sábado, 27 de julho de 2013

Saúde +10: Solução ou Armadilha?


 Por Klauber Cristofen Pires

Vamos premiar os ladrões, os pródigos e os incompetentes dobrando os recursos à sua disposição?


Vou começar este artigo com uma piada que certa vez ouvi do nosso querido humorista Didi: “era uma vez um homem que, tendo sofrido uma queda em frente a uma estrada de ferro, e tendo percebido que sua mão direita estava sobre um dos trilhos enquanto a composição avançava em sua direção, tomou uma atitude salvadora: rapidamente, puxou a mão direita e colocou a esquerda”.

O que sujeito acima fez serve bem para descrever o recente movimento Saúde +10, cuja proposta é aprovar uma lei que obrigará a União a destinar 10% do seu orçamento para a saúde. Este movimento tem ressurgido depois de uma fase em estado latente como resposta às desastradas medidas anunciadas pelo governo federal de importar médicos estrangeiros e obrigar nacionais recém-formados a trabalharem no SUS por dois anos. No entanto, o que podemos vislumbrar, caso se consagre bem-sucedido, é de qualquer maneira um aumento da estatização da saúde, com todas as conseqüências negativas que toda a boa teoria econômica demonstra e a farta historiografia relata.

Em consulta pela internet, pude constatar que muitas entidades já se posicionaram favoráveis à ideia, entre elas a OAB, os diversos Conselhos de Classe das áreas da saúde, os respectivos sindicatos das categorias e partidos políticos como o PMDB e o PSD de Gilberto Kassab, ex-Dem, antigo PFL (para quem não se lembra, “Partido da Frente Liberal”).
Quanto a partidos políticos promoverem tal sugestão, nada a dizer, eis que fazem o que se lhes cabe. Quanto à OAB e os Conselhos Federais, reputo como um autêntico caso de prevaricação e usurpação dos direitos políticos individuais dos profissionais. Já disse e repito, didaticamente: se um profissional, para exercer a profissão, é obrigado a estar inscrito na sua respectiva entidade de classe e ela se posiciona politicamente sem o seu consentimento, então temos aí um caso de falsidade ideológica. Será que todos e cada um desses profissionais automaticamente endossam as posições políticas que a cúpula dessas instituições decide adotar e militar em favor?

Quanto aos sindicatos de trabalhadores, que também igualmente sequestram os direitos políticos dos seus integrantes e agem com desvio de finalidade, eis que nos regimentos de todas estas organizações freqüentemente constam cláusulas proibitivas de envolvimento em causas políticas e/ou partidárias, há um componente adicional: os seus dirigentes defendem maiores investimentos na área da saúde com vistas a aumentarem as suas respectivas parcelas de poder e influência.

Agora, por que 10%? Por que não 9% ou 11%? O que vale mais? 10% do orçamento do governo federal brasileiro, ou 1% do governo japonês ou 90% do nigeriano? A verdadeira resposta é esta: porque ninguém sabe a razão e porque não há nenhum estudo sério que indique ser esta a parcela ideal para investir em saúde. Em suma: não passa de um chute! Trata-se de uma opinião absolutamente política e, portanto, completamente desassociada de qualquer boa teoria e prática em gestão.

Fazendo uso do meu próprio caso como exemplo, desconsiderando os descontos em nossos contracheques para a Previdência Social, não chegamos, eu e minha mulher, a gastarmos 10% do nosso orçamento familiar com a contratação de nosso plano de saúde, que representa algo como 6 a 7%, não muito diferente, portanto, do que o governo federal aplica. Seria mesmo um despropósito gastar mais nisto e deixar a descoberto outras de nossas necessidades.

Um bom administrador público há de investir o necessário para o funcionamento a contento do aparato estatal de serviços de saúde, e isto pode vir a significar, eventualmente, 7% ou 15% do orçamento. O que importa aqui dizer é que as aplicações em todas as áreas atribuídas ao estado deverão ser realizadas de modo a fornecerem os melhores serviços dentro das possibilidades com os recursos totais existentes. 

