A quem ainda não ocorreu perceber, talvez seja oportuno explicar porque não faço uso de alguns termos comuns ao léxico liberal. Indivíduo, por exemplo. A palavra, importada da Física, até que guarda alguma correspondência com o ser humano, até porque este é realmente indivisível, ao passo que o átomo não. Ainda assim, sempre senti a necessidade de um termo mais próprio. Ser humano não serve, pois guarda um sentido mais propriamente biológico. Assim, passei a adotar a palavra "pessoa". Uma pessoa, "pessoa"; duas ou mais pessoas, "pessoas"...
O vocábulo mais apropriado permite me referir não somente ao lado físico, biológico, mas dar-lhe um caráter de dignidade humana, de respeito aos direitos e escolhas que todos podemos fazer. O interessante disto é que, ato contínuo, ao contemplarmos a figura de uma "pessoa", a simples idéia de apresentar a doutrina liberal como uma mera troca de interesses comerciais já se apresenta como deficiente. Isto ocorre porque os mercados não encerram todas as possibilidades de interação que podem ser vistas - e quem sabe futuramente criadas - dentro de uma..."sociedade livre"!
Eis o ponto: Serão os clubes e associações entidades ligadas ao mercado? As ações protagonizadas pela arregimentação de pessoas das mais diferentes origens - digamos - para o Dia de Liberdade de Impostos" configuram um ato de comércio? Padres e poetas e até mesmo alguns cientistas trabalham em busca de lucro? Será o casamento -pelo menos fundamentalmente - um contrato?
Uma verdadeira doutrina liberal não pode descuidar destes fenômenos da vida, justamente quando tem por premissa básica o repúdio aos atos de agressão externa. A propriedade privada, portanto, tem como função dirimir conflitos, evitar os atos agressivos cometidos por uma pessoa ou um grupo contra outras pessoas ou grupos e com isto, garantir a liberdade de cada um para fazer as melhores escolhas para si, seja comerciar produtos e serviços, seja dar a sua vida em prol do próximo ou até mesmo passar a sua vida em permanente contemplação.
Neste ponto, cometem em erro os liberais que acabam por emprestar ao objeto de suas atenções uma expressão por demais econômica, assim como também os conservadores que enxergam nesta espécie de liberais os porta-vozes de todos os demais, bem como também por frequentemente se arrostarem a proclamar a própria religião como a única verdadeira.
Discutir sobre religião vem bem a calhar neste momento, se nos detivermos agora no fato de que alguns (ou muitos?) liberais são ateus. É um vício recorrente "puxar a sardinha" para as convicções pessoais e assim elaborar enunciados como se fossem verdades universais. O problema é quando os outros não aceitam participar deste estatuto nos termos em que se apresenta. E eu sou um deles.
Tem havido ultimamente uma certa guerra de trincheiras em que, de um lado, os conservadores clamam pela extinção do estado laico, e por outro, de sedizentes liberais que abortam qualquer argumento ou conhecimento de fundo espiritual.
Eu disse que falaria de religião, mas enganei o leitor: na verdade, venho falar de direito. Venho falar do direito de pensar, viver e agir de acordo com a minha religião, e do meu correspondente dever de respeitar igual direito às demais pessoas. Quem, neste ponto, concordar comigo, haverá de aceitar a manutenção de um estado laico para que este fim se concretize.
Há um problema, porém. Melhor, não um problema, mas uma contra-indicação: o instituto de um estado leigo, isento e imparcial somente pode existir em face de uma sociedade plenamente livre, isto é, de um estado mínimo. Qualquer atribuição que se lhe delegue resultará em entregar-lhe o que deve ser cuidado sob os requisitos do laicismo. Progresivamente, por esta mesma razão, "laicismo" acaba se tornando "ateísmo" ou pior: "ateísmo oficial", por basicamente ocupar todas as instâncias da vida que deveriam viger sob o critério da escolha de cada pessoa.
Eu creio, como um liberal, que todos os aspectos da vida podem muito bem ser experimentados dentro de uma cosmovisão plena de espiritualidade, desde quando tenhamos a necessária liberdade para tanto, e desde quando uns não tentem impor aos demais as suas próprias convicções ou praticarem qualquer outro ato de agressão. Toda a sociedade pode praticar a religião e todos os cidadãos podem conviver pacificamente de acordo com os seus valores de forma absolutamente independente de um estado laico e mínimo.
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