É salutar que o Estado tenha a subsidiariedade como princípio, e quando à luz deste princípio se legitimar a intervenção estatal na sociedade, as escolhas devem ser tomadas com a máxima precaução, tendo em vista a preservação da liberdade e da autonomia dos indivíduos e das comunidades menores.
Monografia de graduação em Direito público apresentada como requisito parcial para o Setor de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Orientador: Prof. Rodrigo Luíz Kanayama
Por Felipe Pudell Sobreira - Curitiba, 2009
RESUMO
A
efetivação dos direitos fundamentais depende de algumas posturas do
Estado Democrático de Direito. Ora pressupõe uma omissão do
Estado, ora uma prestação. Contudo, não constitui tarefa fácil a
identificação dos direitos fundamentais, sobretudo do seu núcleo
essencial, que deve permanecer intocável nas mais variadas
situações.
Tendo em vista
a manutenção e a promoção dos Direitos Fundamentais, o Estado há
que se organizar de modo a não sacrificar alguns deles em favor de
outros. Também é perigosa a tendência de chamar de direito
fundamental aquilo que não o é em substância.
Com o escopo de
resguardar a efetividade dos direitos fundamentais, o Estado deve se
organizar de forma a atender as necessidades dos indivíduos e da
comunidade, sem, todavia, sacrificar um em relação ao outro. Vêm à
baila, então, os princípios da reserva do possível e da
subsidiariedade para orientar a organização estatal e a aplicação
dos direitos fundamentais, tendo como foco os requisitos e
pressupostos que tornem possíveis a sua manutenção e a sua
evolução.
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO................................................................................................. 07
2.
TEORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS.................................................... 09
2.1
Explanação
Histórica.......................................................................................
10
2.2
Conceitos e classificações dos direitos
fundamentais..................................... 14
2.2.1
Caráter objetivo e subjetivo dos direitos fundamentais
.............................. 15
2.2.2
Os status de
Jellinek e sua contribuição para o estudo dos direitos
fundamentais..........................................................................................................16
2.2.3
Gerações ou Dimensões dos direitos
fundamentais.....................................18
2.3
Direito ao Mínimo Existencial e o Núcleo Essencial dos Direitos
Fundamentais........................................................................................................
20
2.3.1
O núcleo essencial dos direitos
fundamentais.............................................. 21
2.3.2
O mínimo existencial e os direitos fundamentais sociais
............................. 24
2.4
Os deveres fundamentais: a face oculta dos direitos
fundamentais................ 25
3.
ANÁLISE CRÍTICA DO
ESTADO CONTEMPORÂNEO E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
.................................................................................................
28
3.1
do Estado Liberal ao Estado Social
................................................................ 32
3.2
Os impasses do Estado Social e
do Estado Fiscal Contemporâneo............... 38
3.2.1
O Estado Social
Insustentável......................................................................
38
3.2.2
O Estado
Fiscal.............................................................................................
41
3.3
Impasses do Estado Contemporâneo à luz dos Direitos
Fundamentais..........45
3.3.1
Considerações sobre a Intervenção do Estado na
Sociedade..................... 45
3.3.2
Análise crítica sobre a situação atual dos Direitos Fundamentais
.............. 48
4.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E DA RESERVA DO POSSÍVEL COMO
PRESSUPOSTOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...52
4.1
O Princípio da
Subsidiariedade........................................................................
52
4.2
O Princípio da Reserva do Possível e os Custos dos
Direitos........................ 59
4.3
A Efetivação dos Direitos Fundamentais conformada à realidade
concreta... 62
4.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS....................................................................................
5
CONCLUSÃO……………………………………………………………………….
68
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS………………………………………………….
70
- INTRODUÇÃO
Nada é mais amplo no Direito
Constitucional que abordar a temática dos Direitos Fundamentais. São
múltiplas as perspectivas, inúmeras as possibilidades. Seria
redundante afirmar que tal fato decorre da importância que seus
elementos têm para o Direito e para o desenvolvimento da sociedade.
Antes é oportuno salientar que se trata de um tema bastante
maleável, no sentido de que interage necessariamente com variados
ramos do conhecimento.
A presente monografia trata dos
Direitos Fundamentais em sua teoria geral, sem eleger qualquer
direito em espécie. Visa a introduzir dois princípios que, de uma
forma ou de outra, condicionam a efetivação dos direitos
fundamentais. Os princípios da reserva do possível e da
subsidiariedade buscam confrontar os direitos fundamentais à
realidade social, política e econômica características do atual
Estado Democrático de Direito.
Antes da exposição dos princípios,
há que se analisar alguns conceitos e estruturas dos direitos
fundamentais pertinentes ao desenvolvimento do tema. Tem-se em vista
estabelecer, ainda que não de modo taxativo, as principais
características identificadoras dos direitos fundamentais, o que
permitirá apontá-los independentemente da sua positivação no
texto da Constituição.
Após essa etapa, imperioso fazer uma
explanação crítica sobre a realidade social. Não particularmente
da realidade brasileira, mas, em termos genéricos, de algumas
tendências filosóficas, econômicas, políticas e jurídicas que
permeiam o pensamento contemporâneo no Ocidente. Busca-se apontar
equívocos que ensejaram – e que ensejam - prejuízos à efetivação
dos direitos fundamentais.
Por último,
cumpre abordar os princípios da reserva do possível e da
subsidiariedade, os quais serão tomados como princípios gerais e
norteadores da efetivação dos direitos fundamentais. Propugna-se
que a observância de ditos princípios são condições para a
efetivação dos direitos fundamentais, sobretudo quando se leva em
consideração a efetivação sistêmica nos ordenamentos jurídicos.
Cumpre
reafirmar, ainda, o caráter genérico deste trabalho. Desde logo,
frise-se que não tem o intento de achar soluções práticas e
imediatas para a aplicação de um ou de outro direito fundamental.
Seu mais ambicioso objetivo é o de ressaltar a importância de
alguns pressupostos para a efetivação dos direitos fundamentais.
Pressupostos tais que de modo algum se fundam em qualquer tipo de
novidade, mas, ao contrário, em alguns conceitos tão antigos e
noutros tão auto-evidentes – o que não quer dizer que sejam
inválidos - que já caíram em esquecimento para grande parte da
doutrina e da produção intelectual dos nossos tempos.
2.
TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
No contexto jurídico e político
contemporâneo, os direitos fundamentais passaram a protagonizar
teses e debates acadêmicos, a influenciar a jurisprudência e a
produção normativa no Brasil e no mundo. As teorias a respeito
ganharam tanto destaque quanto diversas nomenclaturas e conteúdos; o
mesmo sucedeu no tocante à sua aplicação e efetivação, bem como
às suas implicações jurídicas e extra-jurídicas – sociais,
políticas, econômicas.
Os direitos fundamentais não são
derivados do constitucionalismo, mas, antes dele, foram os que
possibilitaram a sua origem. A compreensão dos direitos fundamentais
é pressuposto para a compreensão do próprio Estado Moderno e
Constitucional. Nesse sentido, Ingo W. SARLET ensina que “a
história dos direitos fundamentais é também uma história que
desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional, cuja
essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na
proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais
do homem." 1.
A priori,
é imperioso traçar uma breve perspectiva histórica dos direitos
fundamentais, com o fito de edificá-los em seus principais conteúdos
e concepções e de situá-lo no atual contexto jurídico, político
e social.
Mais do que isso, é tão necessário
localizá-los nos diversos momentos históricos que se tornam
condição sine qua non para
a compreensão de sua própria natureza, das suas diversas fontes e
de suas formas de legitimação. A precisão conceitual e a
identificação dos direitos fundamentais só são passíveis de
apreensão se forem historicamente localizados e contextualizados.
Para tanto, faz-se imperioso tecer alguns comentários a respeito dos
direitos fundamentais sob o ponto de vista histórico.
- Explanação Histórica
Seria equivocada qualquer tentativa de
precisar o momento e o contexto em que surgiram os direitos
fundamentais2,
ao menos aqueles não positivados e não sistematizados num documento
político. Suas fontes são inúmeras e de momentos históricos
bastante diversos. Uma análise mais pormenorizada do assunto, embora
fosse desejável, não será possível, tendo em vista os objetivos
do presente trabalho. É oportuno, entretanto, recorrer a alguns
dentre muitos acontecimentos que marcaram, de alguma forma, o
desenvolvimento e a compreensão dos direitos fundamentais.
Embora de forma muito esparsa, é
possível identificar incipientes espécies de direitos fundamentais
na história antiga, sob diversos espectros. O Código de Hamurabi e
a Lei da XII Tábuas são exemplos de reconhecimento de alguns desses
direitos. Sob outra perspectiva, os Dez Mandamentos bíblicos, de
certo modo, já instituía alguns direitos, como o direito à vida,
correlato ao dever de não matar (sexto mandamento) ou à
propriedade, correspondendo ao dever de não roubar (sétimo
mandamento) e o de “não cobiçar a casa do próximo” (décimo
mandamento) 3.
Nesta esteira, Ingo W. SARLET salienta
que “[do] antigo testamento, herdamos a idéia de que o ser humano
representa o ponto culminante da criação divina, tendo sido feito à
imagem e semelhança de Deus. Da doutrina estóica greco-romana e do
cristianismo, advieram, por sua vez, as teses da unidade da
humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade (para os
Cristãos, perante Deus).” 4
Na idade média, merece especial
relevo a filosofia e a teologia desenvolvida por Santo Tomás de
AQUINO, que instituiu a concepção de direito natural, adotada e
desenvolvida ainda hoje por parte dos estudiosos e filósofos do
direito.
Predominava o entendimento segundo o
qual era permitido ao soberano editar leis, as quais, contudo, jamais
poderiam contrariar a ordem natural das coisas, ou seja, o direito
natural, proveniente de Deus. A lex
naturalis precedia o Estado
e qualquer forma de sociedade; uma vez fundada na vontade do Criador,
era eterna e imutável. Os indivíduos tinham os direitos naturais
como proteção contra abusos do Estado ou dos seus Senhores 5.
Afora o desenvolvimento da doutrina
judaico-cristã e da cultura greco-romana na Europa durante grande
parte da Idade Media6,
foram os ingleses os primeiros a institucionalizar os direitos
fundamentais, como sucedeu
com a criação da Magna
Charta, em 1215 ou da Bill
of Rights, do ano de 1688.
Tais textos, como bem professa José Afonso da Silva, “condicionaram
a formação de regras consuetudinárias de mais ampla proteção dos
direitos humanos fundamentais. Realmente a estabilidade e o sempre
firme desenvolvimento das instituições inglesas bastaram para
tornar ociosa uma lista maior das liberdades públicas.” 7
A edição da Magna
Charta Libertarum, na
Inglaterra, em
1215, pelo Rei João Sem-Terra, é tida pela doutrina como texto-base
para o desenvolvimento das liberdades públicas e da Democracia na
Inglaterra, cujo conteúdo gravitava ao redor de incipientes
liberdades individuais, tais como os direitos de liberdade de
locomoção (direito precursor do hábeas
corpus) e de respeito ao
que viria a ser o due
process of law.
A Declaração de Direitos (Bill
of Rights), considerada
como o documento mais importante para o constitucionalismo Inglês,
foi resultado da Revolução Gloriosa, ocorrida em 1688. Dela surgiu
a Monarquia Constitucional na Inglaterra, que, de acordo com as
lições de José Afonso da Silva, ficou “submetida à soberania
popular (superada a realeza de direito divino), que teve em Locke seu
principal teórico e que serviu de inspiração ideológica para os
movimentos para a formação das democracias liberais da Europa e da
América nos séculos XVIII e XIX.” 8
Indubitavelmente, o contexto sob o
qual emergiram os Estados Unidos da América, com sua declaração de
independência, bem como com a promulgação da primeira Constituição
moderna da história, serve como paradigma para o estudo e para a
compreensão da democracia e dos Direitos Fundamentais, sobretudo os
de primeira dimensão9.
As idéias de liberdade e de igualdade perante a lei entre todos os
cidadãos, tão aclamadas por pensadores europeus (Montesquieu,
Rousseau, Locke), ganharam tez pela primeira vez em solo
norte-americano.
Ainda preponderava a idéia de que
esses direitos eram eternos e imutáveis, fruto da percepção
racional do homem face à natureza. Consistiam em verdades
auto-evidentes e universais, postas pela natureza.10
Vê-se presente tal concepção no segundo parágrafo da Declaração
de Independência das Treze Colônias: “Nós temos essas verdades
como auto-evidentes, que todos os homens surgem iguais, que são
dotados pelo Criador com certos direitos inalienáveis, tais como a
vida, a liberdade e a busca da felicidade”11
A Constituição dos Estados Unidos,
promulgada em 1787, num primeiro momento, não adotou Direitos
Fundamentais, mas tão-somente normas organizacionais. Todavia,
alguns Estados-membros condicionaram a adoção da Constituição
caso nela se estabelecesse uma Carta de Direitos. Tal sucedeu com a
criação de 10 emendas até 1791, elaboradas por Thomas Jefferson e
James Madison12.
Esses direitos constituem até hoje a denominada Bill
of Rights do povo
americano.
As idéias que culminaram na
revolução americana, desde o começo do século XVIII, tiveram
origem no “Velho Continente” e já estavam sedimentadas no seio
da sociedade européia. A construção do Estado Liberal já estava
em curso na Inglaterra e na França, de sorte que é licito dizer que
a revolução francesa foi conseqüência de toda uma geração de
ideais promovidos pelos pensadores iluministas (Rosseau, Locke,
Hobbes) 13.
No contexto da revolução francesa,
surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de caráter mais abstrato e universalizante do que os direitos
colacionados na Constituição norte-americana. Por seu conteúdo
filosófico e por sua abrangência em relação às liberdades
individuais, a declaração francesa figurou como a principal fonte
de inspiração para o processo de constitucionalização do
ordenamento de diversos países nos séculos XIX e início do século
XX 14.
