta cultural, impulsionados pelos estudos de Antônio Gramsci. A nova face do marxismo cultural agora buscava a satisfação dos desejos que se manifestavam nas culturas. A mulher passa a ser uma “classe” oprimida, tal como todo tipo de fantasia sexual considerada socialmente reprovável pela opressão do sistema capitalista e, é claro, da cultura judaico-cristã.
Em 1996, sob a coordenação do Fundo de Atividades Populacionais da ONU e contando com a presença dos diversos comitês de direitos humanos da ONU e das novas ONGs recém criadas, ocorreu a informalmente famosa reunião fechada de Glen Cove, na qual estabeleceu-se um plano de pressão gradual da ONU sobre os vários países do mundo e especialmente da América Latina no sentido de acusá-los de violarem os direitos humanos ao não legalizarem o aborto.
Engana-se quem pensa que o Brasil começou a trabalhar pelo aborto no governo Lula. Seguindo a orientação das entidades internacionais, o Brasil conta com membros dessas entidades já há bastante tempo. O médico Aníbal Faúndes, representante para o Brasil do Conselho Populacional desde 1977, parece ter dado os primeiros passos para o que seria posteriormente um protocolo de cuidados pré-aborto, com o que se fecharia o conceito de um serviço para garantir um aborto seguro, apesar de ilegal. Este declarava à imprensa em 1994 que ensinava, no Hospital das Clínicas de Campinas, as gestantes a utilizarem o misoprostol, uma droga conhecida também como Citotec, para provocarem um aborto seguro.
As fundações e empresas familiares como os Rockeffeler tiveram, portanto, não só um papel de destaque nos financiamentos de pesquisas demográficas no Brasil, como trabalham ainda hoje incessantemente para a popularização de seus ideais anti-populacionais, baseados em premissas eugênicas e economicistas. Mas estas ideias estão longe de serem simplesmente frutos malditos de mentalidade tecnicista e de fé no poder transformador do homem, pressupostos erguidos pelo humanismo histórico. Tais ideias têm, em sua essência, a despersonalização do homem e a transformação em objeto. Não é só a mulher que vai virar objeto de prazer dos homens (eximindo-os de arcar com o fardo de seus atos), mas o próprio homem, enquanto feto e portanto inacabado, torna-se objeto técnico e um mero número que pesa na conta do estado e na consciência de uma elite intelectual. Afinal, qual a diferença entre um feto e uma criança nos primeiros meses? Ambos não estão plenamente prontos.
A engenharia das mariposas de Ehrlich, sofre um pequeno revés, ao ser aplicada aos homens enquanto objetos coletivos, mas não à sua individualidade e direito à vida. Hoje as mariposas têm mais direito à vida do que fetos humanos, considerados “coisas”. A luta contra a “mulher-objeto”, tida como mote do feminismo, trouxe a possibilidade do “homem-objeto”, não meramente enquanto gênero masculino, mas de toda a espécie.
Cristian Derosa é jornalista.
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