Gustavo Miquelin
Fernandes
A democracia, postulado essencial ao processo plural de
satisfação do interesse público, de maxi-participação popular e catalogador dum
bloco mínimo de direitos e garantias aos cidadãos, é o valor mais caro a um
Estado que se pretende sério. É o verdadeiro alicerce institucional ou mesmo um
mega-valor, de onde promanam todos os demais.
No entanto, desponta para a Filosofia Política grave problema:
como esse valor democrático pode ser manejado dentro de certo contexto
político, constitucional, social, num determinado território e por certo povo.
Assim, falar em manejo democrático é falar se em representação
ou representatividade. E, de modo muito conciso, pode-se conceituá-las como o
modo de participação popular, pessoal ou impessoal, nos níveis e negócios do
Estado, com vistas ao interesse público, pela forma legal e constitucional.
Tais são classificadas como: democracia direta, semidireta e
indireta.
De forma muita simplista, a chamada direta é exercida pela
própria comunidade interessada, de modo pessoal, sem interposição de quaisquer
que sejam. O povo assume um poder efetivo de administração dos negócios
públicos.
A do tipo indireta é que se viabiliza por meio de
mandatários, atuantes em nome da comunidade. É um poder exercido de forma
burocratizada e por meio de um ato contratual
chamado mandato político.
E, por fim, a democracia semidireta que mescla os dois
anteriores critérios – adotada por nosso constituinte. Diz a Constituição
Federal brasileira:
Art. 1º A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifado)
Assim sendo, no país, em tese, exercemos o poder, de modo
direito e indireto, por meio de representantes eleitos, que através de um pacto
político contratam a obrigação de nos representar nos negócios do Estado, seja
no Poder Legislativo, Judiciário ou Executivo.
No
caso do Brasil, o exercício do poder democrático está visivelmente prostituído
por uma ordem tal de fatores que não é possível discorrer em pequeno texto o que
demandaria singular atenção, algo que não impede uma análise crítica ainda que
superficial.
As melhorias requeridas não foram implementadas. A corrupção,
leia-se Estado grande, continua firme, forte e crescente.
Personæ non gratæ, moralmente falando, continuam todas poderosas, ditando rumos do país,
algumas já declaradamente criminosas e atuando firmemente nos bastidores.
Melhorias de serviços públicos, que seriam conseguidos através
de baixa tributação, profissionalização e privatização, não foram consolidadas.
Em outros sistemas, há o processo de recall, onde os mandantes revogam, por determinados motivos
previamente aduzidos na lei, o mandato dos representantes. É uma proposta que deve
ser colocada à discussão com seriedade.
Não representou corretamente, o político sofreria uma espécie de impeachment.
Também
chama a atenção a chamada “democracia financiada” que
causa diversas entropias no sistema de participação política. Por exemplo: ainda
hoje foi noticiado que a Fundação Banco do Brasil, controlada
pelo partido governista, contratou convênios no valor de R$ 36 milhões com
entidades ligadas à sigla e com familiares dos dirigentes – os atos são
investigados pela polícia.
Assim,
fica configurada a terceirização de processos de
decisão política, que passam do nível individual para o coletivo. ONGs,
associações, fundações, nesse sistema podem intervir à vontade, elas tem total
liberdade (já que se trata em tese de democracia!) mas será que, por serem
irrigadas com dinheiro púbico, tais atuações não acabam desvirtuadas e viciadas?
Junta-se aqui utopias coletivistas com o dinheiro público - será que isso faz
parte de uma democracia legítima?
Os grandes deturpadores da democracia são o poder financeiro
que é facilmente concentrado nas mãos de burocratas e agentes estatais e o
poder cultural e dos grandes grupos de pressão. A democracia, aquele valor tão
caro, não raramente sucumbe a tais investidas.
Na verdade, a democracia, como forma de distribuição de poder
os seus detentores originários é, no fundo, um consenso fabricado entre os
agentes que institucionalizam decisões que perpetuam o estado de coisas (no que
tange à manutenção de cargos, privilégios, salários incompatíveis com a moralidade
e disponibilidade financeira do Estado, etc). No Brasil, o conceito corrente de
democracia passar por esse absurdo.
Visa ainda esse consenso formar padrões decisórios que reflitam
aos olhos da população menos atenta como um certo ativismo político (na verdade,
eleitoreiro) por meio de liberação de verbas, discursos inflamados e maciça
propaganda mentirosa. A democracia no Brasil operada por esse primeiro grupo é
apenas um mise en scène
desavergonhado onde os portadores da cártula do poder (povo) são redondamente ludibriados
pelo discurso, por mostras falsas de ativismo operante e uma aparente
participação na vida política do país.
Na realidade, democracia é, por aqui, confundida com posturas
eleitorais, dessas que ocorrem a cada biênio. Nada mais perigoso que essa
confusão. Processo eleitoral se constitui apenas pequena parte integrante do
sistema democrático ora em estudo. A excessiva proliferação de siglas também é
vista enganosamente como sintomático da ambiência democrática. Pelo contrário,
pois jaz nela todo tipo de ideologia embolorada, engodo, membros expulsos ou
não aceitos; constituem-se em verdadeiras “curvas de rio”.
O mesmo se diga do poder cultural da grande imprensa, que vai
sedimentando conceitos errôneos, promovendo concepções distorcidas, e mediante o
patrocínio governamental necessário das veiculações e a manutenção da outorga
das concessões públicas, vai embutindo um senso popular imbecilizado. A
Universidade, item que sempre destaco nos textos, tem parcela grande de culpa
no atraso intelectual do povo, que respinga certamente no processo democrático.
Semeiam esses dois a confusão e
desordens generalizadas, dificultando o acesso democrático.
Há ainda os grandes grupos de pressão, que aproveitando da
astenia e apatia reinantes, assumem lugar como negociadores, pleiteando seus
mais variados objetivos. Não que todos sejam ilícitos; alguns são legítimos;
mas o que esperar de uma sociedade formatada por perversões ideológicas e um
assombroso espectro coletivista.
Esses grupos de pressão devem inexoravelmente se aproximar de
Governos para se infiltrarem nas instâncias decisórias e levar adiante seus
pleitos. O que fazem neste esquema com a democracia (como processo político de
participação individual visando ao bem comum), eu deixo para conclusão dos
leitores...
Quem
sabe seja a hora de cada qual se representar mais, se informar, usando
inclusive de instrumental jurídico posto à disposição, afastar a ideologia da
grande imprensa (engraçadamente chamada por analfabetos de “golpista”), de blogs
chapas-brancas e de ONGs financiadas por Governos com dinheiro de tributos,
participando um pouco mais. A democracia está aí, como arsenal institucional, para
ser utilizada.
Não
acredito muito em democracia participativa pura; é humanamente impossível,
talvez em certos cantões suíços, caso das landsgemeindes,
mas observo que nossa representatividade está contaminada por uma ideologia
coletivista tosca, pra lá de paternal.
Não
há necessidade de protestos às escuras, tomada de Poder, plebiscitos,
referendos; nada dessas fanfarronices terceiro-mundistas; apenas uma participação
mais efetiva, crítica, informada, e que não se dobre às concessões baratas, em
todos os níveis do Estado.
É assim que se faz democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá! Seja benvindo! Se você deseja comunicar-se, use o formulário de contato, no alto do blog. Não seja mal-educado.