Vou começar este artigo com uma piada que certa vez ouvi
do nosso querido humorista Didi: “era uma vez um homem que, tendo sofrido uma
queda em frente a uma estrada de ferro, e tendo percebido que sua mão direita estava
sobre um dos trilhos enquanto a composição avançava em sua direção, tomou uma
atitude salvadora: rapidamente, puxou a mão direita e colocou a esquerda”.
O que sujeito acima fez serve bem para descrever o
recente movimento Saúde +10, cuja proposta é aprovar uma lei que obrigará a
União a destinar 10% do seu orçamento para a saúde. Este movimento tem
ressurgido depois de uma fase em estado latente como resposta às desastradas
medidas anunciadas pelo governo federal de importar médicos estrangeiros e
obrigar nacionais recém-formados a trabalharem no SUS por dois anos. No
entanto, o que podemos vislumbrar, caso se consagre bem-sucedido, é de qualquer
maneira um aumento da estatização da saúde, com todas as conseqüências negativas
que toda a boa teoria econômica demonstra e a farta historiografia relata.
Em consulta pela internet, pude constatar que muitas
entidades já se posicionaram favoráveis à ideia, entre elas a OAB, os diversos
Conselhos de Classe das áreas da saúde, os respectivos sindicatos das
categorias e partidos políticos como o PMDB e o PSD de Gilberto Kassab, ex-Dem,
antigo PFL (para quem não se lembra, “Partido da Frente Liberal”).
Quanto a partidos políticos promoverem tal sugestão, nada
a dizer, eis que fazem o que se lhes cabe. Quanto à OAB e os Conselhos
Federais, reputo como um autêntico caso de prevaricação e usurpação dos
direitos políticos individuais dos profissionais. Já disse e repito,
didaticamente: se um profissional, para exercer a profissão, é obrigado a estar
inscrito na sua respectiva entidade de classe e ela se posiciona politicamente
sem o seu consentimento, então temos aí um caso de falsidade ideológica. Será
que todos e cada um desses profissionais automaticamente endossam as posições
políticas que a cúpula dessas instituições decide adotar e militar em favor?
Quanto aos sindicatos de trabalhadores, que também
igualmente sequestram os direitos políticos dos seus integrantes e agem com
desvio de finalidade, eis que nos regimentos de todas estas organizações
freqüentemente constam cláusulas proibitivas de envolvimento em causas
políticas e/ou partidárias, há um componente adicional: os seus dirigentes
defendem maiores investimentos na área da saúde com vistas a aumentarem as suas
respectivas parcelas de poder e influência.
Agora, por que 10%? Por que não 9% ou 11%? O que vale
mais? 10% do orçamento do governo federal brasileiro, ou 1% do governo japonês
ou 90% do nigeriano? A verdadeira resposta é esta: porque ninguém sabe a razão
e porque não há nenhum estudo sério que indique ser esta a parcela ideal para
investir em saúde. Em suma: não passa de um chute! Trata-se de uma opinião
absolutamente política e, portanto, completamente desassociada de qualquer boa
teoria e prática em gestão.
Fazendo uso do meu próprio caso como exemplo, desconsiderando
os descontos em nossos contracheques para a Previdência Social, não chegamos,
eu e minha mulher, a gastarmos 10% do nosso orçamento familiar com a
contratação de nosso plano de saúde, que representa algo como 6 a 7%, não muito
diferente, portanto, do que o governo federal aplica. Seria mesmo um
despropósito gastar mais nisto e deixar a descoberto outras de nossas
necessidades.
Um bom administrador público há de investir o necessário
para o funcionamento a contento do aparato estatal de serviços de saúde, e isto
pode vir a significar, eventualmente, 7% ou 15% do orçamento. O que importa
aqui dizer é que as aplicações em todas as áreas atribuídas ao estado deverão
ser realizadas de modo a fornecerem os melhores serviços dentro das
possibilidades com os recursos totais existentes.