Na esteira dos ensinamentos de Manoel FERREIRA FILHO, a importância
dessa declaração advém do fato “de ter sido por um século e
meio o modelo por excelência das declarações, e ainda hoje merecer
o respeito e a reverência dos que se preocupam com a liberdade e os
direitos do Homem.” 15
No deslinde do século XIX,
verificou-se que grande parcela da sociedade não tinha acesso aos
direitos fundamentais ou pouco os exercia, sobretudo aquela que
compunha as chamadas classes trabalhadoras ou operárias. Os
socialistas utópicos e Karl Marx denunciavam recorrentes abusos
cometidos pela “burguesia” e a situação degradante a que se
submetiam os trabalhadores. Surgiu daí um sem número de movimentos
reivindicando, sobretudo, melhores condições de trabalho e outros
direitos sociais e econômicos, tendo em vista a aquisição mínima
de meios para subsistência e para uma “vida digna”.
Sob outro prisma do mesmo problema, no
ano de 1891, o Papa Leão XXIII fundou a “Doutrina Social da
Igreja”, consagrada pela encíclica Rerum
Novarum. Nela se condenou
abusos à dignidade dos trabalhadores e declarou que alguns direitos
sociais e econômicos são pressupostos para a vida digna do ser
humano.
Sob influência dessas doutrinas, mas
sem abandonar a garantia às liberdades individuais, foi promulgada,
na Alemanha, no ano de 1919, a Constituição de Weimar,
que reconhecia os direitos
sociais à proteção da família, à educação e ao trabalho. Não
foi a primeira a garantir os direitos sociais e econômicos, mas foi
a mais importante e influente da época16.
Conforme professa Antonio
E. Perez LUNO, a Constituição de Weimar serve como inspiração
para outras Cartas que visam conjugar os direitos fundamentais
individuais aos direitos sociais, econômicos e culturais.17
Em 1948, na esteira da criação da
ONU, foi publicada a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
que foi quando, segundo assinala Paulo Bonavides, “o humanismo
político da liberdade alcançou seu ponto mais alto no século XX.”
Além de enfatizar os direitos clássicos das liberdades, o documento
acrescentou alguns direitos sociais, tais como direito ao trabalho, à
saúde e à educação. A partir de então, a maioria das
Constituições na Europa e mundo afora acrescentou em seu corpo
alguns direitos sociais e econômicos. 18
2.2 Conceitos e classificações dos
direitos fundamentais
No tópico acima foi utilizada a
expressão “direitos fundamentais” em sentido amplo, para
designar tanto as raízes filosóficas e “teológicas” dos
direitos fundamentais quanto os direitos fundamentais e os direitos
humanos nas acepções modernas.
É de se notar que não há consenso
doutrinário quanto às designações de direitos fundamentais e de
direitos humanos. Antônio Perez Luño postula que a noção de
direitos humanos aparece com contornos mais amplos que a de direitos
fundamentais 19.
Os direitos fundamentais seriam, pois, direitos humanos positivados
nas Constituições.20
Os “Direitos Fundamentais” e o
“Estado de direito” estão umbilicalmente ligados, de tal sorte
que é lícito afirmar que um só existe na presença do outro, ou
seja, não há Estado de Direito sem Direitos Fundamentais, e não há
Direitos Fundamentais sem Estado de Direito. Antonio Perez
LUÑO explica que “[L]a concepción de los derechos fundamentales
determina, de este modo, la propria significación del poder público,
al existir uma íntima relación entre el papel asignado a tales
derechos y el modo de organizar y ejercer las funciones estatales.”21
2.2.1
Caráter objetivo e subjetivo dos direitos fundamentais
A um só tempo, os direitos
fundamentais consistem tanto em direitos subjetivos quanto elementos
essenciais à ordem constitucional objetiva. 22
Por um lado, Antonio Perez LUÑO
professa que direitos fundamentais, em sentido axiológico objetivo,
representam o resultado da manifestação entre as diversas forças
sociais, que tem como escopo realizar uma convergência de interesses
de modo a contemplar o bem comum. São os direitos fundamentais que
legitimam o Estado de Direito, ao passo que representam consenso
social sobre o valor de tais direitos23,
formam a base do ordenamento jurídico do Estado Democrático de
Direito. 24
Com efeito, tanto os cidadãos quanto
o Estado estão submetidos aos direitos fundamentais, sendo esta
relação imprescindível, de tal maneira que é pressuposto para que
o Estado carregue as qualificações “de Direito” e
“Democrático”.
Por outro lado, a dimensão subjetiva
dos direitos fundamentais denota um status
jurídico dos cidadãos,
seja no âmbito de suas relações com o Estado, seja no tocante às
relações estabelecidas entre si.25
Por sua vez, Gilmar MENDES explica que a face subjetiva dos direitos
fundamentais confere aos titulares o poder de pleitear certos
direitos aos órgãos competentes 26
2.2.2
Os status de
Jellinek e sua contribuição para o estudo dos direitos fundamentais
Dentre as mais
importantes classificações úteis à análise dos direitos
fundamentais figura a dos quatro status
dos direitos públicos subjetivos,
elaborada pelo jurista
alemão George Jellinek. Consistem, em síntese, nos tipos de
relações entre os indivíduos e o Estado. É imprescindível para
explicar, mormente, as liberdades públicas e definir a posição
jurídica dos indivíduos face o estado. 27
Tal teoria não abarca, contudo, os
direitos fundamentais coletivos e difusos, mas tão-só aqueles
direitos subjetivos – cuja titularidade é individual – a que o
Estado se vincula. 28
Trata antes da interação entre os indivíduos e o Estado, ora como
imposição da não intervenção estatal na esfera individual, ora
como obrigação da intervenção do Estado na esfera individual. 29
O primeiro status
não corresponde a propriamente a um direito fundamental, mas a
deveres dos indivíduos perante o Estado e sua subordinação ao
Poder Público. É o denominado status
subjectiones ou status
passivo,
que transfigura uma posição
passiva dos indivíduos em relação às normas emanadas do Estado. 30
Além do status
passivo, a teoria de
Jellinek é composta pelo status
negativus ou status
libertatis, que se
transfigura na pretensão de resistência à intervenção estatal;
pelo status positivus ou
pelo status civitatis, que,
grosso modo, são os direitos de prestações; e os direitos de
status activus,
consubstanciados, sobretudo, nos direitos políticos. 31
O status
negativus confere aos
indivíduos, por um lado, direito de resistência ou de defesa no
caso de ilegítima ação estatal, e limitam, por outro, a própria
possibilidades de ação do estado. O caráter negativo significa, em
síntese, uma obrigação de abstenção estatal. 32
O status libertatis, que
se consubstancia na garantia dos cidadãos à não intervenção por
parte do poder público em determinadas esferas -classicamente
particulares -, ou seja, nas palavras de Perez LUÑO, “comporta o
reconhecimento de uma esfera de liberdade individua; negativa dos
cidadãos “. 33
As liberdades comporiam o núcleo dos direitos da personalidade,
direitos esses inalienáveis e inerentes à dignidade do ser humano.
Neste ínterim,
a Constituição de 1988 assegura a todos os indivíduos o direito
fundamental à intimidade, no inciso X do art. 5, e à liberdade de
locomoção, no inciso LXVIII do mesmo artigo.
Os direitos de status
positivus são os direitos
sociais ou a prestações exigíveis do Estado. Por um lado, os
direitos fundamentais sociais obrigam o estado a agir de modo a
proporcionar condições materiais mínimas aos cidadãos. Por outro,
de forma simétrica, é direito dos indivíduos o de receber
prestações materiais ou imateriais do Estado. 34
Pois bem, o status civitatis
outorga faculdades e
poderes aos cidadãos para exercer pretensões face os poderes
públicos. 35
Como exemplo de direitos fundamentais que integram este status,
pode-se citar o “devido processo legal” (art. 5, LIV,
Constituição Federal) e a “inafastabilidade de apreciação
judicial” nos casos de lesão ou de ameaça de direito (art. 5,
XXXV, Constituição Federal).
Ademais, os direitos de status
activus são os direitos
dos indivíduos de intervir ou de agir ativamente na órbita estatal,
já consagrados nas primeiras constituições, com as cláusulas que
permitiam filiação partidária, o direito ao sufrágio e o de ter
acesso à prestação de contas por parte do Estado. 36
2.2.3
Gerações ou Dimensões dos direitos fundamentais
Dentre as mais tradicionais
classificações figura aquela que divide os direitos fundamentais em
três gerações ou dimensões que, a
priori, correspondem a três
momentos históricos distintos, mas unidos pelos três principais
valores da Revolução Francesa: liberté,
egalité e fraternité.
Os direitos fundamentais de primeira
geração seriam as liberdades públicas, adotadas pelas
constituições a partir das Constituições francesa e americana. Os
direitos de segunda geração seriam os direitos sociais,
reconhecidos a partir da Constituição de Weimar
e após a Crise de 1929. Os
de terceira geração os direitos fundamentais de solidariedade,
adotados pelas Constituições após a segunda guerra mundial37.
Os primeiros corresponderiam aos direitos relativos à liberdade; os
segundos, à igualdade; os terceiros, à solidariedade; correlatos,
portanto, aos três lemas da revolução francesa, já citados no
parágrafo acima.
Esta classificação, entretanto, não
é imune às críticas. Em primeiro lugar, consiste em equívoco
entendimento segundo o qual as Constituições e as declarações do
século XIX não contemplavam direito sociais. A Constituição
imperial de 1824, por exemplo, assegurava gratuidade da “instrução
primária” e os “socorros públicos”, colacionados no artigo
179, XXXI e XXXII.38
Na mesma seara, Ricardo Lobo TORRES
aponta que, na Inglaterra do séc. XIX, sob a égide do
frequentemente esteriotipado Estado Liberal Clássico, era presente a
discussão acerca da assistência social aos pobres e aos indigentes,
que se transfigurava sob a forma de imunidades tributárias, e que
também deu ensejo ao Poor
Law Ammendment Atc, de
1834. 39
É de esclarecer que o fato dos
direitos sociais terem sido ampliados e mais largamente adotados a
partir da primeira guerra mundial não implica em dizer que eram
inexistentes. Foram adotados, ao longo da história, com menor ou
maior ênfase, ocuparam menor ou maior parte das políticas públicas,
mas desde as primeiras constituições já se faziam presentes. O que
ocorreu é que houve mudança quantitativa do que já existia na
aplicação dos direitos sociais após a Segunda Guerra. 40
2.3
Direito ao Mínimo Existencial e o Núcleo Essencial dos Direitos
Fundamentais.
A compreensão dos conceitos de mínimo
existencial e de núcleo essencial dos direitos fundamentais é
necessária para dimensionar a amplitude e a extensão da efetivação
dos Direitos Fundamentais. Questões polêmicas têm-se levantado em
torno do tema, sobretudo quando se discute as diferenças na
mensuração entre os direitos fundamentais individuais e os sociais.
O mínimo existencial consiste nas
condições mínimas de vida e de dignidade intrínsecas e
invioláveis a todo ser humano, em face das quais o Estado se obriga,
a um só tempo, a não intervir na esfera privada dos indivíduos e a
prover prestações positivas aos que se encontram em condições
vitais aquém do exigível. 41
Ricardo Lobo TORRES salienta que o
mínimo existencial tem caráter pré-constitucional, e fundamenta-se
nas idéias de liberdade, de igualdade, da própria justiça e de
dignidade humana. 42
Liga-se à idéia de condições materiais mínimas para uma vida
digna.
Nesta toada, há que ressaltar que a
pobreza e a miséria podem assumir conotações diversas, pois
consistem em definições imprecisas, subjetivas e maleáveis.
Diferir uma da outra é, contudo, pressuposto necessário para
especificar as ocasiões e as condições de vida que justificam a
incidência do mínimo existencial, sobretudo em relação aos
direitos fundamentais sociais de status
positivo ou
prestacionais.
É certo que, em essência, o mínimo
existencial é objeto de análise do direito constitucional e é
umbilicalmente conectado aos direitos fundamentais. Mas também
constitui foco de estudo dos demais subsistemas jurídico, como o do
direito orçamentário, do direito previdenciário, do direito
tributário. 43
Afora o Direito Constitucional propriamente dito, são esses diversos
ramos do direito que estabelecem normas para a concretização do
mínimo existencial, ou então, para a efetivação dos direitos
fundamentais, muitas das quais não facilmente perceptíveis aos
nossos olhos. 44
De resto, faz-se mister esclarecer
que o mínimo existencial não consiste em valor nem em princípio,
mas antes em regra. O que ocorre é que é tocado por diversos
valores, como o da justiça, o da solidariedade, o da liberdade.
Também é imponderável, pois constitui o núcleo essencial dos
direitos fundamentais, que são irredutíveis. 45
2.3.1
O núcleo essencial dos direitos fundamentais
O núcleo essencial dos direitos
fundamentais, conceito originário da doutrina alemã, transfigura-se
em limites à atuação estatal –em especial a legiferante- no
âmbito de proteção desses direitos e na restrição aos limites a
eles impostos (limite dos limites). Tornam-nos irredutíveis,
intocáveis, protegidos em sua essência e em sua substância. 46
Admitindo-se que os direitos
fundamentais são limitáveis, tendo em vista algumas restrições
impostas pelas leis ou pelos próprios direitos fundamentais, faz-se
necessário estabelecer o âmbito de proteção dos direitos
fundamentais. Significa dizer que as limitações aos direitos
fundamentais possuem limites. Daí a importância da figura do núcleo
essencial de proteção dos direitos fundamentais. 47
Nem os legisladores, tampouco os
aplicadores do direito, podem amputar tais limites, ou estes “limites
dos limites”, que devem manter incólume o núcleo essencial,
protegido de toda sorte de restrições. A proteção do núcleo
essencial é o que caracteriza os limites apenas como limites, e,
quando descartado esse núcleo essencial, verifica-se a supressão
dos direitos fundamentais.
