Santo do pau oco
O famigerado bate-boca etílico no Leblon já serviu de enredo para inúmeras crônicas e comentários, dos dois lados do espectro ideológico, mas faltava a cereja do bolo, aquele que transformaria Chico Buarque em santo. Custou, mas a canonização apareceu na pena do indefectível Gregório (peço que o estimado leitor me desculpe, eu sei que já escrevi sobre o indigitado humorista na semana passada, mas não consigo resistir diante de tanta profundidade intelectual). Qual o milagre de São Chico? Ora, são muitos: suas inúmeras letras e melodias são como curar doentes, fazer reviver os mortos, transformar água em vinho ou multiplicar os peixes.
Mas a principal qualidade do Chico para virar santo é ser de esquerda, afinal o grande Pelé, mesmo sendo consensualmente, pelo menos no Brasil, o maior jogador de futebol de todos os tempos, nunca mereceu o mesmo tratamento. Ao contrário. Não sendo ele esquerdista, ficou famosa a frase segundo a qual o “Pelé, calado, é um poeta” (cito de memória, mas parece que o autor é Romário). Frank Sinatra talvez tenha sido o maior cantor de todos os tempos, venerado por fãs no mundo inteiro. Suas opiniões políticas, no entanto, nunca foram toleradas. É que Sinatra não era politicamente correto e, muito menos, rezava pela cartilha da esquerda, que o considerava um troglodita político, por ser identificado com o Partido Republicano. Já Einstein era um intelectual acima de qualquer suspeita. Mesmo tendo passado praticamente toda a sua vida imerso nos livros e em complexos cálculos matemáticos, seu artigo “why socialism”, de 1949, é venerado até hoje pelos “socialistas de iPhone”. E ai daqueles pretensiosos que tiverem a petulância de discutir com o maior gênio que a humanidade já conheceu…
Assim, na cabecinha de seus fãs petistas, a obra do “grande” Chico deveria torná-lo imune às críticas, não apenas musicais, mas também políticas. Para eles, Chico está acima do bem e do mal. Faça o que fizer, fale o que quiser, escreva o que lhe der na telha, o compositor deveria ser obrigatoriamente reverenciado como um autêntico oráculo pelos reles mortais. O fato de defender e fazer campanha para um partido que institucionalizou a roubalheira não seria motivo suficiente para chamá-lo às falas, ainda que com certo comedimento, como ocorreu no Leblon.
Na verdade, como muito bem escreveu Sérgio Malberguer no último dia 24, “a turma do Chico não quer saber de fatos. A turma gosta da gostosa sensação de que apoiar partidos e ideais fossilizados da esquerda os redime dos seus pecados, os eleva. Dane-se a realidade, que para eles é confortável.” Não por acaso, já estão marcadas manifestações de desagravo ao santo para breve, em diversas cidades.
Não sou daqueles que apoiam o tipo de interpelação pública realizado no Leblon, ainda que entenda os motivos de quem o faz. Até porque isso acaba se transformando em arma na mão dos petistas, consagrados mestres na prática da vitimização. Mas Chico Buarque é uma figura pública e, justamente por isso, suas opiniões e atitudes têm um peso muito maior que as dos demais. Assim como não pode reclamar do assédio dos fãs – que bancam seu apartamento em Paris ou seus campos de futebol no Recreio – sempre ávidos por autógrafos e selfies, também não pode impedir o desabafo de gente indignada com as suas posturas políticas, as quais, afinal, influenciam a opinião pública e, de quebra, os destinos de cada um dos brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá! Seja benvindo! Se você deseja comunicar-se, use o formulário de contato, no alto do blog. Não seja mal-educado.