terça-feira, 16 de abril de 2013

Proibições


POR  · 16/04/2013 ·

proibido
Uma justificativa comum para a proibição de um produto, serviço ou atividade é proteger as pessoas delas mesmas: de sua ignorância, por exemplo sobre os riscos do cigarro. De suas “más preferências”, como no caso de drogas, jogos de azar, ou qualquer coisa que possa viciar. Até do perigo de que suas preferências sejam manipuladas, invocado para restringir a propaganda. Outro motivo para proibir é simplesmente a ideia de que tudo que é imoral (na opinião de quem propõe a lei, evidentemente) deve ser proibido.

Prohibitions [Proibições], livro editado por John Meadowcroft e publicado pelo Institute of Economic Affairs, examina dez produtos e serviços que são ou já foram proibidos em algum lugar do mundo. Alguns exemplos são inusitados, como o boxe, que já foi proibido na Suécia e na Noruega. Outros são corriqueiros, como drogas, prostituição e armas de fogo, proibidos em grande parte do mundo.
As conclusões não são surpreendentes.
Na prática, as proibições não eliminam os tais comportamentos imorais ou indesejáveis. Suas consequências mais comuns são:
— O fornecimento do produto proibido passa às mãos de organizações criminosas. O risco da atividade ilegal faz com que o preço do produto aumente em relação aos custos de produção, gerando altos lucros. A existência de crimes sem vítimas faz com que pessoas que normalmente não violariam a lei se tornem criminosos por fazerem o que bem entendem com seus próprios corpos.
— Recursos que poderiam ser usados para combater crimes com vítimas são desviados para reprimir atividades que não fazem mal a ninguém (ou pelo menos ninguém que não tenha consentido). A necessidade de combater esse novo crime leva ao crescimento da burocracia e aumento de gastos.
— A proibição de uma atividade arriscada costuma aumentar seu risco. O capítulo sobre boxe tem bons exemplos: a profissionalização do esporte gerou regras que protegem os participantes, como o uso de luvas e a separação de categorias por peso. Quando há proibição, os boxeadores não têm acesso imediato a cuidados médicos e nem podem recorrer ao sistema legal caso os organizadores das lutas os exponham a riscos com os quais eles não concordaram.
— Muitas proibições surgem para proteger os cidadãos de sua própria desinformação, mas diversos exemplos mostram que elas aumentam a ignorância pública. Um dos artigos discute a proibição da propaganda de companhias farmacêuticas na Europa. Uma de suas consequências é que sites divulgam recomendações perigosas sobre o uso de remédios, mas os fabricantes dos remédios não podem contradizê-los com campanhas de informação pública.
Quem ganha com as proibições é a burocracia, que recebe mais poder e dinheiro para fiscalizar e reprimir a desobediência, o crime organizado que desobedece lucrativamente, e os fornecedores de substitutos legais do produto ou serviço proibido. Fabricantes de drogas legais como álcool e tabaco ganham com a proibição de outras drogas, cuja obtenção é cara e perigosa.
***
Coincidentemente, no dia em que li este livro entraram em vigor as restrições impostas pela Anvisa às farmácias, que terão de manter todos os medicamentos atrás do balcão e serão proibidas de vender produtos não relacionados à saúde, como alimentos e bebidas.
Essa medida não vai transferir o fornecimento de barrinhas de cereais para o crime organizado nem empurrar os consumidores de chicletes para a criminalidade. Mas não deixa de ser uma proibição, já que a conveniência de poder comprar diversos produtos no mesmo lugar é um serviço.
A característica anticompetitiva das proibições (e da regulamentação em geral) já se manifestou nesse caso: uma entidade que representa redes de farmácias conseguiu uma liminar isentando seus membros de cumprir as novas regras, o que lhes dá uma vantagem sobre concorrentes menores, cortesia da agência reguladora. A disputa vai continuar, mas enquanto isso as farmácias que não entraram na briga burocrática ficam sujeitas a multas e confisco de mercadorias se desrespeitarem as regras para competir de igual para igual com as concorrentes protegidas pela liminar.
A obrigatoriedade de manter todos os medicamentos atrás do balcão pretende proteger o público de sua própria ignorância, dos perigos da automedicação. Mas manter os remédios escondidos dificulta comparações. Vai ser mais difícil para quem quer comprar um analgésico, por exemplo, saber que marcas existem e seus preços. Essa política diminui o acesso do público a informações, sob o pretexto de que o público é desinformado.
Já a proibição da venda de produtos não ligados à saúde pode ser entendida como proteção do consumidor contra suas próprias preferências, facilmente manipuláveis. O cidadão pode entrar na farmácia para comprar uma garrafa d’água e ser “tentado” pelos medicamentos! Ou será o contrário? Seja como for, se aceitarmos esse raciocínio teremos de proibir quase todo o comércio que temos hoje. Não é terrível uma pessoa ir à feira comprar frutas e verduras, comida saudável, e ser tentada pelos calóricos pastel e caldo de cana?
Publicado originalmente em 25/02/2010.

SOBRE O AUTOR

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Monica Magalhães, colunista de OrdemLivre.org, é jornalista e mestre em Filosofia e Políticas Públicas pela London School of Economics.

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