São duas as teorias que tem por
objetivo definir a natureza do núcleo essencial dos direitos
fundamentais: a teoria absoluta e a teoria relativa. Segundo Ricardo
Lobo TORRES, as normas de direitos fundamentais referente à primeira
teoria representariam regras, imponderáveis portanto; já as da
segunda teoria teriam a configuração de princípios, ponderáveis,
por conseguinte. 48
A primeira postula que o núcleo
essencial dos direitos fundamentais é substrato autônomo e
independente, pouco importando sua análise no caso concreto. Estaria
a salvo de toda e qualquer intervenção legislativa que visasse
afasta-lo. O direito fundamental em questão, portanto, seria, em
numa parte, suscetível de limitação e, na outra, protegido de
qualquer restrição legislativa.49
Antônio Perez LUNO destaca que se tem
em vista a natureza jurídica do direito fundamental, preexistente à
atividade legislativa. Verifica-se, neste passo, a compatibilidade da
lei produzida pelo legislador e o direito fundamental in
abstrato .50
A segunda teoria defende que a
proteção do núcleo essencial seria fruto de ponderação entre
meios e fins, sendo definidos de acordo com as contingências do caso
concreto em cotejo e tendo como base, para tanto, os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, o núcleo essencial só
é passível de ser encontrado diante desse processo de ponderação
e teria caráter meramente declaratório. 51
Nesta esteira, Antonio Perez LUNO
destaca que esta teoria trata dos interesses juridicamente protegidos
em cada caso, na medida em que à lei é defeso ultrapassar os
limites razoáveis na matéria correspondente ao direito fundamental
em questão. 52
Segundo Gilmar MENDES, ambas as
teorias apresentam seus equívocos. Por um lado, a materialidade do
núcleo essencial defendida pelos adeptos da teoria absolutista seria
dificilmente definível, pelo excesso de abstração. Em decorrência
disto, restar-se-ia sempre presente o risco de esvaziamento do
conteúdo do núcleo essencial a ser protegido, por ser demais
intangível.
Por outro lado, a teoria relativa
poderia proporcionar excessiva flexibilidade aos direitos
fundamentais, o que poderia afastar a importância dos direitos
fundamentais do foco central do Direito Constitucional. 53
Ricardo Lobo TORRES assevera que “[...]A garantia do conteúdo
essencial se reduz ao princípio da proporcionalidade.” 54
Faz-se oportuno salientar que a
definição do núcleo essencial dos direitos fundamentais, embora
seja matéria por demais divergente na atual doutrina do Direito
Constitucional, constitui tema de primeira importância no estudo e
na efetivação dos direitos fundamentais. Até porque, segundo
Antonio Perez LUNO, os métodos de delimitar o núcleo essencial não
são alternativos, mas podem ser considerados complementares, de modo
que, ao confrontarem com todos os direitos nos casos concretos, podem
ser conjuntamente utilizados, para que se contraste uma ou outra via
a que se poderia chegar. 55
2.3.2
O mínimo existencial e os direitos fundamentais sociais
A efetivação dos direitos
fundamentais sociais constitui foco central nas teorias dos direitos
fundamentais. Já não são considerados, como em outrora, como
normas programáticas, fato que abriu espaço para toda sorte de
teorias –muitas das quais antagônicas entre si- sobre seus modos
de aplicação e de efetivação.
Mais do que isso, há divergências
quanto ao conteúdo dos direitos fundamentais sociais, ou seja, se
todos os direitos sociais são fundamentais e, se não, quais deles
possuem aderência à jusfundamentalidade
e quais não a possui. Sucede neste tópico, por conseguinte, uma
sucinta apresentação das principais teorias acerca do assunto.
Primeiramente, Ricardo Lobo TORRES
aponta a tese do primado dos
direitos sociais, albergada
pelos socialistas e pelos social-democratas56.
Postula-se que todos os direitos sociais são fundamentais,
justificados independentemente de intermediação do Legislativo,
vigendo, para tanto, princípios como o da máxima efetividade. 57
Em segundo lugar, vale tomar nota da
tese da indivisibilidade dos
direitos humanos, que visa
equiparar os direitos sociais fundamentais às liberdades públicas
(direitos fundamentais de 1ª geração). Segundo esta vertente, os
direitos fundamentais sociais se sustentam, sobretudo, na idéia de
“justiça social” e de distribuição de renda.
Por último, a tese da redução dos
direitos fundamentais sociais ao mínimo existencial, a qual a
presente monografia procura acolher. Sustenta-se, neste derradeiro,
que a jusfundamentalidade
dos direitos sociais se
limita ao mínimo existencial, isto é, abarca tão-só as condições
mínimas sem as quais não se conseguiria sobreviver dignamente58.
Nesta seara, Ricardo Lobo TORRES
afirma que “[o]s direitos sociais se transformam em mínimo
existencial quando são tocados pela jusfundamentalidade.
A idéia de mínimo
existencial, por conseguinte, coincide com a de direitos fundamentais
sociais em seu núcleo essencial”. 59
Os direitos sociais carecem de
intermediação legislativa para sua efetivação; dependem da
reserva de lei. Estão submetidas, vale antecipar, à reserva do
possível e à reserva do orçamento. 60
2.4
Os deveres fundamentais: a face oculta dos direitos fundamentais
Um dos aspectos centrais do estudo dos
direitos fundamentais, embora pouco considerado pela doutrina
contemporânea, é o que José Casalta NABAIS designou de a face
oculta das liberdades e dos direitos fundamentais: os deveres
fundamentais. 61
A presente explanação não consiste
nos deveres diretamente correlatos aos direitos fundamentais, que
nada mais são senão a parte passiva dos direitos fundamentais e,
por conseqüência, não necessitam ser expressos no texto
constitucional. Dirige-se antes a aqueles deveres que compõe um ramo
autônomo do Direito Constitucional que, nas palavras de NABAIS,
“[...] os deveres fundamentais aqui tidos em consideração que
constituem uma categoria ou figura jurídica autônoma.” 62
Assim, segundo os ensinamentos de
NABAIS, os deveres fundamentais possuem um significado essencial à
sociedade e são passíveis de serem exigidos, eis que encontram
certo paralelismo com os direitos fundamentais. Os deveres
fundamentais, neste diapasão, são autônomos, subjetivos,
individuais, universais e permanentes e essenciais. 63
Os deveres fundamentais não podem ser
vistos tão somente como restrições ou limitações dos direitos
fundamentais sob a ótica subjetiva, na mesma linha da afirmação de
que o limite de uma liberdade se encerra quando atinge a de outrem.
Também é dever fundamental as limitações de ordem objetiva,
impostas pela moral, pela ordem pública, pela solidariedade e pela
idéia de bem comum numa sociedade democrática. Isso porque,
conforme a teoria de NABAIS, a ordem constitucional sustenta-se na
limitação da liberdade pela responsabilidade. 64
Nesta exegese, é possível
estabelecer a correlação entre deveres fundamentais e o status
subjectiones da teoria dos
status de
Jellinek. Observa-se o caráter passivo dos deveres, concretizados
pelo legislador e submetidos a alguns princípios, tais como a
universalidade, da isonomia, da não discriminação. 65
Muito embora não comumente expressos
como tais, os deveres fundamentais fazem-se presentes nas diversas
constituições contemporâneas. São os deveres de pagar impostos,
os deveres de defesa da pátria, de freqüentar o ensino básico. 66
Enquanto os direitos fundamentais
independem da vontade do legislador constituinte – este apenas os
reconhece-, os deveres são fruto de sua criação, presentes quer de
maneira explícita, quer de maneira implícita na constituição.
NABAIS sustenta que os deveres
extraconstitucionais não se caracterizam como fundamentais, mesmo
que tenham a mesma substância. Daí se conclui que não há deveres
fundamentais não previstos na Constituição. 67
Diferem, portanto, neste ínterim, dos direitos fundamentais.
Os deveres fundamentais,
diferentemente do que se passa com as liberdades e os direitos
fundamentais, não têm aplicabilidade imediata, mas, em regra,
carecem de intermediação legislativa, por inexistir conteúdo
concretizável na constituição. A partir disto, resta a conclusão
de que o primeiro destinatário dos deveres constitucionais é o
legislador ordinário. 68
Demais disto, os deveres fundamentais,
conforme se explicitará mais minuciosamente em momento mais
oportuno, é, sobretudo, um dever comunitário para com a dignidade
das pessoas individuais, ou seja, é um dever que se revela como
instrumento de suporte ou de custeio aos direitos fundamentais,
custeio este a ser solidariamente distribuído entre os cidadãos.
3.
ANÁLISE CRÍTICA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO E DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Tudo, absolutamente tudo é
possível na história –tanto o progresso triunfal e infinito
quanto a periódica regressão. Porque a vida, individual ou
coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo
cuja substância é perigo. Compõe-se de peripécias. Rigorosamente
falando, é drama.
JOSÉ ORTEGA Y GASSET.
Cabe iniciar este capítulo com
algumas reflexões acerca do atual estágio da civilização e do
nível histórico em que ela está submersa, as quais terão como
suporte conceitual as lições do filósofo espanhol José ORTEGA Y
GASSET, especificamente em sua mais importante obra “A Rebelião
das Massas”. É de se notar que a escolha da análise ou do
diagnóstico social estabelecido por ORTEGA Y GASSET se deu em
virtude de sua atualidade à realidade brasileira e ocidental, ainda
que tenha sido elaborado na Espanha do início do século XX. Por
isso, o que o filósofo se refere como de sua época vale, em sua
quase totalidade, para o mundo contemporâneo.
O autor espanhol postula que a
sociedade sempre é composta por homens médios (homens massa), por
um lado, e pela aristocracia, por outro. Não uma aristocracia
fundamentada meramente em classes sociais, mas em minorias especiais,
em indivíduos excepcionais, aqueles que se distinguem dos demais e
são especialmente qualificados, que exigem de si mesmos mais que a
maioria. O homem médio, por sua vez, tornou-se o homem massa: aquele
que não é especialmente qualificado, que é um “tipo genérico de
homem”. Sustenta ainda que cada classe social é composta pelas
minorias especiais e pelos homens massa. 69
A presença da aristocracia na
sociedade, segundo ORTEGA Y GASSET, não é algo desejável; mais do
que isso, é inevitável, porquanto a sociedade só é sociedade
enquanto é sociedade aristocrática. 70
Cada civilização, conforme postula
o filósofo, situa-se num nível histórico, que é cambiante por
natureza, ou seja, passível de se elevar ou de sofrer regresso. A
civilização, noutras palavras, é herdeira de sua história.
Hodiernamente, as massas “executam um repertório vital” 71
que antigamente era privativo das minorias especiais; gozam do
conhecimento antes atribuído tão-só às minorias, tanto na área
tecnológica quanto nos âmbitos social e jurídico.
O homem genérico adquiriu um status
ou uma qualidade que jamais teve. Ou seja, os ideais, descobertos
pelas minorias excepcionais do século XVIII, como o da dignidade
inerente e inata a todo o ser humano e da soberania de cada um sobre
seu próprio destino, concretizaram-se de tal modo que hoje todos,
irrefletidamente, têm isso como certeza irrefutável. 72
Significa que decorreu uma elevação
geral do nível histórico, do nível vital do ser humano em geral,
que se atingiu a “plenitude dos tempos”. Implica dizer que a vida
do ser humano de hoje é superior a de outros tempos. Vale
transcrever o diagnóstico de ORTEGA Y GASSET sobre a época
hodierna:
Não
é plenitude dos tempos e, no entanto, sente-se superior a todos os
tempos idos e acima de todas as plenitudes já conhecidas. A
impressão que nossa época tem de si mesma não é fácil de se
expressar: julga-se melhor que outras, e ao mesmo tempo sente-se como
um início, sem ter certeza de não ser uma agonia. Que forma
escolheríamos? Talvez esta: superior aos outros tempos e inferior a
si mesma. Fortíssima e ao mesmo tempo insegura de seu destino.
Orgulhosa de suas forças e ao mesmo tempo temerosa delas. 73
O “homem moderno”, no
entanto, não possui a consciência do mundo que o rodeia; ignora
toda a construção civilizatória que os homens especiais
proporcionaram; desconhecem a história e suplantam as minorias.
Justamente nesse fato que consiste o título do livro em cotejo: A
Rebelião das Massas.
O “homem massa” desconhece o
longo e genial passado que tornou possíveis as facilidades que goza;
ignora o fato de que esse mundo não foi concebido pela Natureza, mas
por um sem número de gerações de minorias excelentes sem cujos
esforços inviabilizaria a quase totalidade das possibilidades de que
o homem médio de hoje dispõe. A civilização, em síntese, é
artifício.74
Isso ocorre porque não se consegue
acompanhar o progresso civilizacional: quanto mais avançada a
civilização, maiores e mais complexos os problemas a serem
compreendidos e solucionados. O filósofo assevera que é cada vez
mais raro os homens que compreendem o sutil funcionamento do mundo
civilizado. Por isso disse que o homem de hoje é um homem
primitivo.75
Conclui o filósofo que a história é
a única técnica que torna possível manter a civilização. Não
porque resolva os problemas a ela inerentes, mas evita que se cometam
os ingênuos erros que se deram no passado. O problema é que o
governante de hoje desconhece a história e sua lógica.
Assim, ORTEGA Y GASSET refere-se ao
homem vulgar como uma criança mimada. Mimada pelo mundo a sua volta,
o qual lhe parece ilimitável. Mimar, explica o filósofo, “é não
limitar os desejos, dar a um ser a impressão de que tudo lhe é
permitido, que não obriga a nada.” 76
É um homem primitivo emergido no meio de um mundo civilizado. Esse
seria, portanto, o homem dos tempos atuais. Atual no século XX, e
atualíssimo no século XXI.
Outra questão importante na
investigação do filósofo, sobretudo para os fins do presente
trabalho, é a abordagem de dois “elementos essenciais que compõe
a vida”: as circunstâncias –possibilidades- e as decisões 77.
Circunstâncias são o que se impõe ou o que se é dado, é o que
constitui o mundo. A vida se situa num mundo pré-concebido,
determinado, não passível de ser simplesmente trocado. José ORTEGA
Y GASSET afirma que “nosso mundo é a dimensão de fatalidade que
integra nossa vida.“ 78
Porém não se é imposta uma trajetória, mas várias, o que implica
escolha.
Em suma, diante de determinadas
circunstâncias, há um rol de possibilidades para tomada de
decisões, mesmo que a decisão escolhida seja não tomar decisão
alguma.79
Sendo hoje o homem massa quem domina, é ele quem, por conseguinte,
toma as decisões. Frise-se bem que tais decisões não consistem
tão-somente nas individuais, mas também, o que é mais importante
para a explanação, nas decisões coletivas, nas decisões públicas.
Para ORTEGA Y GASSET, a democracia
representativa característica do século XIX não era dirigida pelo
povo, não consistia em projeto dos eleitores, mas antes consistia em
projetos de homens especiais que eram eleitos e chamavam a população
a participar deles, a escolhê-los. Não havia forma direta de
governar. O que se passa hoje, contudo, é que o mundo é governado
pelos representantes da massa, e é o homem massa quem hoje decide
com enorme poderio; no entanto, são carentes de projetos,
desprovidas de planos futuros.