Apenas supondo que, bem aplicados os recursos, haja sobras, que não mais poderão ser aplicadas em outras áreas como, por exemplo, a segurança pública ou o saneamento básico, ou ainda, nas estradas, o que se terá por resultado, além do esbanjamento em despesas desnecessárias, será uma piora geral da qualidade de vida da população, o que acarretará inclusive no aumento da própria demanda por serviços de saúde! Basta imaginar que mais pessoas poderão sofrer ferimentos por terem sido assaltadas, que poderão contrair doenças por valas descobertas ou sofrer acidentes por estradas em péssimas condições ou ainda, que os custos de todos os implementos de saúde ficarão mais caros, pois o transporte ficará mais lento, inseguro e custoso.

Um dos maiores exemplos da irracionalidade na aplicação do dinheiro público está no setor judiciário, que vem torrando dinheiro em edifícios nababescos e regalias afrontosas, e todos sabemos que os serviços judiciários não têm melhorado nem um pouco, a despeito do seu generoso orçamento. O historiador Marco Antonio Villa tem nos alertado sobre este fenômeno que retrata o já completo divórcio entre aquele poder e o Brasil de verdade, pelo que sugiro pelo dois de seus excelentes artigos: Triste Judiciário e STJ: Eles estão de brincadeira.

Vamos agora recordar dos casos recorrentes de falta de médicos e de médicos que faltam; de falta de remédios e de lotes gigantescos de remédios que são encontrados em depósitos ou postos para destruição por vencimento do prazo de validade; de hospitais, alas e equipamentos completos que jamais foram usados, bem como postos de saúde e hospitais que são construídos pelos novos governos eleitos enquanto os já existentes são entregues às baratas porque eram “filhotes” de seus adversários políticos.

Se os políticos são pródigos, os ladrões, insaciáveis e os gestores públicos, incompetentes com o atual orçamento, deveremos premiá-los dobrando as verbas a eles confiadas?
Ainda: ao contrário do SUS, meu plano de saúde privado não cobre cirurgias plásticas além das reparativas, nem cobre tratamentos para vícios em drogas e álcool, o que acho muito correto, pois de outra forma eu estaria pagando pelo que não vou usar.

Além disso, como firmado em contrato, há cláusulas limitadoras para o uso dos serviços, tal como, por exemplo, realizar tomografias ou ressonâncias uma vez por ano (salvo engano). Eu não sei se, segundo os mais exatos cálculos atuariais, tais cláusulas estão bem dimensionadas, mas pelo menos existe alguma forma de incentivo ao uso austero do programa, de forma a manter o equilíbrio econômico-financeiro do sistema. Com o SUS, entretanto, tal limitação não existe e a verdade é que, para tudo o que é gratuito, a demanda tenderá a crescer rumo ao infinito.

Por fim, há um dilema de difícil solução quando se escolhe a via estatista: Hoje, cerca de 25% da população contrata planos de saúde privados, tendo movimentado em 2012 um montante de quase 75 bilhões de reais. Há apenas dez anos atrás eram aproximadamente 17%. Imaginemos o que deverá acontecer caso um amplo e, digamos, desta vez satisfatório sistema de saúde público seja oferecido a toda a população: quantas pessoas deverão deixar de produzir riqueza e gerar impostos para entrarem nas contas de despesa do governo, ao abandonarem seus planos de saúde privados? Vejam bem: cada um que fizer isto, representará um duplo ônus para o governo: deixará de participar da cadeia produtiva e engrossará as contas de despesas!

A única solução viável para a questão da saúde pública é liberar as forças produtivas para continuarem fazendo o que já fazem razoavelmente bem, de modo que os brasileiros sigam contratando cada vez mais planos de saúde privados, e circunscrever o atendimento médico público às camadas mais pobres da população, enquanto não forem capazes de arcar por si próprias. 

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