Por Klauber Cristofen Pires
Reputo como uma das mais poéticas passagens da Bíblia a encontrada em Mateus, 6, 25-34i, aquela em que Jesus Cristo adverte que não devemos sofrer de ansiedade pelo alimento de amanhã, porque Deus sabe que disso todos necessitamos, muito mais até do que os lírios do campo e as aves do céu, a quem Ele veste e dá de comer, mas antes, que devemos buscar as coisas do céu, já que tendo estas, todas as outras nos serão dadas.
Muitos funcionários públicos sofrem de uma deprimente angústia pelo futuro, daí amarrarem-se sofregamente em garantias institucionais tais como a da estabilidade; é de se perceber com maior nitidez como as buscam com ainda mais ganas aqueles adeptos da doutrina marxista, especialmente os sindicalistas, cujas funções são agraciadas com concessões adicionais de semelhante natureza. À maioria desta gente soa como uma verdadeira aventura que pessoas simples com mercadorias às costas, batendo de porta em porta, atravessando estradas, cidades e lugarejos, tenham condições de se manterem com dignidade e de prosperar na vida.
Como pertencente àquela categoria profissional, ainda que um crente em Deus e um liberal-conservador convicto, confesso que a mim mesmo custa crer que o freguês adentrará amanhã o estabelecimento daquela lojinha de confecções lá do bairro, ou no táxi do “Seu” João, ou na oficina mecânica do “Seu” José. É um medo que se instala no ser como alergênica poeira que se vai depositando no espírito, até que vez em quando ponho-me a assepticamente removê-la.
Todavia e felizmente, a contrariar o pessimismo alheio, estes cidadãos se mantêm, sim, e muitos dos que perseveram chegam a prosperar. As bocas levianas das fidalguias urbanas bem instaladas em cargos públicos consagraram historicamente a estes espíritos valentes os epítetos mais venenosos, como o termo “vagabundo”, mas reflitamos sobre quantos foram os andarilhos que movidos pela confiança em si, em Deus e nos seus semelhantes, trabalharam com afinco com a finalidade de promover a satisfação das necessidades alheias, trazendo aos rincões mais remotos bens tais como o pano que enfeita a moça, a ferramenta que potencializa o trabalho, o remédio que cura e amaina os sofrimentos, ou a arma e a munição que protegem a família.
Vamos mais longe: constatemos como muitos deles, imbuídos de hábitos comedidos, conseguiram investir num burro, e seguidamente numa carroça; numa casa de um piso só, com a portinha da “venda” na frente e os cômodos particulares nos fundos; na laje que ampliou o térreo para o negócio e os altos para o lar; na ampla loja de departamentos e enfim, numa grande rede regional ou nacional.
Sim, há os empresários inescrupulosos, não resta dúvida. Concordo perfeitamente que há os que fizeram a vida passando a perna nos seus parceiros, colaboradores e consumidores. Nem haverei de contestar o fato de que estes, se não compõem atualmente a maioria do mercado, estão em ascensã0. Todavia, olhemos com atenção para o que acontece hoje e constatemos que a esperteza provém sobretudo daqueles que se mancomunam com o estado para a conquista de algum contrato privilegiado.
Em grande parte, tais promíscuas relações representam a principal causa para que tais figuras permaneçam ativas por um tempo indefinidamente longo, servindo ao mesmo tempo como modelo de incentivo para que outros mais disputem a carcaça do erário. Vivêssemos em uma sociedade onde prevalecessem as transações comerciais puramente privadas, a reputação que desfrutariam já denunciaria seu fim próximo.
Da mesma maneira, digo, sim! Há os que vão à falência! Mas nem por isto estas pessoas se quedam absolutamente desamparadas – uma segunda ou uma terceira tentativa podem dar certo, na mesma área ou em outra! Além disso, se não possuem os atributos certos para assumirem a posição de empreendedores, podem ser absorvidas como funcionários contratados.
O conceito de “exclusão” tem sido caracterizado ad nauseam pela propaganda socialista como próprio das economias capitalistas; no entanto, onde ele pode ser bem empregado é justamente no modelo socialista, e isto se dá propriamente no caso de um país em que as melhores oportunidades de emprego acontecem no setor público, porque apenas uma minoria há de se beneficiar dos privilégios negados aos restantes, que terão de de trabalhar com desdobro para provê-los.
No modelo socialista, nominalmente todas as pessoas estão empregadas. Por ora e apenas para aceitar esta tese como ideal, desconsideremos o flagrante de que Cuba já esteja chutando para fora da aba do seu chapéu uma parcela significativa de seus cidadãos. Prosseguindo, os indivíduos que estão alocados nas classes mais baixas da hierárquica estrutura da sociedade-estado socialista não recebem pelo valor de mercado o fruto do seu trabalho, nem têm a opção de escolher novos patrões, nem muito menos têm a chance de seguir seu próprio caminho, como eficientes empreendedoresii. A verdade é que são remunerados tão somente pelo que a Cúpula lhes consignar. Em outras palavras, estas pessoas estão “incluídas”, sim, mas não como homens e mulheres livres, senão mais propriamente como escravos.
Não há que se falar em “exclusão” em uma sociedade livre, onde cada qual pode tomar a iniciativa de trabalhar com o que tem às suas mãos, sem ter de ater-se necessariamente ao conceito de emprego com carteira assinada. Cada ser humano tem a chance de colaborar com o sistema de livre-mercado e se beneficiar dele, na medida de seu talento e esforço. Isto foi brilhantemente descoberto por David Ricardo por meio da sua Teoria das Vantagens Comparativas.
Para uma boa compreensão por parte dos leigos no assunto com relação à proposição do economista inglês, valhamo-nos do seguinte exemplo: João é um renomado médico e exímio cirurgião cardiologista; todavia, mantém consigo um médico colaborador para entre outras coisas, realizar as suturas. Isto acontece – e muito – porque seu conhecimento é muito caro para ser desperdiçado com procedimentos preparatórios ou de finalização, de modo que enquanto seu colega subalterno o ajuda em tais misteres, ele se vê livre para operar outros pacientes. Note-se como este arranjo promove uma melhor alocação dos recursos, evitando desperdícios, barateando o atendimento e assim atendendo melhor ao interesse de uma parcela maior de cidadãos.
Em praticamente todos os estabelecimentos comerciais a que adentro – e sempre presto atenção a isto - há um crucifixo, uma passagem bíblica ou senão uma Bíblia aberta, ou a imagem de Nossa Senhora ou de algum santo. Isto é digno de ser bem compreendido, justamente em contraste com o atual cenário em que certos políticos, procuradores e organizações de servidores públicos imbuídos um férreo ativismo ideológico militam pela retirada dos símbolos religiosos das repartições. Cada qual com a sua crença: quem depende de clientes espontâneos, confia em Deus; quem depende de tributados, confia no Estado.
i- 25 Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? 26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas? 27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura? 28 E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam; 29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. 30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? 31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir? 32 (Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso. 33 Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. 34 Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.
iiEm Cuba, recente decreto regulamentou o trabalho por conta própria, mas isto simplesmente relegou aos seus habitantes a possibilidade de trabalharem em regime de difícil subsistência, uma vez que não podem adquirir a forma de empresários, tal como nas economias capitalistas, haja vista que lhes são negadas a propriedade privada dos bens de produção, a possibilidade de contratar funcionários e a maior parte dos insumos e bens de capital.
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