A elite inculta se deixa levar pela mídia e pelos prestígios fosfóricos do dia em vez de examinar e testar, e acaba somando erros e desastres com uma persistência obscena.
Como quebrar o círculo vicioso de uma elite inculta guiada por palpiteiros tão ineptos quanto ela mesma?
Ainda a propósito da entrevista do sr. Alberto Carlos Almeida, suspeito que uma pergunta continua zumbindo nas cabeças dos leitores: se a culpa da má educação brasileira não foi da Igreja Católica, foi de quem?
Não sei, nem me considero presidente de um Tribunal de Crimes Educacionais, mas uma coisa é certa: o desprezo pelo conhecimento, neste país, veio sempre junto com o culto dos signos exteriores que o representam e que, aparentemente com vantagem, o substituem: títulos, diplomas, cargos, honrarias, espaço na mídia, boas amizades nos altos círculos, etc. O fenômeno já foi tão amplamente documentado e satirizado na nossa melhor literatura (Lima Barreto e Graciliano Ramos, por exemplo), que não vejo necessidade de insistir nele.
Mas o pior é que entre esses dois vícios complementares já se formou, há tempos, um círculo de reforço mútuo que parece impossível de romper.
Funciona assim: como nossa elite empresarial e política não é das mais cultas, as almas bem intencionadas que dela emergem com o propósito louvável de remediar os males nacionais não têm por si próprias a capacidade de avaliar, pelo exame direto das obras e idéias, quem, entre os intelectuais disponíveis, é competente e quem é um emérito medalhão de cabeça oca. Resultado: têm de julgá-los pelos sinais exteriores, os benditos títulos e cargos, e acabam dando ouvidos a quem não tem nada de sério a lhes informar nem de útil a lhes sugerir. A incultura gera incultura com a fecundidade de um casal de coelhos.
Mais grave ainda é quando o prestígio enganador vem de fora, desembarcando aqui com as pompas do “ultramoderno”. No governo Vargas, um belo projeto de educação popular acabou tomando por modelo as idéias de John Dewey, então muito celebrado na mídia dos EUA como um grande inovador. Hoje sabe-se que Dewey foi, de fato, o destruidor da educação americana, que até então era a melhor do mundo. Dos anos 60 em diante – sim, já em pleno governo militar – veio a moda do socioconstrutivismo, adornado com os nomes de Jean Piaget, Emilia Ferrero, Vigotsky e não sei mais quantos.
Há meio século a aplicação dessa teoria insensata vem embrutecendo a inteligência das nossas crianças com uma constância admirável, ao mesmo tempo que a expansão triunfal do número de escolas e o controle cada vez mais centralizado da educação nacional levam a democratização da inépcia aos rincões mais afastados e às populações mais pobres. Com muita coerência aliás, o sr. Almeida prefere culpar por isso os jesuítas do tempo do Brasil-Colônia em vez de enxergar o que está acontecendo bem diante do seu nariz.
E por que acontecem essas coisas? Porque a elite inculta se deixa levar pela mídia e pelos prestígios fosfóricos do dia em vez de examinar e testar, e acaba somando erros e desastres com uma persistência obscena.
Quem nota esse fenômeno não pode deixar de concluir que o problema do Brasil é precisamente o inverso daquele apontado pelo sr. Almeida: em vez de educar somente a elite sem dar atenção ao povo, temos tentado dar educação a todo o povo antes de ter uma elite qualificada para educá-lo, ou mesmo para examinar seriamente o problema da educação popular.
Quem quer que tenha lecionado ao menos por um dia percebe, imediatamente, que o processo educacional tem uma estrutura irradiante: primeiro você educa dez, que educam cem, que educam mil, que educam um milhão e assim por diante. Inverter essa ordem é como querer que os filhos gerem os pais. Os governos deste país prometem educação a milhões antes de poder reunir dez educadores sérios para discutir como fazê-lo. Por que não formar os dez primeiro? E aqueles que objetem que isso é elitismo direitista deveriam antes ler Lênin e perguntar por que ele organizou primeiro a elite do Partido e depois a massa. Lênin sabia que o rabo não abana o cachorro.
Como quebrar o círculo vicioso de uma elite inculta guiada por palpiteiros tão ineptos quanto ela mesma?
Só há um jeito, no meu entender: criar, fora do sistema educacional, longe da grande mídia, longe dos prestígios consolidados, uma nova intelectualidade preparadíssima, sincera e, ademais, agressiva o bastante para, no momento devido, cortar as cabeças ocas, expulsar as vacas sagradas e começar a tratar dos problemas com seriedade.
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Não por coincidência, é por isso mesmo que, em geral, acho inútil ficar “tomando posição”, a cada momento, ante os descalabros do dia. Pois já não sabemos de onde, em última análise, provêm todos eles? Não sabemos que, por trás de tudo de mau que acontece neste país, está a ignorância pomposa e irresponsável de uma elite que só dá ouvidos a medalhões ainda mais ignorantes, pomposos e irresponsáveis? Para que ficar criticando políticos de alta rotatividade se sabemos que um só pseudo-intelectual basta para gerar milhares deles e substituí-los por outros piores a cada dez ou quinze anos? Para que ficar tentando matar baratas pelo método de jogar uma naftalina na cabeça de cada uma que aparece? O que é preciso é armar umas quantas centenas de jovens com um spray intelectual capaz de, amanhã ou depois, sanear o ambiente.
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Mudando de assunto: a revista alemã Spiegel está chamando os EUA de “United Stasi of America”. Stasi era a polícia secreta da Alemanha Oriental, comunista. Depois de instituir o grampo universal que resultou no maior vazamento de informações de todos os tempos, o sr. Barack Hussein Obama quer agora que todos os funcionários públicos se espionem obrigatoriamente uns aos outros. É uma idéia que já aparece em Maquiavel, no seu projeto da “Terceira Roma” – a tirania indestrutível.
Publicado no Diário do Comércio.
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