3.1
do Estado Liberal ao Estado Social
Como já visto anteriormente, o Estado
Liberal surgiu ao mesmo passo que se sistematizaram os direitos
fundamentais no corpo das Constituições, sob a configuração de
liberdades individuais ou de direitos de defesa, que correspondem ao
que a atual doutrina classifica em Direitos Fundamentais de primeira
dimensão.
As liberdades individuais foram
estabelecidas com o escopo, sobretudo, de defender os cidadãos do
arbítrio do Estado. Tais direitos de defesa consistiam – e
consistem - em limites definidos do âmbito de atuação estatal e de
seus governantes, ou, em suma, limitadores de poder do Estado.
Ao contrário da estrutura do Regime
Monárquico, que pouco distinguia as finanças da pessoa do Rei e as
do Estado, o Estado Liberal instituiu a completa separação entre os
bens de caráter público e os dos Governantes. A utilização de
recursos públicos e o poder discricionário do Soberano passaram a
se sujeitar aos limites legais e constitucionalmente definidos, e não
mais meramente80e
à sua vontade ou à do Parlamento. 81
Na esteira do Estado Liberal surgiu o
Estado de Direito. Verificou-se a constitucionalização dos
institutos orçamentários na Europa e nos Estados Unidos. Como bem
ressalta Ricardo Lobo Torres, “[e]nquanto na Constituição a
fiscalidade surgia como limitação ao poder de tributar, no direito
infraconstitucional se manifestava através de tributos capazes de
fornecer os recursos para atender às necessidades mínimas da
garantia estatal às liberdades individuais.”
É de destacar que ao Estado não mais
era atribuída a responsabilidade pela felicidade do povo, como fora
até então ao Estado Patrimonialista. Sua área de estadualidade
restringia-se em garantir as liberdades individuais, em normatizar,
em promover a justiça e alguns serviços públicos básicos, de tal
sorte que a área de atuação do Estado era bem delimitada e o poder
de tributar, por conseguinte, bastante restrito.
Era bastante clara e rígida a
separação entre Estado e sociedade, ou em outras palavras, entre as
órbitas de atuação do Estado face à sociedade. Predominava a
idéia de que a “mão invisível” do mercado, de que a
espontaneidade das relações privadas e de que a intervenção
mínima do Estado seriam suficientes para o desenvolvimento pleno da
sociedade e se asseguraria a efetivação dos Direitos do Homem –
sobretudo as liberdades e defesas contra o arbítrio estatal.
Constatou-se que o Estado Liberal não
cumpriu plenamente o que prometia, porque era uma utopia, e que
surgiram inúmeros problemas por ele provocados – de ordem
econômica, social e política. Inúmeras obras evidenciam isso,
críticas de toda sorte – muitas válidas, outras inválidas e
infundadas - foram dirigidas ao Estado Liberal.
Faz-se oportuno fazer um adendo a esta
observação: consoante o pensamento de ORTEGA Y GASSET, não se pode
incorrer no equívoco de ignorar as virtudes do antigo liberalismo. A
partir de uma análise histórica, é de se separar os pontos frágeis
do liberalismo dos seus acertos. Simplesmente refutar totalmente suas
lições em virtude das suas falhas implica ignorar alguns séculos
de desenvolvimento de técnicas (tecnologia, atividade empresarial,
mercado) e, mormente, relativas às liberdades e à própria
democracia. Não obstante, muitos autores se referem injustamente ao
liberalismo como um modelo caricatural, com uma conotação
pejorativa, como se ele tivesse munido tão-só de más intenções e
tivesse levado a civilização a uma regressão completa.
A princípio, imperiosa é a
compreensão de que as liberdades públicas se consubstanciam em
doutrina mais antiga que a do Estado Liberal. Este as tomou como
principal fundamento, institucionalizando e universalizando-as;
entretanto, não as criou. 82
Daí se conclui que as críticas feitas ao antigo Estado Liberal não
devem sê-las às Liberdades Públicas.
Com efeito, salienta-se que não se
está aqui a defender uma ou outra matiz ideológica, mas a
apresentar fatos e elementos que contribuíram, e ainda contribuem,
para o desenvolvimento civilizacional – sobretudo sob a ótica da
análise feita por José ORTEGA Y GASSET. Corroborando o que se
disse, o filósofo madrileno posiciona-se da seguinte forma: “Não
acho que o velho liberalismo seja uma idéia plenamente razoável:
como pode sê-lo se é velho e se é ismo!
Mas, isso sim, acho que é uma doutrina sobre a sociedade, muito mais
profunda e clara que pretendem seus detratores coletivistas, que
começam por desconhece-lo” 83
Cumpre salientar que foi no seio do
Estado Liberal que surgiu pela primeira vez a moderna concepção e
aplicação da democracia, ou ao menos da democracia representativa.
O povo passou a fazer parte do processo político, vez que se fez
possível a escolha dos governantes de acordo com os projetos
políticos apresentadas. O mais substancial é que a democracia
passou a consistir em forma de governo para o povo, e não mais para
elites formalmente privilegiadas, tal como acontecia no ancient
regimé.
O cidadão teve sua dignidade ampliada
a níveis que até então sequer imaginava – tampouco pleiteava. O
homem médio passou a gozar uma esfera de liberdade e de igualdade
perante a lei sem precedentes na história e, ao mesmo tempo,
adquiriu meios de exigir que esses direitos fossem efetivados, contra
quem quer que fosse. As normas eram gerais e recaiam aos cidadãos e
ao próprio Estado –inclusive em sua função legiferante -, dando
forma ao denominado Estado de Direito.
José ORTEGA Y GASSET elucida
magistralmente este ponto de vista ao apresentar algumas conclusões,
a saber: a “primeira, que a democracia liberal fundada na criação
técnica é o tipo superior de vida pública até agora conhecido;
segunda, que esse tipo de vida não será o melhor imaginável;
terceira, que é suicida qualquer retorno a formas de vida inferiores
à do século XIX.”84
Antes mesmo de se pensar na
positivação dos direitos sociais e econômicos, a sociedade do
século XIX e do início do século XX criou condições para seu
surgimento e para a crescente elevação de sua jusfundamentalidade.
Convém comparar a expectativa de vida destes séculos e a dos
imediatamente anteriores: é notório seu crescimento. Tal fato fica
ainda mais evidente quando se verifica o acréscimo populacional que
ocorreu naquele período: a população européia triplicou em
decorrência de dois princípios: democracia liberal e técnica. 85
É fato que as novas técnicas
criadas nesse período (e ainda hoje), por mais que as pessoas ou a
empresas que as desenvolveram visassem ao lucro, auferiram qualidade
de vida para o homem de todas as classes sociais. Ressalta-se que foi
a produção em massa e a concorrência empresarial que tornaram bens
e produtos mais acessíveis86
à população em geral. 87
Sob este prisma, considerando a
comparação entre as condições de vida do homem contemporâneo e
do homem de séculos anteriores (e até mesmo de poucas décadas), o
mínimo existencial se faz mais presente à população pobre de hoje
que aos ricos de outrora.
A evolução tecnológica aliada à
produção em massa proporcionou incremento do mínimo existencial;
possibilitou que o direito contemporâneo considere como “o mínimo
para uma vida digna” o que há um século jamais se cogitaria. A
partir disto, é lícito dizer que houve um aumento quantitativo e
qualitativo de possibilidades. Possibilidades de atribuir e de se
considerar como condições básicas de vida o que antes era
improvável ou impossível.
Afora as pré-condições para o
surgimento de novos direitos fundamentais, o Estado Liberal
estabelecia para si rígida margem de atuação, no sentido de não
interceder nas relações privadas, não só sob viés econômico,
mas nos mais variados âmbitos da vida social. Note-se que Liberal
não pode ser visto tão-só sob o espectro econômico e do livre
mercado, mas mais amplamente que isso, refere-se à liberdade de
atuação dos indivíduos que compõe a sociedade, entre elas a
econômica.
Por óbvio, parcela das idéias
liberais se demonstrou equivocadas, a exemplo da concepção
fortemente arraigada de igualdade formal (exclusivamente) entre os
indivíduos, tendo em vista que não se considerava as desigualdades
materiais, sem a qual não se garantia a efetivação do mínimo
existencial.
No âmbito econômico, o crash
da Bolsa de Nova Iorque em
1929 é tido como o marco da crise do Estado Liberal. Em suma, muitos
bancos e empresas faliram, a produção desmantelou-se, o desemprego
atingiu níveis alarmantes. Tal ocorreu não só nos Estados Unidos,
mas adquiriu proporções globais. Estava prenunciada a Grande
Depressão e a certeza de que anos difíceis estavam por vir.
Os Estados viram seus cofres públicos
esvaziados. Tal situação decorreu, sobretudo, da queda generalizada
de preços e de rendas e, por conseguinte, deflagrou uma drástica
redução das receitas do Estado. Com as despesas maiores que as
receitas, por gerar intenso aumento da dívida pública, o orçamento
público entrou em colapso, a economia estagnou.
Após a implementação do New
Deal, na década de 30 do
século XX, ganharam força os postulados econômicos de John Keynes
e o Estado adotou uma postura mais intervencionista na economia e nas
esferas privadas. Este assumiu funções diversas daquelas adotadas
pelo Estado Liberal, sobretudo quanto à responsabilidade pela
felicidade e pelo bem estar do povo. Ganhou corpo o Estado de
Bem-Estar Social, ou o Welfare-state,
ou ainda sua intensificação, o Estado Providência.
Por um lado, o Estado aumentou suas
receitas mediante o aumento dos impostos e por outras fontes, como
pela assunção de atividades empresariais e pela cobrança de
tributos de natureza diversa (taxas e contribuições). Por outro, o
Estado Social passou a ampliar as prestações públicas, sobretudo
com a implementação de subsídios, de incentivos fiscais, de
políticas referentes à previdência e à seguridade social. 88
Entre as teses de Lord KEYNES,
agasalhadas pelo Estado de Bem-Estar Social, aplicou-se aquela
segundo a qual os orçamentos deveriam ser deficitários,
sobremaneira pela adoção de políticas públicas pelo Estado, com o
escopo da geração do pleno emprego e de se evitar as crises
cíclicas inerentes ao sistema capitalista.89
Por conseguinte, o Estado Social
passou a intervir em parcelas dos direitos de liberdade sob a
justificativa da realização da justiça social. A corrente
econômica keynesiana
concorreu para a
implantação deste escopo, a ser perseguido por intermédio de
prestações sociais. Emergiu a idéia de que o Estado deveria
promover a igualdade material aos cidadãos, não mais se
restringindo a garantir as liberdades públicas. 90
Em linhas gerais, o Estado Social
tinha como seus principais alicerces políticas relacionadas ao pleno
emprego, à previdência social e à justa distribuição de renda. 91
A Lei Fundamental da República
Federal da Alemanha de 1949 constitui o melhor exemplo de
constitucionalização das teorias econômicas de KEYNES. Sob
inspiração do direito alemão, a Constituição de 1988 foi
fortemente influenciada pelas teses do economista. 92
Na seara dos direitos fundamentais,
os sociais democratas adotaram a concepção do primado dos direitos
fundamentais sociais. Segundo esta vertente política, todos os
direitos sociais são direitos fundamentais sociais, sendo estes
autossuficientes, independentemente da intermediação dos
legisladores. São também interpretados à luz dos princípios da
máxima efetividade, da concordância prática e da unidade da ordem
jurídica.93
. Esta tese, surgida na Alemanha e
adotada pela Constituição lusitana de 1976, foi acolhida por grande
parte das doutrinas européias e da brasileira, a exemplo de José
Gomes Canotilho, em Portugal, e Paulo Bonavides e Andréas Krell, no
Brasil. 94
Segundo Andréas KRELL, no Brasil, os
Direitos Sociais são sempre fundamentais, pois estariam abrigados
pelo Título II, do Capítulo II, da Carta Maior, que traz “Dos
Direitos e Garantias Fundamentais”. Ainda, assevera que seria
perigoso e desvantajoso retirar a jusfundamentalidade
dos direitos sociais. 95
Em suma, o resultado é o
reconhecimento de maior número de direitos fundamentais, muitos dos
quais não estão positivados no texto constitucional. Defende-se uma
“Constituição Aberta”, no sentido de ser passível a recepção
de novos direitos fundamentais.
- Os impasses do Estado Social e do Estado Fiscal Contemporâneo
3.2.1
O Estado Social Insustentável
A ascensão do welffare-state
concretizou-se com a universalização dos direitos sociais. Surgiu
então, do seu agigantamento, o Estado Providência, caracterizado
como aquele responsável por promover a felicidade do povo. Como
conseqüência, aumentou-se as despesas e imperioso foi o
correspondente aumento das receitas.
Primeiramente, cumpre salientar que a
estrutura do estado social se demonstrou frágil, insustentável pelo
seu peso, irrealizável por suas ambições. Não durou muito tempo a
se verificar os “efeitos colaterais” das medidas por ele
adotadas.
