Klauber Cristofen Pires
Escrevo este artigo às vésperas de um dia muito importante, isto
é, o da conclusão do julgamento dos chamados embargos infringentes pelo STF,
que poderá, enfim, depois de um longo e tenebroso inverno, mandar os réus do
mensalão cumprirem suas respectivas penas na cadeia ou ao contrário, servir
como marco definitivo da consolidação de mais um regime socialista bolivariano
e mais uma colônia de Cuba.
Às favas com a lei e a ordem, se o pior acontecer. No rastro do
conchavo mais explícito da história, os assassinatos, seqüestros, roubos,
estupros, atropelamentos, o tráfico de drogas, a prostituição, o esbulho, e a
corrupção encontrarão seu fundamento de validade em si mesmos e se
multiplicarão como coelhos.
Todavia, ao contrário do que tem sido propagado pela imprensa mais
honesta, não hei de louvar o supremo colegiado por fazer a coisa certa, assim
como um sinal de redenção em face da endêmica impunidade tupiniquim. Como já
tenho dito, há juízes ali que só não podem ser taxados de mensaleiros porque se
dispuseram a votar contra a Constituição e as leis graciosamente, como foi no
caso do aborto de anencéfalos e na união civil de homossexuais, ao contrário
daqueles que se dispuseram a receber o dinheiro público e outros a desviá-lo
para tais misteres.
Além disso, cumpre lembrar o lúcido
exame de Percival Puggina, que alertou para o fato de que os mentores e
diretores do mensalão, isto é, aqueles que pertenciam à atividade-fim, já foram
vergonhosamente agraciados com penas muito mais brandas do que aqueles que se
resumiram ao trabalho braçal, os da atividade-meio. Detalhes técnicos uma ova.
Para quem percebe o bom espírito da lei, e esta pessoa pode ser qualquer
cidadão com bom juízo na cabeça, mesmo um leigo desconhecedor das filigranas do
direito, tal julgamento já representa, até o momento, uma infâmia.
Assim, se muito, ficamos no empate. Acho que nem isto, mas em todo
caso, evita-se o mal maior. Haja condescendência.
Introduzido o problema, venho aqui demonstrar um argumento que até
agora não vi ser desenvolvido pela imprensa: a da inconstitucionalidade da
medida denominada de embargo infringente.
Não há de se desprezar o raciocínio jurídico publicado pelo
jornalista Reinaldo Azevedo, que também é suficientemente válido, no sentido de
que a Lei
8.038/90 revogou o parágrafo único do art. 333 do regimento interno do STF.
Para entendermos a situação precisamos nos valer, respectivamente,
dos artigos 22 e 96 da Constituição, que estão transcritos abaixo, com grifos
meus:
Art. 22. Compete privativamente à
União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual,
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
...
XVII - organização
judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da
Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa destes;
Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e
elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo
e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
O que o artigo 22 determina ao conferir competência privativa à União
para legislar sobre direito processual é
que qualquer matéria neste ramo deve ser produzida mediante o regular processo
legislativo, isto é, pelo Congresso Nacional. Portanto, o regimento interno do
STF, no que tange ao parágrafo único do artigo 333, nem sequer foi
recepcionado. Vejam bem, não houve revogação! O que aconteceu é que nem sequer
foi recepcionado, com insanável vício formal de origem.
Com efeito, jamais um regimento interno
– um ato administrativo – poderia legislar para os cidadãos. Um regimento - de
qualquer instituição, tem força (material) de lei, mas seu campo delimita-se à
organização da casa e dos trabalhos. Ao conferir um verdadeiro recurso em
matéria de direito penal, o regimento extravasou de sua competência, que notem,
foi expressamente prevista para ser obediente à lei formal derivada de regular
processo legislativo: “...elaborar seus
regimentos internos, com observância das normas de processo...”.
Portanto, meus caros leitores, os embargos infringentes já estavam
extintos mesmo antes da lei 8.038 vir a lume.
Agora, o que pode ocorrer que vierem a ser acolhidos os embargos
infringentes por infeliz inspiração do ministro Celso de Melo?
Notem que o motivo deflagrador dos embargos infringentes é de
ordem formal:
“Parágrafo único. O cabimento dos
embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro
votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”.
Se o motivo deflagrador fosse de ordem material, isto é, quanto ao
mérito, estaria facultado à defesa lançar mão dele sob qualquer alegação.
Contrariamente, sendo oriundo de uma questão de ordem, necessário é concluir
que deva ser automaticamente acolhido sempre que o resultado de qualquer
julgamento pelo STF resultar em quatro ou mais votos divergentes.
Dá-se a isto o nome de ato de ofício, isto é, que deve ser
aplicado pela Administração, independentemente da vontade das partes; talvez, e
olhem lá, pudesse ser vislumbrada a hipótese de sua não necessidade no caso
hipotético e extremamente improvável de que ambas as partes simultaneamente se
sentissem conformadas com o resultado.
Se esta minha tese tem valor, a funesta conseqüência é que o STF
teria de rever - como disse, de ofício - todo os julgamentos desde 1988 cujos
resultados albergaram quatro ou mais votos divergentes. Em outras palavras, o
caos estaria instalado.
No livro Poland (“Polônia”), o autor, James A. Michener, relata um
momento histórico daquele país quando estava à mercê da influência de três
grandes potências estrangeiras: a Prússia, a Rússia e a Áustria, em torno do
séc. XVIII. Naquele perigoso estado de frágil equilíbrio geopolítico, o
Congresso polonês se via travado por uma disposição que obrigava as leis a
serem promulgadas com coro unânime.
Desta forma, qualquer proposta que contrariasse os interesses dos
seus países vizinhos era sumariamente fulminada por um deputado pago que se
levantava e declamava: - eu me oponho! Diz o livro que muitos deputados
aceitavam suborno simultaneamente de duas ou mais das potências, o que
transportou de imediato a minha mente a outro parlamento situado num certo país
sul-americano. O resultado histórico desta tosca zombaria das instituições foi
a invasão conjunta da Polônia e sua partilha pelos países que combinaram agir
em conjunto. Por cerca de 123, a Polônia deixou de existir como uma nação.
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