segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Clarinada e televisão por dois hectares



Ernesto Caruso

         Ainda que mal comparando, em espinho no dedo, fratura exposta e queimadura, a dor está presente em graus diferentes; dor física. Dor no sentimento pela descrença no Estado.
         A questão na tela da TV foi a comemoração em Brasília pelo governo petista, com távola e cerimonial, pela decisão do TRF-3 favorável aos índios, cerca de 170, que ocupam área em litígio na fazenda Cambará, MS. Muita pompa conduzida pela ministra dos Direitos Humanos e ministro da Justiça. Quantas decisões judiciais têm tal festividade? Não quer dizer que os índios, como quaisquer brasileiros, não mereçam ser assistidos, tenham meios de sobrevivência e bem-estar, moradia, saúde e educação. Os descendentes dos brasileiros primitivos miscigenados com outras vagas de migrantes somos todos nós.

         Assim, não é insignificante a penúria do grupo, como destaca o magistrado, a completar que os índios crêem que lá repousam seus antepassados. Saudável fundamento?     
         Ganham um pedaço de terra com abraços, servem de cenário, e depois sofrem igualmente como os outros nas filas dos hospitais, sem a assistência do plano de saúde conhecido por SUS, no dia a dia, sem cocar na cabeça.
         A demarcação, como feita, demonstra aberração de critério com grandes áreas destinadas para alguns grupos em áreas contínuas e na faixa de fronteira como na Amazônia, onde a influência e o interesse externo preponderam, reservas Ianomâmi (9,5 milhões de hectares) e Raposa Serra do Sol (1,7 milhão de ha). Uma ameaça à unidade do território por decisão de um órgão, a FUNAI. Sob a égide da Lei?
O Decreto nº 1.775, de 08/01/96 que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas impõe regras muito acima do que seria esperado de um decreto. A magnitude do problema destinando 105.673.003 ha para 488 terras indígenas, perfazendo 12,41% do total do território, exigiria participação do Congresso Nacional, como preceitua a CF, Art. 48, no trato das matérias dos incisos V (limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União) e VI (incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas). Uma decisão dessa ordem nas mãos de poucos.
O referido Decreto no seu Art. 1º diz que as terras indígenas “serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio”, isto é a FUNAI, de indiscutível valor, mas não para assumir tão elevada responsabilidade. Observe-se a FUNAI na estrutura dos três Poderes...
Julga suficiente no Art 2° que a demarcação “será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.”
Ou seja, praticamente, o antropólogo, o grupo técnico, o titular da FUNAI e o ministro da Justiça decidem essas “alienações”. As reservas representam 12,41% do total do território e quase 50% do Estado de Roraima.
Ponto a cuidar está contido no Art. 26 do Estatuto do Índio, quando cita as várias modalidades de organização, reserva, parque, colônia agrícola e o mais estranho, território federal indígena. Segundo o Art. 30, “é a unidade administrativa subordinada à União, instituída em região na qual pelo menos um terço da população seja formado por índios.”
Mas, não é assim que o STF pensa e já decidiu, quando tratou da Reserva Raposa do Sol e, de lá mandou retirar os arrozeiros. Ressalve-se que graças ao finado ministro Menezes Direito, embora votando pela homologação, impôs 18 restrições em prol da soberania nacional, ainda letra morta, pois que a Portaria 303 (16/07/12) da Advocacia Geral da União que regulou procedimentos com fundamento nas restrições, contrariou interesses, fazendo com se postergasse a sua vigência.
A Declaração Universal dos Direitos dos Indígenas, com quatro votos contrários (Canadá, EUA, Nova Zelândia e Austrália) e onze abstenções, com voto favorável do Brasil, é o argumento da hora. O perigo não mora ao lado.
Páginas e páginas de um passado de glória na concepção do Brasil, a citar o Marechal Rondon como exemplo do tema, e meia dúzia desta geração a lançá-las ao vento para não dizer o pior.    

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