O Estado Social ampliou até perto do
limite as suas receitas, por um lado, e deu ensejo ao crescimento
exagerado da dívida pública, por outro. As prestações públicas,
de cunho excessivamente assistencialista e paternalista, aumentaram
em tal patamar que as receitas não puderam acompanhar ao mesmo
ritmo. 96
Ricardo LOBO TORRES, ainda, evidencia
o problema referente à tendência dos políticos de adotar medidas
“eleitoreiras” de ampliação das despesas públicas, sob a forma
de prestações e barganhas, e ao mesmo tempo evitar o aumento da
tributação, tendo em vista a mesma “preocupação” de cunho
eleitoral. A conseqüência direta disso é o desequilíbrio
orçamentário. 97
Outro fator a ser notado é o da
ineficiência que se fez presente no setor público, tendo em vista a
desproporcionalidade entre os serviços prestados e as despesas
efetivamente aplicadas. Noutras palavras, muitos gastos para pouco
retorno social efetivo. 98
Faz-se oportuno frisar que o intenso
desequilíbrio orçamentário gerou o que se convencionou denominar
de “estagflação”, que significa a junção de altas taxas de
inflação acompanhadas de estagnação ou recessão econômica. Tal
se verificou com a crise do petróleo nos anos 70, ocasião que levou
o Estado Social a ser contestado na Europa e nos Estados Unidos. 99
O Estado de Bem-Estar Social, em
relação ao seu crescente intervencionismo, se viu incapaz de
planejar racionalmente suas ações, haja vista a impossibilidade de
prever as mudanças sociais em curso aliada, ainda, à
desestruturação monetária que se desdobrou nos anos 70 e 80. 100
A título de ilustração, convém
citar algumas observações acerca da problemática da intervenção
do Estado na economia. No artigo acadêmico “Direito e
Desenvolvimento: qual é a melhor política pública para o Estado
dirigir o desenvolvimento?”, os autores sustentam que na
implementação de determinadas políticas públicas, o Estado tenta
manipular os mercados e estipular metas de crescimento econômico, na
forma de incentivos fiscais, subsídios, regulamentos. 101
Ocorre que o Estado é incapaz para
tanto, em virtude de falta de informações para determinar os
vencedores nos setores empresariais. Isso decorre justamente da
capacidade das empresas inovarem. E essa inovação, por conseguinte,
ocorre de forma privada, com base em informações privadas. Desse
fato pode-se afirmar que as políticas públicas vêem-se limitadas
para propiciar o crescimento econômico. 102
Outro fator apontado pelo artigo em
comento é a fraca motivação dos agentes públicos para a criação
de riqueza. Vislumbra-se o aumento de salários das autoridades
públicas, sob a justificativa de maiores responsabilidades nas suas
atribuições de propulsores do crescimento econômico, por um lado.
Vê-se a criação de maiores oportunidades para os mesmos para o
recebimento de propinas. Isso porque há maiores chances de se
ensejar “favoritismos políticos” e corrupção na condução de
políticas industriais, por outro lado. 103
No Brasil, o Estado intervencionista
passou a ser visto como mau administrador, em virtude da
impossibilidade do desempenho de todas as tarefas que se dispôs a
assumir. Os críticos apontam, como problemas inerentes ao
“estatismo” brasileiro, o grande desperdício de recursos
públicos, a incapacidade de investimentos, o intenso endividamento,
a precariedade dos serviços públicos. 104
Neste jaez, as políticas públicas no
Brasil se demonstraram, embora presentes em grande quantidade,
desarticuladas umas das outras e ineficientes, em virtude de suas
configurações demasiadamente heterogenias, bem como por serem
carentes de planos a longo prazo. Egon BOCKMANN MOREIRA salienta que
nos dias de hoje a heterogeneidade das políticas públicas se
agravou a tal ponto que não se almeja a construção de uma estrada
de ferro ligando o norte ao sul do país, mas investimentos em
projetos de nanotecnologia característicos de determinado setor
restrito a poucas indústrias. 105
Não coube aqui enfrentar de forma
minuciosa todos os problemas econômicos pertinentes ao Estado Social
Intervencionista, mas antes estabelecer um panorama geral de alguns
equívocos de natureza econômica que o Welfare-State
ou o Estado Social interventor propiciou (e ainda propicia).
- O Estado Fiscal
A priori, faz-se
mister esboçar uma reflexão acerca dos deveres fundamentais,
sobretudo do dever fundamental de pagar imposto, tema este
introduzido na primeira parte do presente trabalho à luz dos
ensinamentos do eminente jurista português José CASALTA NABAIS.
Pois bem. A comunidade, tendo em vista
a prevalência da liberdade sobre a autoridade em um Estado de
Direito, tem como escopo, em última análise, servir de instrumento
de realização das pessoas individuais, principalmente por meio da
assunção dos custos de tal realização, a serem repartidos por
todos. 106
Oportuno notar que, consoante
conclusão de José CASALTA NABAIS, não é possível a efetivação
de direitos fundamentais sem o cumprimento dos deveres fundamentais,
que são indispensáveis ao funcionamento da ordem social e da
organização do Estado. A não existência ou a ineficácia dos
deveres fundamentais acarretaria na impossibilidade de se assegurar e
de se exercer os direitos fundamentais. E, por óbvio, também não
se poderia vislumbrar deveres sem direitos, eis que restaria
impraticável um Estado Democrático de Direito que não contemplasse
os mais elementares valores da justiça e da dignidade humana. Em
suma, só há direitos em razão da existência de deveres, sendo
também a recíproca verdadeira. 107
Posto isso, cumpre traçar a análise
do dever fundamental a que mais interessa para a presente exposição:
o dever fundamental de pagar impostos. CASALTA NABAIS afirma de modo
categórico que consiste num dos mais sobressalientes deveres
fundamentais do Estado Democrático de Direito. A Constituição de
1988 – compreende todo o Capítulo I, do Título VI, do texto
constitucional. 108
Os impostos não podem ser vistos como
mera relação de poder entre o Estado e seus “súditos”,
tampouco como um símples sacrifício dos contribuintes em favor do
Estado. Antes consiste em pressuposto para a vida das pessoas em
comunidade e para a mínima promoção do bem comum. É justamente
dos impostos que o Estado pode prestar o mínimo essencial à vida em
comunidade. Desta feita, a figura do imposto (e do tributo) não é
um fim em si mesmo, mas um meio para o Estado atender suas tarefas,
suas finalidades. 109
É claro que o dever fundamental de
pagar impostos subordina-se à medida da capacidade contributiva dos
cidadãos. Tal dever, em última análise, é o justo preço pela
vigente democracia, por um Estado de Direito que respeita a liberdade
dos cidadãos, pela sociedade civilizada. É justamente nesse dever
que se fundamenta o Estado Fiscal. 110
O Estado Fiscal configura-se como o
contraponto do Estado Proprietário, do Estado Patrimonial ou do
Estado Empresarial. José CASALTA NABAIS sustenta que o este foi a
primeira forma de Estado, aquele que se assentou no absolutismo
monárquico pós-medieval, que tinham como as principais formas de
receita sua a propriedade ou seu patrimônio, por um lado, e a
atividade industrial e mercantil, por outro. 111
Também se configuram como não
fiscais os Estados socialistas, responsáveis pelo monopólio ou pela
hegemonia das atividades econômicas. Ainda, o autor português
destaca outras formas de Estados não fiscais: aqueles cujas receitas
são provenientes predominantemente de recursos naturais (sobretudo
do petróleo, como os Emirados Árabes), ou do jogo (como Mônaco). 112
O Estado Fiscal consiste naquele que
tenha como principal fonte de receitas a figura dos impostos – e
não dos demais tributos. São Fiscais o Estado Liberal –que se
caracteriza por uma maior limitação na cobrança de impostos-, bem
como o Estado Social –que necessita de maior arrecadação, em
virtude de seu caráter economicamente e socialmente interventor.113
Outra questão que se faz salutar
desenvolver é a imprescindível e clara separação entre a
sociedade e o Estado, e, por conseguinte, entre o Estado e a economia
– aspectos imanentes do Estado Fiscal 114-,
digressão tal que justificará um maior aprofundamento num tópico a
parte. 115
Tem-se que no Estado Social, em
decorrência das novas tarefas por ele assumidas, como já bem
frisado anteriormente, surgiu o impasse do excessivo incremento de
despesas, as quais devem ser supridas pela receita proveniente dos
impostos. O maior perigo que se assenta é o de que o caráter
pretensamente fiscal do Estado, via tributação excessiva,
descaracterize o Estado Fiscal.
Derradeiramente, salienta-se
que toda a sociedade é solidariamente responsável pela manutenção
do Estado, de modo a ser obrigada a financiar e a suportar o tamanho
do Estado, sendo imprescindível ter em mente o princípio da
isonomia. Entretanto, uma vez verificada a hipertrofia do Estado
Social, tem-se como conseqüência óbvia a tributação excessiva,
impondo o dever igualmente excessivo aos cidadãos em pagar impostos
O Estado teria chegado ao seu limite máximo. 116
Sem a limitação do Estado Fiscal,
este poderá atingir dimensões, sob a via tributária, de um Estado
Patrimonial, isto é, o Estado estaria tornando-se novamente um
estado proprietário, mediante um processo de “socialização a
frio”, que converteria na própria anulação do Estado Fiscal e do
Estado de Direito.
Isto porque o Estado passaria de
coadjuvante a protagonista da economia, deixando os cidadãos tão-só
com o montante necessário à sua subsistência, sem capacidade
econômica suficiente para converter-se em agente produtivo ou em
agente econômico. 117
Por isso pode-se concluir que o Estado
Fiscal deve ser um Estado limitado em si mesmo. Uma vez superados
seus próprios limites, seriam outra coisa que não Estado Fiscal;
não só limites máximos, como também limites mínimos, cuja
superação transformaria o Estado numa espécie de “organização
comunitária incipiente”.
118
Contudo, tendo em vista a presente situação brasileira –e do
ocidente-, não é esta a tendência da ruptura dos limites do
Estado, mas, ao contrário, o perigo reside na primeira hipótese.
Com muita propriedade CASALTA NABAIS
adverte acerca do perigo do Estado extravasar seus limites de
fiscalidade, sob pena de se impor aos contribuintes a “ferocidade”
do fisco. Tal acarretaria a denominada “lei do bronze do imposto”,
caracterizada pela idéia de deixar ao particular tão-somente o
mínimo necessário à sua sobrevivência, subtraindo-lhe qualquer
energia econômica potencial.
119
José CASALTA NABAIS sugere que a
resolução ou a atenuação dos problemas referentes à atual
dimensão do Estado Social seria por via da moderação do
intervencionismo estatal, que deve refletir no recuo de algumas
tarefas sociais (relativos aos direitos econômicos, sociais e
culturais), ou então ter-se-ia que se restringir as tarefas
tradicionais do Estado. 120
.
3.3
Impasses do Estado Contemporâneo à luz dos Direitos Fundamentais
3.3.1
Considerações sobre a Intervenção do Estado na Sociedade
A análise que se inicia no presente
tópico tem como principal referencial teórico o estudo do
economista austríaco Friedrich A. HAYEK 121,
sobretudo em suas teorias acerca da intervenção do Estado no corpo
social, em suas implicações de ordem política, econômica e
jurídica.
Segundo o economista, a sociedade tem
uma característica sobressaliente, que é o fato de constituir uma
ordem espontânea, decorrente da adaptação de elementos individuais
e circunstanciais. Estes elementos, bem como as interações entre
si, são tão complexos que seria impossível o conhecimento do
inteiro teor de todas as suas variáveis, sendo passível tão-somente
a compreensão dos aspectos mais gerais da ordem social. 122
Deste modo, não havendo
possibilidades de pleno conhecimento das ordens espontâneas em seus
infindáveis detalhes, há que se aprofundar em alguns fatores a ela
inerentes e em suas linhas abstratas, mas faz-se necessário
abandonar os pormenores referentes às circunstâncias não passíveis
de serem conhecidas. 123
HAYEK subdivide a sociedade em
indivíduos e organizações. Estas possuem a função precípua de
realizar determinadas tarefas que escapam do poder daqueles para
executá-las, justamente em razão da complexidade das circunstâncias
e dos elementos que as circundam e as envolvem. Dentre as diversas
organizações submersas no corpo da Grande Sociedade, a maior é a
figura do Estado, ou do governo, expressão esta que HAYEK julga ser
mais apropriada. 124
Consoante a teoria de HAYEK, o Estado
tem duas funções principais: a de manter e garantir as normas
gerais que tornam possível a vida em sociedade, bem como a sua
evolução, de modo a propiciar as condições básicas para o bom
funcionamento da ordem social; e, em segundo, prestar serviços que a
sociedade por si só, como ordem espontânea, não é capacitada a
fornecer de maneira adequada. 125
Posto isto, ressalta-se que sociedade
não é uma ordem planejada, previamente projetada por indivíduos,
mas fruto do desenvolvimento histórico e civilizacional complexo e
espontâneo. Portanto, a evolução da sociedade pode ser propiciada
por um conjunto “regras” definidas e ordenadas pelo Estado, mas
não construídas e dirigidas por ele. 126
Antes consiste na compreensão, a
partir da experiência, do que se demonstra (e se demonstrou)
benéfico para a sociedade ao longo da história. Neste ínterim,
note-se bem, a análise de HAYEK aproxima-se da exposição crítica
da filosofia de ORTEGA Y GASSET, que salienta a necessidade da
compreensão histórica das conquistas e dos fracassos da
civilização. Daí se demonstra quais as regras gerais devem ser
adotadas e quais devem ser evitadas nas ações que influenciam os
elementos constitutivos da sociedade.
Pois bem. Um dos mais essenciais
fatores que possibilitam a manutenção da ordem espontânea da
sociedade é a liberdade. Faz-se necessária sua convivência com os
demais elementos desejáveis em face dos quais deve viger uma ordem
coerente de princípios que possibilite a manutenção da liberdade.
127
Nesta esteira, se para cada ação
estatal só forem considerados os aspectos positivos e voltados
tão-só para os fins a que se almeja, a liberdade restará
sacrificada na quase totalidade dos casos. Isto significa que a
implementação dos mais diversos tipos de políticas trazem, direta
e indiretamente, explícita e implicitamente, conseqüências de toda
sorte que influem no bojo da ordem espontânea. HAYEK adverte que se
forem praticadas tendo em vista o oportunismo e o pragmatismo o
resultado dificilmente será diferente senão a supressão das
liberdades. 128
O economista denota o duplo aspecto de
certas medidas políticas. Primeiro, em relação aos desdobramentos
positivos, servem de justificativa para as suas ações. A outra face
–a das conseqüências negativas- são geralmente atribuídas às
circunstâncias que “fugiram” do controle, que seriam
conseqüências necessárias das ações justificadas pelos objetivos
explícitos. HAYEK salienta que carece ao homem moderno a idéia de
que não é possível ter o controle da sociedade em seus múltiplos
aspectos, tal como um mosaico, e que as medidas adotadas tendo em
vista tais objetivos, mesmo que bem-intencionadas, podem gerar
conseqüências imprevistas e indesejadas. 129
Demais disso, é certo que muitas
dessas medidas a serem adotadas parecem necessárias à persecução
de determinados fins almejados, mas que resultam em custos
dificilmente auferíveis previamente e posteriormente. Por isso HAYEK
diz que a preservação de um sistema de liberdade consiste numa
tarefa especialmente difícil de ser concretizada. Os problemas
gerados por políticas equivocadas podem ser piores que os problemas
que se visavam resolver. Os remédios podem se revelar mais amargos
que a doença. 130
A conclusão a que se chega, a partir
dessas considerações, é de que o governo, ao tentar manipular sem
parcimônia a ordem social, assume uma tendência à arbitrariedade.
