São Pedro: uma basílica ultrajada
No final deste post, o vídeo desse tenebroso 'espetáculo' que profanou a Basílica de São Pedro |
Roberto de Mattei
Corrispondenza Romana, 11-12-2015
Ao longo do show, patrocinado pelo Grupo do Banco Mundial, imagens de leões, tigres e leopardos de proporções gigantescas se projetavam sobre a fachada de São Pedro, que se eleva precisamente sobre as ruínas do circo de Nero, onde as feras devoravam os cristãos. Graças ao jogo de luzes, a basílica dava a impressão de estar de cabeça para baixo, de dissolver-se e submergir-se. Sobre a fachada apareciam peixes-palhaço e tartarugas marinhas, quase evocando a liquefação das estruturas da Igreja, privada de qualquer elemento de solidez. Uma enorme coruja e estranhos animais voadores sobrevoavam em torno da cúpula, enquanto monges budistas caminhando pareciam indicar uma via de salvação alternativa ao cristianismo. Nenhum símbolo religioso, nenhuma referência ao cristianismo; a Igreja cedia lugar à natureza soberana.
Com efeito, no cristianismo os animais não são divinizados, mas valorizados em função do fim para o qual foram criados por Deus: o serviço do homem. Diz o Salmista: “Deste-lhe o mando sobre as obras das tuas mãos, sujeitaste todas as coisas debaixo de seus pés: Todas as ovelhas e todos os bois e, além destes, os outros animais do campo” (Ps 8, 7-9). O homem foi posto por Deus como vértice e rei da criação, e tudo deve ser ordenado em função dele, para que, por sua vez, ele ordene tudo a Deus como representante do universo (Gn 1, 26-27). Deus é o fim último do universo, mas o fim imediato do universo físico é o homem. “De certo modo, nós somos o fim de todas as coisas”, afirma Santo Tomás (In II Sent., d. 1, q. 2, a. 4, sed contra), porque“Deus fez todas as coisas para o homem” (Super Symb. Apostolorum, art. 1).
Por outro lado, a simbologia cristã atribui aos animais um significado emblemático. Não preocupa ao cristianismo principalmente a extinção dos animais ou o seu bem-estar, mas o significado último e profundo de sua presença. O leão simboliza a força e o cordeiro a benignidade, para nos lembrar a existência de virtudes e perfeições diversas, que só Deus possui por inteiro. Na Terra, uma gama prodigiosa de seres criados, da matéria inorgânica até o homem, possui uma essência e uma perfeição íntima, que se expressa mediante a linguagem dos símbolos.
Há 50 anos, quando se encerrou o Concílio Vaticano II, o tema dominante naquela quadra histórica era um certo “culto ao homem”, contido na fórmula “humanismo integral” de Jacques Maritain. O livro do filósofo francês, com esse título, é de 1936, mas sua maior influência foi sobretudo quando um leitor entusiasta, Giovanni Battista Montini, eleito Papa com o nome de Paulo VI, quis fazer dele a bússola de seu pontificado. Na homilia da Missa de 7 de dezembro de 1965, Paulo VI recordou que no Vaticano II se produziu o encontro entre “o culto de Deus que quis ser homem” e “a religião — porque o é — que é o culto do homem que quer ser Deus”.
Cinquenta anos depois, assistimos à passagem do humanismo integral à ecologia integral; da Carta internacional dos direitos do homem à dos direitos da natureza. No século XVI, o humanismo havia recusado a civilização cristã medieval em nome do antropocentrismo. A tentativa de construir a Cidade do Homem sobre as ruínas da Cidade de Deus fracassou tragicamente no século XX, e baldas foram as tentativas de cristianizar o antropocentrismo sob o nome de humanismo integral. A religião do homem é substituída pela da Terra: o antropocentrismo, criticado por seus “desvios”, é substituído por uma nova visão ecocêntrica. A Ideologia de Gênero, que dissolve toda identidade e toda essência, insere-se nessa perspectiva panteísta e igualitária.
É um conceito radicalmente evolucionista, que coincide em grande medida com o de Teilhard de Chardin. Deus é a “autoconsciência” do universo que, evoluindo, torna-se consciente de sua evolução. Não é casual a citação de Teilhard no parágrafo 83 da Laudato sì, encíclica do Papa Francisco na qual filósofos como Enrico Maria Radaelli e Arnaldo Xavier da Silveira salientaram pontos em desacordo com a Tradição Católica. E o espetáculo Fiat Lux foi apresentado como um “manifesto ecologista” que pretende traduzir em imagens a encíclica Laudato sì.
Antonio Socci o definiu no jornal “Libero” como “uma encenação gnóstica e neopagã com uma inequívoca mensagem ideológica anticristã”, observando que “em São Pedro, na festa da Imaculada Conceição, em vez de celebrar a Mãe de Deus, preferiram a celebração da Mãe Terra, para propagar a ideologia dominante, a da ‘religião do clima e da ecologia’, neopagã e neomalthusiana, apoiada pelas potências do mundo. É uma profanação espiritual (porque aquele lugar — lembremo-nos — é um lugar de martírio cristão)”.
Por sua vez, escreveu Alessandro Gnochi em “Riscossa Cristiana”: “Portanto, não foi o ISIS que profanou o coração da Cristandade, nem foram os extremistas do credo laico os que danificaram o credo católico, nem os artistas blasfemos e coprolálicos os que contaminaram a fé de tantos cristãos. Não era preciso perquisição ou detectador de metal para impedir o ingresso dos vândalos na cidadela de Deus: eles estavam no interior das muralhas e já tinham acionado a sua bomba multicolor de transmissão satelital no calor da sala de controle.”
A palavra “luz divina” não é apenas uma metáfora, mas uma realidade, como realidade são as trevas que envolvem hoje o mundo. E nesta vigília de Natal a humanidade aguarda o momento em que a noite se iluminará como o dia, “nox sicut dies illuminabitur”(Salmo 11), quando se cumprirão as promessas feitas pela Imaculada em Fátima.
É preciso que se duvide da existência e presença do Creador em Sua Obra apostando na ignorância e poder humanos. A vida é utilitária e usa tanto o bem como o mal em seu processo. Imaginar que as forças do mal estão a dar cartas à humanidade é ter uma visão científica, fria, deslocada de seu núcleo principal que é o espírito. Aquele que aposta na matéria, no ter, e se deixar possuir, é o que está aparentemente dando as cartas às circunstâncias, mas, como diz o ditado "Deus escreve certo por linhas tortas". Tudo aquilo que tem existência tem origem e, inevitavelmente, fim. Não seria diferente com as religiões que estão sendo atropeladas pela ciência. A divergência entre os criacionistas e os evolucionistas é apenas aparente. Chardin percebeu isso e foi calado pela Igreja e esta, há muito deixou de representar o céu para se fixar na terra. Suas maravilhosas construções eram necessárias para mostrar poder, pois na terra o que vige é a matéria e quem não dispõe de tal riqueza é considerado fraco. E as igrejas, seitas, de uma maneira geral entraram nessa onda. O poder espiritual foi transformado em poder temporal, material. Penso que é essa a revolução que está surgindo em todos os cantos da terra. Novos tempos onde a ciência não será contestada pela religião, mas afirmará a presença divina em todos os fenômenos. Nada há mais parecido do que um edifício sendo construído e outro sendo destruído. O caos se mostra em ambos, mas não o propósito. Imaginar uma derrota do Alto é apostar no Nada
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