Apenas supondo que, bem aplicados os recursos, haja
sobras, que não mais poderão ser aplicadas em outras áreas como, por exemplo, a
segurança pública ou o saneamento básico, ou ainda, nas estradas, o que se terá
por resultado, além do esbanjamento em despesas desnecessárias, será uma piora
geral da qualidade de vida da população, o que acarretará inclusive no aumento
da própria demanda por serviços de saúde! Basta imaginar que mais pessoas
poderão sofrer ferimentos por terem sido assaltadas, que poderão contrair
doenças por valas descobertas ou sofrer acidentes por estradas em péssimas
condições ou ainda, que os custos de todos os implementos de saúde ficarão mais
caros, pois o transporte ficará mais lento, inseguro e custoso.
Um dos maiores exemplos da irracionalidade na aplicação
do dinheiro público está no setor judiciário, que vem torrando dinheiro em
edifícios nababescos e regalias afrontosas, e todos sabemos que os serviços
judiciários não têm melhorado nem um pouco, a despeito do seu generoso
orçamento. O historiador Marco Antonio Villa tem nos alertado sobre este
fenômeno que retrata o já completo divórcio entre aquele poder e o Brasil de
verdade, pelo que sugiro pelo dois de seus excelentes artigos: Triste
Judiciário e STJ:
Eles estão de brincadeira.
Vamos agora recordar dos casos recorrentes de falta de
médicos e de médicos que faltam; de falta de remédios e de lotes gigantescos de
remédios que são encontrados em depósitos ou postos para destruição por
vencimento do prazo de validade; de hospitais, alas e equipamentos completos
que jamais foram usados, bem como postos de saúde e hospitais que são
construídos pelos novos governos eleitos enquanto os já existentes são entregues
às baratas porque eram “filhotes” de seus adversários políticos.
Se os políticos são pródigos, os ladrões, insaciáveis e
os gestores públicos, incompetentes com o atual orçamento, deveremos premiá-los
dobrando as verbas a eles confiadas?
Ainda: ao contrário do SUS, meu plano de saúde privado não
cobre cirurgias plásticas além das reparativas, nem cobre tratamentos para
vícios em drogas e álcool, o que acho muito correto, pois de outra forma eu
estaria pagando pelo que não vou usar.
Além disso, como firmado em contrato, há cláusulas
limitadoras para o uso dos serviços, tal como, por exemplo, realizar
tomografias ou ressonâncias uma vez por ano (salvo engano). Eu não sei se,
segundo os mais exatos cálculos atuariais, tais cláusulas estão bem
dimensionadas, mas pelo menos existe alguma forma de incentivo ao uso austero
do programa, de forma a manter o equilíbrio econômico-financeiro do sistema. Com
o SUS, entretanto, tal limitação não existe e a verdade é que, para tudo o que
é gratuito, a demanda tenderá a crescer rumo ao infinito.
Por fim, há um dilema de difícil solução quando se
escolhe a via estatista: Hoje, cerca de 25% da população contrata planos de
saúde privados, tendo movimentado em 2012 um montante de quase 75 bilhões de
reais. Há apenas dez anos atrás eram aproximadamente 17%. Imaginemos o que deverá acontecer caso um
amplo e, digamos, desta vez satisfatório sistema de saúde público seja
oferecido a toda a população: quantas pessoas deverão deixar de produzir
riqueza e gerar impostos para entrarem nas contas de despesa do governo, ao
abandonarem seus planos de saúde privados? Vejam bem: cada um que fizer isto,
representará um duplo ônus para o governo: deixará de participar da cadeia
produtiva e engrossará as contas de despesas!
A única solução viável
para a questão da saúde pública é liberar as forças produtivas para continuarem
fazendo o que já fazem razoavelmente bem, de modo que os brasileiros sigam
contratando cada vez mais planos de saúde privados, e circunscrever o
atendimento médico público às camadas mais pobres da população, enquanto não
forem capazes de arcar por si próprias.
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