131
A supressão da liberdade poderá se concretizar, aos poucos,
independentemente da intenção a que se almejou.
Resta o esclarecimento de que não há
como se levar ao extremo as concepções expostas acima, no sentido
de se defender inexistência de planos de governo ou de projetos e de
políticas públicas. Fez-se oportuno tais apontamentos no sentido de
propiciar algumas reflexões sobre a intervenção estatal na
economia e na vida privada, bem como de juntar alguns elementos
pertinentes à parte final da monografia.
3.3.2
Análise crítica sobre a situação atual dos Direitos Fundamentais
José CASALTA NABAIS analisa com muita
propriedade o modo com que os direitos fundamentais são tratados no
Estado de Direito contemporâneo. Evidencia o que chamou de
jusfundamentalismo,
que é o teor superlativo pelo qual parte da doutrina dogmática
constitucional adota em relação aos direitos fundamentais.
Aponta que se tem introduzido em
demasia novos direitos fundamentais, o que acarreta certa banalização
de todos eles, acarretando prejuízo aos mais elementares. Tem-se
valorizado a quantidade dos direitos fundamentais em desfavor de sua
qualidade. CASALTA NABAIS propõe “menos direitos fundamentais, em
nome dos direitos fundamentais”, ou “menos direitos fundamentais,
melhores direitos fundamentais”. 132
José CASALTA NABAIS sugere, ainda,
que o discurso jusfundamentalista ora dominante no Direito
Constitucional seja “uma maneira, inconsciente e cômoda de
tranqüilizar nossas consciências face às cada vez mais amplas e
drásticas violações dos direitos fundamentais, procurando assim
como que compensar com a quantidade a cada vez mais manifesta falta
de qualidade” 133
É de se buscar formas de aderência e
de concretização dos direitos fundamentais à realidade econômica,
política e social do país, sem as quais estarão fadados ao mero
discurso e “utopismo”. Para tanto, é mister identificar com
maiores detalhes os equívocos do “panjusfundamentalismo” e as
conseqüências deste sobre os direitos fundamentais. 134
Em primeiro lugar, ressalta-se a
importância da separação entre os espectros do Estado e da
Sociedade Civil; não uma separação pura e absoluta, mas “uma
separação dos núcleos essenciais de cada um destes pólos de
maneira que à auto-responsabilidade dos indivíduos e da sociedade,
em que estes se inserem, caiba o essencial do processo e do mundo da
economia (máxime, da
micro-economia), e ao Estado (enquanto um no
productive state) seja
reservado o essencial do processo e do mundo da política”. 135
A partir dessa leitura, José CASALTA
NABAIS destaca três características (consequências) essenciais do
Estado Providencial fruto da “inflação” jusfundamental:
- o Estado Ausente – vislumbra-se a carência de atuação do Estado no que se refere à efetivação dos direitos fundamentais justamente nas áreas clássicas de atuação do estado, relativas, sobretudo, aos direitos fundamentais de primeira geração. Ilustra-se bem tal situação a ausência e ineficácia da atividade policial ou então a morosidade da justiça na solução de lides. José Casalta Nabais adverte sobre a privatização de determinados setores, até então considerados como privativos do âmbito do Estado, tais como a segurança (polícia) e a justiça (autocomposição). 136
- o Estado Ubíquo – ao mesmo passo que se constata a manifesta ausência do Estado em áreas essenciais de sua atuação, verifica-se também o Estado Ubíquo, que consiste na invasão do Estado em tradicionais espaços de liberdade. Ressalta que o Estado assume papel excessivamente paternalista, invadindo a órbita de liberdade das relações privadas. É claro que não está em questão, como bem frisa o autor, a interferência do Estado face aos perigos decorrentes de novas tecnologias ou então a necessidade de regular a concorrência no mercado. Ao contrário, o Estado, por exemplo, faz às vezes de protetor do cidadão contra si mesmo, como é o caso da lei que o obriga a colocar cinto de segurança, mesmo que para circular nos limites urbano numa velocidade baixa. 137
- O Estado Salamizado – nas palavras de CASALTA NABAIS, “trata-se da fragmentação ou fracionamento do (poder do) Estado em virtude sobretudo da intensa disputa que os mais diversos pólos de poder político e sócio-econômico vêm travando, reivindicando para si parcelas cada vez mais significativas do poder estadual como se este estivesse em saldos ou mesmo em liquidação”. Tais grupos, sob o manto de defensores de interesses públicos e coletivos, agem de modo a concentrar poderes até então próprios do Estado e a proteger alguns de seus interesses “corporativos”. Torna-se imperiosa a separação entre os domínios do Estado e da sociedade, aspecto pelo qual é imprescindível para o Estado Democrático de Direito. 138
O autor rechaça a idéia do Estado
corporativista atual sob a ótica da pós-modernidade,
a qual afirma sobre a
existência de um “neocorporativismo”
semelhante ao que se passava na idade média. Afirma que as
corporações não questionam o Estado moderno, mas antes se
aproveitam dele. Adverte que a maior parte da sociedade fica “de
fora” das corporações, ou então estão inseridas naquelas que
não têm poder suficiente para participar efetivamente do “jogo
político”. Por conseguinte, a democracia resta enfraquecida e a
igualdade política entre os cidadãos cerceada, embora de forma
muito sutil.139
4.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E DA RESERVA DO POSSÍVEL COMO
PRESSUPOSTOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Antes de mais, faz-se imperioso tecer
alguns comentários sobre a parte conclusiva da monografia que a
partir daqui se dará ensejo. Postos acima alguns problemas e tensões
inerentes à relação Sociedade e Estado, propõe-se a adoção de
dois pressupostos que, embora não taxativos, são necessários à
efetivação dos direitos fundamentais e à manutenção da
Democracia e do Estado de Direito: a reserva do possível e o
princípio da subsidiariedade.
Por um lado, a reserva do possível
possui natureza econômica, referente às possibilidades fáticas do
Estado prover meios para a efetivação dos direitos sociais, do
mínimo existencial (entenda-se como os direitos fundamentais
sociais) e dos demais direitos fundamentais. Por outro lado, o
princípio da subsidiariedade, já mais inclinado aos campos da
filosofia e da ciência política. É evidente que ambos não são
autônomos, mas interdependentes, e que assumem também uma natureza
jurídica.
Derradeiramente, a observância desses
pressupostos é essencial (e repita-se, não taxativos) para a
manutenção das conquistas civilizacionais em relação à dignidade
da pessoa humana, ao Estado e à Sociedade, bem como para a evolução
destes mesmos âmbitos.
Isto quer dizer, noutras palavras, que
estes pressupostos atentam para, a um só tempo, a conservação dos
direitos fundamentais cuja efetivação já se façam presentes e
para o desenvolvimento nas áreas em que se verifique carência na
aplicação dos direitos fundamentais.
4.1
O Princípio da Subsidiariedade
O princípio da subsidiariedade, ainda
que pouco divulgado pela doutrina brasileira, vêm ganhando
importância no debate político mundial, sobretudo na União
Européia, em cuja Constituição já se encontra positivado.
Trata-se de um princípio resgatado da filosofia aristotélica, que
ganhou contornos contemporâneos com a Doutrina Social da Igreja.
Uma vez que as principais ideologias
adotadas pelos países nos séculos XIX e XX não prosperaram, quer
seja pela exacerbação do individualismo e pela intransponível
abstenção do Estado, quer pela intensa coletivização, estatização
e intervencionismo (estas dando ensejo para toda sorte de regimes
totalitários ou Estados inoperantes), faz-se imperiosa a adoção de
um modelo de Estado que estabeleça um saudável equilíbrio entre o
intervencionismo estatal e a liberdade dos indivíduos e da sociedade
civil. 140
A adoção de tais ideologias,
pendendo ora para um lado ora para outro, entre a liberdade e a
igualdade, entre o Estado e a sociedade, entre o coletivo e o
individual, demonstraram-se insustentáveis, em razão ou de seus
excessos ou de suas carências. Nesta esteira, o princípio da
subsidiariedade foi resgatado com o escopo de equilibrar estas
tensões –entre o Estado e os cidadãos- e, sobretudo, de estatuir
um novo paradigma de legitimidade para os fins do Estado.141
Pois bem. O princípio da
subsidiariedade foi formulado pela primeira vez, sob tal denominação,
na Encíclica Quadragesimo
Anno do Papa PIO XI, em
1931.142,
muito embora a Encíclica Rerum
Novarum do Papa LEÃO XIII,
de 1891, já tenha
formulado de modo implícito seu conceito e tenha exposto de modo
geral os seus elementos. 143
O conceito mais claro do princípio da
subsidiariedade encontra-se na já citada Encíclica Quadragésimo
Anno, que consiste, em
síntese, em não permitir que a coletividade suprima o que pode ser
feito pelo indivíduo. As sociedades maiores e mais elevadas não
devem desempenhar as funções que as sociedades menores são mais
aptas a realizar. A finalidade da sociedade seria, por conseguinte, a
de apoiar os seus membros, e não de absorvê-los nem de destruí-los.
144
O princípio da subsidiariedade,
antes de mais nada, é um princípio de justiça, porque eleva o
status da sociedade civil na estrutura organizacional do Estado.
Este, por seu turno, passa a não ser um fim em si mesmo, mas um ente
em que cuja finalidade é a de auxiliar, cooperar, ajudar, suprir
necessidades das quais a sociedade civil é incapaz de resolvê-las
por si só. Desta feita, como já se ressaltou, a subsidiariedade só
excepcionalmente atribui ao Estado a tarefa de suplência ou de
substituição de determinadas atividades a ser desenvolvidas pelos
indivíduos ou pela sociedade como um todo. 145
Dito princípio assume uma
característica aparentemente paradoxal: a um só tempo, visa inibir
a indevida intervenção estatal nas esferas particulares e das
sociais, colocando limites à atuação do Estado, e estimular sua
atuação nos terrenos em que a sociedade e os particulares se vêem
impossibilitados de atuar e de suprir suas necessidades. 146
Desta maneira, é de se notar que o princípio da subsidiariedade não
subentende tão só uma ação negativa do Estado perante os
organismos menores, mas um limite.
Consoante os ensinamentos de Silvia
FABER TORRES, a subsidiariedade define-se pela distribuição de
competência e de atribuição de poderes ao Estado, às comunidades
e aos indivíduos, tendo em vista, em última análise, a justiça
distributiva, o bem comum e a dignidade da pessoa humana. 147
É de destacar que a subsidiariedade,
afora a questão entre público e privado, aponta um caminho de
descentralização administrativa e do poder de intervenção. Quer
dizer que é preferível a intervenção da comunidade maior nas
menores pelas autoridades mais próximas dos cidadãos, porquanto
suas ações teriam maior eficácia e legitimidade. Daí conclui-se
que, no plano político, a subsidiariedade visa induzir o princípio
federativo. 148
Ainda, é imperioso aprofundar-se nos
fundamentos do princípio da subsidiariedade. Cumpre notar, a
priori, que é um princípio
que se fundamenta diretamente na natureza humana, de sua dignidade
que se condiciona pelo poder do indivíduo de auto-determinação e
pelo direito à personalidade. A partir disso, pode-se afirmar que a
subsidiariedade tem como dois basilares fundamentos as concepções
de liberdade e de justiça. 149
Silvia FABER TORRES explica que na
liberdade a subsidiariedade ganha contornos mais salientes, uma vez
que é pressuposto para o desenvolvimento da personalidade e da
criatividade humana. Sem ela, a capacidade de ação humana
verifica-se diminuta ou até ausente. A liberdade e a autonomia dos
indivíduos são, portanto, condições inerentes à dignidade da
pessoa humana e à persecução do bem comum.150
O segundo fundamento central é a
idéia de justiça, vez que a competência para a realização de
tarefas deve ser atribuída, sempre que possível, às sociedades
menores e que, quando, nas mesmas condições, é assumida pelo
Estado, incorre-se em injustiça e no desrespeito dos direitos das
comunidades menores e dos indivíduos. 151
Ademais, vale frisar outros
princípios que se fazem oportunos citar para melhor compreensão da
subsidiariedade. Primeiramente, a idéia de bem comum. É o que
legitima e o que fundamenta a intervenção e, ao mesmo tempo, a
abstenção do Estado. Quando justificada, a intervenção, seja na
forma econômica, seja na social, visa ajudar e incentivar os
cidadãos e as entidades à persecução do bem comum. Consiste,
acima de tudo, numa noção ética, eis que sua ausência como escopo
para intervenção estatal constituiria afronta à justiça perante a
sociedade. Nesta toada, o bem comum conecta-se ao próprio fim do
Estado e da sociedade. 152
Nas palavras de Silvia FABER TORRES,
“[O] bem comum, em virtude de sua própria natureza, é um auxílio
ou ajuda para que os homens realizem, com responsabilidade própria,
suas finalidades vitais.” 153
Salutar para o princípio da
subsidiariedade, bem como para a efetivação dos Direitos
Fundamentais, é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. É bem
verdade que se trata de um princípio bastante vago e aberto, em
torno do qual gravitam todos os direitos fundamentais. A preservação
da Dignidade Humana é imanente ao ser humano, pré-estatal e causa e
fim de toda sociedade e do Estado. 154
A subsidiariedade se assenta também
na manutenção do pluralismo social. O respeito às diversas formas
com que a sociedade se configura é uma das facetas do princípio da
subsidiariedade. O Estado deve abster-se de intervir no sadio e
espontâneo desenvolvimento de cada grupo social e dos indivíduos
nele inseridos, restando o papel de auxílio e de ajuda a estes
diversos grupos. Nesta esteira, o Estado, à luz do princípio da
subsidiariedade, refuta tanto as formas unilaterais coletivistas
quanto as individualistas de organização social.155
Por fim, a solidariedade, princípio
este que aparenta contradição ao da subsidiariedade; todavia, na
realidade, complementa-o. Dito princípio assume algumas feições
correlatas às idéias de igualdade, de justiça distributiva.
Consiste no dever dos indivíduos em zelar, ao mesmo tempo, pelos
bens particulares e pelo bem comum; ou, em outras palavras, em
cooperação mútua entre indivíduos. Assim como a liberdade é
essencial à personalidade e à dignidade humana, a solidariedade
constitui princípio fundamental à natureza social do homem. 156
Sob o prisma econômico, salienta-se
que a subsidiariedade não se foca estritamente à ordem econômica,
ainda que seja um de seus principais objetos. Pressupõe, por certo,
uma separação clara, embora não absoluta, entre a sociedade e o
Estado, e a premissa da qual a atividade econômica não constitui
vocação do Estado, mas da ordem espontânea que é a sociedade.
Todavia, não supõe qualquer conflito entre o Estado e a sociedade,
mas visa harmonizar as relações entre um e outro, e ordenar a
intervenção do Estado quando se fizer necessária ao bem comum.157
Neste ínterim, uma questão que
merece destaque é a relação entre a subsidiariedade e a
disponibilidade econômica dos indivíduos. Este é um princípio
apontado por José CASALTA NABAIS, segundo o qual impõe que se
permita aos indivíduos, com a maior amplitude possível, autonomia e
livre decisão em todos os domínios da vida. Como conseqüência, a
ordem jurídica deve garantir que a atividade econômica deve ser
desempenhada primeiramente pelos indivíduos e pelos grupos menores,
papel que o Estado só deve assumir quando não se fizer possível a
realização pelo mercado e pela livre iniciativa. 158
O princípio da livre disponibilidade
econômica configura-se, em suma, como “o princípio da
subsidiariedade em sentido amplo no domínio econômico.” 159
Tal princípio indica que o Estado Fiscal pressupõe a adoção do
princípio da subsidiariedade, pois o Estado não possui a atividade
econômica como fonte de receita, uma vez que o livre mercado
protagoniza o desempenho das atividades econômicas, restando ao
Estado a cobrança de impostos como principal modo de arrecadação
de recursos. 160
Na encíclica Matre
et Magistra, de 1961, o
Sumo Pontífice João XXIII relaciona o princípio da subsidiariedade
à economia, trecho do qual vale ser trasncrito:
“Mas
é preciso reafirmar sempre o princípio que a presença do Estado no
campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter
como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa
pessoal dos cidadãos; mas, deve, pelo contrário, garantir a essa
esfera a maior amplidão possível, protegendo efetivamente, em favor
de todos e de cada um, os direitos essenciais da pessoa humana. Entre
estes há de enumerar-se o direito, que todos têm, de serem e
permanecerem normalmente os primeiros responsáveis pela manutenção
própria e da família; ora, isso implica que, nos sistemas
econômicos, se consinta e facilite o livre exercício das atividades
produtivas.”161
No plano político-administrativo, o
princípio da subsidiariedade relaciona-se com o federalismo, eis que
os postulados daquele se coadunam com os princípios de uma estrutura
federal de Estado, “na qual se encontram distintos grupos
superpostos, reconhecidos em sua pluralidade e relativa
auto-suficiência.” 162
Evidencia-se, segundo este espectro
da subsidiariedade, o respeito ao princípio da pluralidade social,
pois que, com a descentralização política e administrativa, as
particularidades dos organismos sociais menores e mais próximos ao
poder local são mais facilmente levadas em consideração. 163
Neste aspecto, Marçal JUSTEN FILHO ressalta que “há uma
pluralidade de interesses públicos e privados, inconfundíveis e
reciprocamente excludentes, que não podem ser considerados como se
fossem homogêneos”.164
Daí a virtude do princípio federativo e, por conseguinte, do
princípio da subsidiariedade.
Oportuniza-se, desta forma, o
tratamento diferenciado, por parte do Estado, das comunidades
diferentes, consoante suas características particulares. A título
exemplificativo equivale
dizer que devem ser diferentes as decisões públicas destinadas a
uma região carente das voltadas a outra mais desenvolvida.
4.2
O Princípio da Reserva do Possível e os Custos dos Direitos
Do mesmo modo que o princípio da subsidiariedade, o da reserva do possível versa sobre os poderes e as limitações de ação do Estado sobre a sociedade e sobre os indivíduos. Entretanto, as diferenças se iniciam quanto à natureza de ambos: o princípio da subsidiariedade é eminentemente ético, refere-se antes sobre a legitimidade da atuação estatal ante a sociedade e os indivíduos; já a reserva do possível assume uma perspectiva essencialmente econômica e financeira, vinculada às possibilidades e à capacidade do estado de intervir no corpo social, tendo em vista a escassez de recursos e as limitações materiais que se impõe à consecução de fins do Estado.
Primeiramente, cabe salientar que a
expressão reserva do possível teve origem na jurisprudência alemã,
a partir de uma discussão acerca da criação de vagas para
estudantes não classificados no vestibular prestado para uma
faculdade de medicina. O Tribunal Constitucional alemão decidiu que
as prestações sociais estão subordinadas à reserva do possível,
em consonância com a razoabilidade da pretensão. Faz-se mister ter
em vista o equilíbrio financeiro geral e que os recursos públicos
165
Imperioso frisar que a efetivação
dos direitos fundamentais sempre implica, direta ou indiretamente,
custos para os cofres públicos. Obviamente, as reservas financeiras
do Estado não são inesgotáveis, o que é o mesmo que dizer que os
recursos são escassos. Insta repetir o argumento segundo o qual a
efetivação dos direitos fundamentais depende inevitavelmente dos
recursos públicos, que são limitados. 166
Dito isso, conclui-se que os direitos
fundamentais jamais poderão ser absolutos, vez que os meios
materiais à sua realização também não o são. “Nothing
that costs money can be an absolute”167:
eis
a maxima sustentada por Cass SUSTEIN e Stephen HOLMES. Daí
dizer que a efetivação dos direitos sociais estão condicionados
pela cláusula da reserva do possível. 168
A reserva do possível, nas palavras
de Ricardo LOBO TORRES, “[E]quivale à reserva democrática, no
sentido de que as prestações sociais se legitimam pelo princípio
democrático da maioria e pela sua concessão discricionária pelo
legislador.”169
A preocupação dos operadores do
direito com a viabilidade das prestações públicas, dentre as quais
a efetivação de direitos fundamentais, equivale a se preocupar com
a realidade, e não só com o mundo das idéias. Ou melhor, é
adaptar as idéias à realidade concreta, com suas nuances e com as
limitações por ela impostas. 170
Sob outro prisma, é necessário
destacar que a receita pública é proveniente, em sua maior parcela,
dos impostos, ou seja, estes constituem o suporte para a efetivação
concreta de todos os direitos, ao menos no Estado Fiscal
contemporâneo. Os direitos fundamentais são efetivados, em última
instância, por meio do pagamento de impostos, que consiste em dever
fundamental, a ser cumprido solidariamente pelos contribuintes. 171
Cabe uma análise mais pormenorizada
acerca dos custos dos direitos. Consoante as lições dos juristas
norte-americanos Stephen HOLMES e Cass SUSTEIN, todos os direitos
fundamentais são, de certa forma, positivos, mesmo aqueles que se
configuram como liberdades públicas (ou os de primeira geração).
Significa dizer que a efetivação de todos os direitos pressupõe
realização de gastos, que a proteção até mesmo dos mais
elementares direitos e liberdades demanda adequada alocação de
recursos públicos. 172
Isto quer dizer que os direitos
fundamentais, quer sejam os clássicos direitos de liberdade, quer
sejam os direitos sociais, implicam custos aos cofres públicos. A
diferença é que os gastos com direitos sociais são mais visíveis,
em virtude da singularização das titularidades, ativa e passiva,
destes direitos. 173
Já os custos dos clássicos direitos fundamentais são menos
notáveis, haja vista a generalidade da titularidade passiva destes
direitos e de seus custos, que consistem na manutenção de uma ordem
burocrático-administrativa e legal do Estado para a tutela e
proteção destes direitos, estas diluidamente voltadas à
sociedade.174
Cass SUSTEIN e Stephen HOLMES
ressaltam que, exempli
gratia, até mesmo aquele
que é um dos mais “liberais” dos direitos, os direitos de
propriedade, dependem de custeio do Estado, ou da coletividade,
mediante o pagamento de impostos, no sentido de garantir e manter a
ordem legal e o sistema protetivo dos referidos direitos. O sistema
de propriedade, em suma, depende da existência do Estado, de
impostos e de gastos.175
Tendo em vista tal premissa, volta-se
a ressaltar que os recursos públicos são escassos, fato que
demandará sempre escolhas na alocação de recursos por parte de
autoridades públicas. E essas escolhas far-se-ão, via de regra,
pela elaboração do orçamento público, instrumento que conterá as
prioridades do governo na realização despesas públicas. A
efetivação dos direitos sociais, portanto, dependerá das decisões
políticas legalmente instituídas na figura do orçamento.
Ricardo LOBO TORRES assevera,
contudo, que o mínimo existencial não está adstrito à reserva do
possível, contanto que, note-se bem, não se assuma como pressuposto
que os direitos fundamentais sociais –o mínimo existencial-
contenham significado idêntico aos dos direitos sociais. É dizer
que a cláusula da reserva do possível só serve como parâmetro
para limitar o conteúdo não fundamental dos direitos sociais. 176
4.3
A Efetivação dos Direitos Fundamentais conformada à realidade
concreta
Não sem motivo, o presente trabalho
procurou resgatar alguns elementos da filosofia política de José
ORTEGA Y GASSET. É justamente à guisa de seu raciocínio que se
visa a estabelecer considerações sobre a efetivação dos direitos
fundamentais.
Vale repetir a lição do filósofo
segundo a qual a geração de hoje é fruto de uma construção
histórica, a partir do pensamento e da ação de homens especiais
–ou das minorias excelentes, segundo o filósofo espanhol. Contudo,
o homem de hoje comporta-se como uma “criança mimada”, porquanto
não possui a consciência dessa construção civilizacional, eis que
tem a impressão de que grande parte das condições vitais é
pré-constituída naturalmente e não obtida através de uma lenta e
árdua evolução ao longo da história. 177
Sob tal perspectiva, é de se notar
que a efetivação dos direitos fundamentais não pode desvincular-se
dessa realidade histórica conquistada pela civilização, nesta que
compreende, frise-se bem, tanto as conquistas técnicas quanto as
relativas à dignidade humana. Isso porque ela deve estar em plena
aderência à realidade, caso se proponha ter os direitos
fundamentais além de promessas vazias.
Flávio GALDINO pondera, neste
sentido, que não pouco freqüente os operadores do direito
distanciam o mundo jurídico da realidade. O que tem ocorrido é a
inversão da máxima descartiana “penso, logo existo” (cogito,
ergo sum) para “penso,
logo é” (cogito, ergo
est).178
O
maior perigo desse distanciamento entre o mundo jurídico e o real é
justamente o enfraquecimento generalizado dos direitos fundamentais
–bem como dos demais direitos-, uma vez que se equipara os direitos
fundamentais plenamente realizáveis aos supostos direitos
irrealizáveis, isto é, tenta-se trazer a realidade ao mundo das
idéias, quando o correto é justamente o contrário.
Desse modo, acaba por se esvaziar o
conteúdo dos verdadeiros direitos fundamentais, já que estes passam
a ter seu valor equivalente a aqueles irrealizáveis, que não passam
muitas vezes de mero artifício retórico e de utopias impossíveis.
Tendo em vista o custo dos
direitos, tanto o incremento quantitativo quanto o qualitativo dos
direitos fundamentais obrigam o Estado a aumentar suas despesas.
Estas são arrecadadas, no Estado Fiscal, via tributação, sobretudo
mediante pagamento de impostos. Ocorre que é imprescindível que
haja determinado limite na arrecadação fiscal pelo Estado,
porquanto a sociedade arca solidariamente com os impostos. Caso se
exceda tal limite fiscal, a sociedade certamente sofrerá violações
em seus direitos fundamentais, mormente sobre as clássicas
liberdades e sobre a dignidade humana em geral.
Em outras palavras, mais direitos
fundamentais representam um aumento na exigência referente ao dever
fundamental de pagar impostos. Considerar o mínimo existencial como
algo que ele não é, no sentido de superestimá-lo, implica na
consequentemente a majoração das despesas do Estado, que se
refletem, por sua vez, necessariamente no aumento da carga de
impostos. É exatamente neste sentido que José CASALTA NABAIS
postula “menos direitos fundamentais, melhores direitos
fundamentais”. 179
A extrapolação do limite do Estado
como arrecadador e como controlador (regulamentador) torna a
sociedade economicamente incapaz de produzir e de desempenhar as
atividades que lhe cabem, colocando em cheque a própria fonte de
financiamento de sua receita. O Estado invade, desta maneira, uma
importante esfera inerente à sociedade, pois suprime a primazia da
liberdade dos indivíduos. O Estado passa a não ser mais Fiscal,
pois assume características de Estado Patrimonial, de Estado
Proprietário, já que o Estado Fiscal pressupõe uma separação
entre Estado e Sociedade e entre Estado e Economia. Acaba por
destruir sua própria base que lhe imprime a característica de
Estado Fiscal, que são justamente os indivíduos e grupos autônomos
com capacidade produtiva e, por conseguinte, contributiva. Nesta
hipótese, o Estado passa a descartar o princípio da
subsidiariedade. 180
Isto posto, faz-se lícito dizer que a
efetividade dos direitos fundamentais depende, como imprescindível
condição, do reconhecimento dos
fatores da realidade que os (de)limitam, quer seja por parte da
classe política e das demais autoridades públicas, quer por parte
dos operadores do direito de modo geral. Em outras palavras, só são
fundamentais aqueles direitos que são aplicáveis.
Estes limites de aplicabilidade são,
por um lado, de natureza ética, pertinentes à justiça, que se
transfiguram sob a forma do princípio da subsidiariedade; e, por
outro, de natureza financeira e econômica (limitação fática),
referentes ao princípio da reserva do possível. Não quer dizer,
todavia, que a subsidiariedade não se preocupe com os mais variados
aspectos da economia, ou que não importe à reserva do possível as
considerações éticas, concernentes à justiça.
Dado que vivemos num mundo, nas
palavras de José ORTEGA Y GASSET, “determinado que não pode ser
trocado”, e sendo “a dimensão de fatalidade que integra nossa
vida”181
ou “o conjunto das possibilidades vitais”182,
ele é limitado pelas circunstâncias e possibilidades, nas quais
necessáriamente implicará uma escolha.183
E assevera o filósofo que não são as circunstâncias que decidem,
mas, “ [...]Ao contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre
novo, ante o qual temos que nos decidir. Mas o que decide é o nosso
caráter.”184
Estas escolhas a que se refere o
filósofo servem igualmente para a vida coletiva e para o Poder
Público e, consequentemente, para a aplicação dos direitos
fundamentais. As escolhas, diante das circunstâncias que nos são
impostas, podem relacionar-se com o princípio da reserva do
possível, eis que estas circunstâncias compõem as limitações
materiais (fáticas), ao passo que as escolhas são correlatas às
vias de efetivação dos direitos fundamentais. O caráter (conteúdo
ético) de tais escolhas, deve sempre visar ao bem comum, à
dignidade humana, tendo em vista,
in casu, o princípio da
subsidiariedade, bem como os demais princípios de justiça, como o
da solidariedade.
Daí a necessidade de conhecer a
realidade, levando-se em consideração todo o tônus histórico que
ela carrega, tendo em vista o conhecimento mais exato possível das
circunstâncias, com o fito de se adotar a melhor escolha possível
para cada contexto. A compreensão histórica é necessária na
medida em que é pressuposta para a compreensão das circunstâncias
–possibilidades- presentes e futuras; portanto, é condição
essencial ao próprio conhecimento da realidade, no que implicam as
escolhas em dado contexto, e quais as conseqüências destas
escolhas.
Ante tais considerações
é que se pretende inserir as lições expostas pelo economista
austríaco HAYEK, vinculadas justamente às escolhas –públicas-
adotadas e suas respectivas conseqüências na ordem social. É
salutar que o Estado tenha a subsidiariedade como princípio, e
quando à luz deste princípio se legitimar a intervenção estatal
na sociedade, as escolhas devem ser tomadas com a máxima precaução,
tendo em vista a preservação da liberdade e da autonomia dos
indivíduos e das comunidades menores.
Salienta-se que dita precaução não
deve ser tomada apenas num contexto isolado de cada tipo de
intervenção, mas também sob um ponto de vista conjuntural. São
duas questões a serem levantadas: uma relativa à subsidiariedade,
outra à reserva do possível. Sob o prisma deste princípio, as
intervenções devem ser analisadas em conjunto porque elas sempre
implicam gastos por parte do Estado
, fato que pode inviabilizar a
aplicação de todas as quais, mas não delas quando
individualizadamente consideradas.
Já no
que tange ao princípio da subsidiariedade, pode não se verificar
sua violação caso sejam consideradas tão-só as intervenções de
formas isoladas, mas quando analisadas sob um ângulo mais
abrangente. Ou seja, a autonomia e a espontaneidade sociais poderão
restar sacrificadas justamente em virtude das várias intervenções
que tolhem parcela da liberdade e/ou que implicam gastos. Exemplo
disto é a já frisada carga tributária muito além do razoável
resultante da necessidade de custeio da estrutura do Estado. Deste
modo, a liberdade e a autonomia da sociedade são afetadas ou
suprimidas, pois a extrapolação do limite referente ao dever de
pagar impostos implica, como já salientado anteriormente, a anulação
do Estado Fiscal.
Há que se frisar, ademais, que a
efetivação dos direitos fundamentais negativos e positivos, bem
como os sociais e os referentes às liberdades, pressupõe condições
básicas para que uns não excluam os outros, mas, ao contrário,
para que se complementem, tendo como finalidade o bem comum, os
princípios de justiça, a dignidade humana.
4. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Se
o presente trabalho tivesse que se restringir a uma única mensagem
ou a uma breve síntese não haveria melhor proposição senão a do
filósofo Julián Marías: “Há algo que não se pode sacrificar,
porque significa uma violência exercida sobre uma coisa que tem os
direitos fundamentais: a realidade. Esta é irrenunciável e, se lhe
é infiel, as conseqüências são gravíssimas.” 185
Os
princípios da reserva do possível e da subsidiariedade, neste
sentido, são instrumentos para confrontar a realidade à efetivação
dos direitos fundamentais. A partir do princípio da reserva do
possível há que se enfatizar a necessidade de manter a “fonte
produtora” de bens materiais pertinentes à efetivação dos
direitos fundamentais: a economia. A economia de mercado, típica do
Estado Fiscal, que propicia ao Estado a sua principal fonte de
receitas para a instituição de políticas públicas: os impostos.
Sob nenhum pretexto os direitos fundamentais poderão ser
sacrificados em sua substância para a efetivação dos próprios
direitos fundamentais. Igualmente se deve dizer dos impostos: estes
não podem sacrificar a si mesmos, o que ocorre quando atingem
patamares tão elevados que sufocam as suas próprias fontes.
A presença do Estado, por seu turno,
deve respeitar a autonomia dos indivíduos e das comunidades. O
princípio da subsidiariedade, nesta esteira, vem para afastar tanto
as concepções individualistas quanto as coletivistas de sociedade,
reconhecendo o valor da dignidade humana e dos direitos da
personalidade sem, no entanto, desprezar o valor da comunidade.
Questão mais penosa, todavia, é indagar sobre quais são os
direitos fundamentais que merecem o status
de fundamentais? Dentre os
direitos fundamentais, quais são, afinal, seus núcleos essenciais
inafastáveis? Quais as dimensões que definem o mínimo existencial?
Não há resposta definitiva e
acabada, sobretudo no presente trabalho, ainda que tais conceitos
necessitem de um mínimo de objetividade. É certo que uma das
premissas essenciais para a resposta de tais indagações é, como
bem já se ressaltou, a análise da realidade. Esta também não é
passível de ser conhecida integralmente; mas parcialmente ela é.
Para tanto, é imprescindível para a efetivação dos direitos
fundamentais o estudo da realidade a partir da história, da
filosofia, da teologia, da economia, e de tantas outras ciências.
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1
SARLET, I. W. Eficácia
dos Direitos Fundamentais. 7ª
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 39
2
Nesta acepção, a expressão ‘direitos fundamentais’ deve ser
tomada em sentido amplo e de forma geral, como raiz filosófica dos
positivados direitos fundamentais, sendo, neste caso, ora sinônimo
de direito natural, ora de direitos humano. Em momento mais oportuno
serão analisadas as principais terminologias e definições.
3
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado
de Direito e Constituição:
4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6
4
SARLET, I. W. Eficácia
dos Direitos Fundamentais. 7ª
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 39
5
Nesta esteira, Michel VILLEY “Durante
toda a sua vida espiritual, o cristão deixa de ser parte do
organismo político, ele é um todo, um valor em si. Ele mesmo é um
fim superior aos fins temporais da política, e sua pessoa
transcende o Estado. Daqui provêm os germens das liberdades que
serão opostas ao Estado nos futuros “direitos do homem”.
VILLEY,
Michel . Filosofia
do Direito.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 127
6
Faz-se necessária a compreensão de que a cultura judaico-cristã e
greco-romana não se estabilizou na Europa de uma hora para outra,
mas foi fruto se um processo que durou séculos. A cultura pagã
dominou a Europa durante considerável parte da idade média.
7
SILVA, José Afonso. Curso
de Direito Constitucional. 29
ed. São Paulo: Malheiros, 2007,
p.
152
8
Ibidem, p. 152
9
A construção doutrinária acerca das dimensões serão abordadas a
seguir, concomitantemente aos períodos históricos a cada qual
correspondentes.
10FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Estado
de Direito e Constituição.
4ª ed. São Paulo. Saraiva,
2007, p. 23
11“We
hold these truths to be self-evident, that all men are created
equal, that they are endowed by their Creator with certain
unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the
pursuit of Happiness.” (tradução
livre) Disponível na Internet:
http://www.ushistory.org/declaration/document/index.htm.
Acesso em: 20 de abril de 2009
12
SILVA, José Afonso. Curso
de Direito Constitucional. 29
ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 155
13
Ibidem, p.157
14
Ibidem, p.158
15
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos
Humanos Fundamentais.
9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 19
16
A Constituição mexicana de 1917 já contemplava em seu texto os
direitos fundamentais sociais.
17
“La Constituición de
Weimar ha sido, durante mucho tiempo, el texto inspirador de las
cartas constitucionales que han tentado conjugar en su sistema de
derechos fundamentales las libertades con los derechos econômicos,
sociales y culturales.” (LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 40)
18
Vale frisar que os apontamentos históricos não se esgotam neste
capítulo, mas, ao contrário, sempre serão utilizados conforme se
faça oportuno.
19
No original, “(...)
derechos humanos aparecen como un concepto de contornos más amplios
e imprecisos que la noción de derechos fundamentales” LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 46
20
Para os fins desta monografia, para afastar qualquer confusão, os
termos direitos fundamentais e direitos humanos são utilizados como
sinônimos, embora a doutrina discuta sobre diferenças na natureza
de cada qual. Também serão entendidas como direitos fundamentais
e, caso se faça oportuno, explicadas, as terminologias direitos
públicos subjetivos, liberdades públicas, liberdades individuais,
etc.
21
Ibidem, p. 20
22
MENDES, Gilmar.
Os
direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem
constitucional. Revista
Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro,
2002. Disponível na Internet: .
Acesso em: 20 de abril de 2009
23
No original: “En su significación axiológica objetiva, los
derechos fundamentales representan el resultado del acuerdo básico
de las diferentes fuerzas sociales, logrando a partir de relaciones
de tensión y de los consieguintes esfuerzos de cooperación
encaminados al logro de metas comunes.
sistema de derechos fundamentales las libertades con los derechos
econômicos, sociales y culturales.” (LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 21)
24
MENDES, Gilmar.
Os
direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem
constitucional. Revista
Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro,
2002. Disponível na Internet: .
Acesso em: 20 de abril de 2009
25
No original, “determinan el estatuto jurídico de los ciudadanos,
lo mismo en sus relaciones con el Estado que en sus relaciones entre
si. Tales derechos tienden, por tanto, a tutelar la libertad,
autonomia y seguridad de la persona no solo frente al poder, sino
también frente a los demás miembros del cuerpo social.”
(LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p. 22)
26
Ainda, continua o autor: “enquanto direitos subjetivos, os
direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de
impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados.”MENDES,
Gilmar. Os
direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem
constitucional. Revista
Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro,
2002. Disponível na Internet: .
Acesso em: 20 de abril de 2009.
27
LUNO, Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004, p.174
28
DIMOULIS, Dimitri, MARTINS, Leonardo.
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1ª
ed.
São
Paulo: RT, 2006, p. 63
29
Nesse sentido, os autores ressaltam a importância das
classificações propostas por Jellinek: “Se denominarmos a esfera
do Estado com a letra E
a esfera de cada indivíduo(titular de direito) com a letra I,
podemos distinguir três categorias ou espécies de direitos
fundamentais conforme o relacionamento entre E
e
I.
Esta tipologia permite estabelecer uma distinção entre direitos
negativos (de resistência), os direitos sociais e os direitos
políticos, conforme as definições dadas por Jellinek nos finais
do século XIX e utilizadas pela doutrina contemporânea.” 64 A
presente monografia elegeu esta discussão como ponto central, e,
por isso, mais a frente se discutirá minuciosamente a problemática
da interação entre Estado e Indivíduo, ou melhor, entre Estado e
Sociedade. Ibdem, p. 64
30
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso
de Direito Constitucional.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 255
31
DIMOULIS, Dimitri, MARTINS, Leonardo.
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1ª
ed.
São
Paulo: RT, 2006, p. 64-71
32
Cumpre salientar, ainda nas palavras do autor que “a essência do
direito está na proibição imediata de interferência imposta ao
Estado. Trata-se de um direito negativo, pois gera a obrigação
negativa endereçada ao Estado de deixar de fazer algo. Trata-se de
uma obrigação de abster-se da intervenção na esfera de liberdade
garantida pela Constituição. (imperativo de omissão –
unterlassungsgebot)” Ibdem, p.65
33
No original, “conporta
el reconocimentode una esfera de libertad individual negativa de los
ciudadanos”. Imperioso acrescentar, nas palavras do autor:
“De ahí que, pese a la intima conexión existente entre este
conjunto de derechos , se pueda trazar uma distinción entre
aquellos que prioritariamente se dirigen a la afirmación de la
integridad moral de la persona, como expresiones concretas de su
dignidad, y aquellos otros que persiquen la protección de su
integridad física y el despliegue de su libertad” (LUNO, Antonio
E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004 p 24)
34
Ibdem, p. 67- 68
35
Ibdem, p. 178
36
A possibilidade de participação dos indivíduos nos processos de
decisão do Estado e de “pedir contas”já eram previstas nas
Declarações e Constituições do séc XVIII. Os direitos políticos
sempre constituíram a base do regime democrático, segundo o
brocardo governo do povo pelo povo” (Ibdem, p. 68)
37
Os direitos fundamentais de terceira dimensão trazem algumas
particularidades, como a titularidade passiva. Segundo Gilmar
Mendes, “os direitos fundamentais de terceira dimensão
peculiarizam-se pela titularidade difusa ou coletiva, uma vez que
são concebidos para proteção não do homem isoladamente, mas de
coletividades, de grupos. Tem-se, aqui, o direito à paz, ao
desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do
patrimônio histórico e cultural.” (MENDES, Gilmar Ferreira;
COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 234)
38
Segundo os autores: “a Declaração francesa de 1793 (pertencente
à Constituição jacobina da fase radical de esquerda da Revolução
Francesa) garantia a assistência aos necessitados como uma “dívida
sagrada” da sociedade e o direito de acesso à educação(arts. 21
e 22)” (DIMOULIS, Dimitri, MARTINS, Leonardo.
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1ª
ed.
São
Paulo: RT, 2006, p. 35)
39
TORRES, Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 7.
40.
Neste sentido, “isso indica que é inexato se referir a gerações
dos direitos fundamentais, considerando que os direitos sociais
sejam posteriores aos direitos de inspiração
liberal-individualista ou que estes tenham substituído,
ultrapassado os direitos fundamentais clássicos da dita primeira
geração liberal-individualista. Não há dúvida que a parcela do
orçamento estatal dedicada ao financiamento dos direitos sociais
após Segunda Guerra Mundial é bem maior do que aquelas de inícios
dos séculos XIX. Mas essa é uma alteração quantitativa, que
indica uma mudança nas políticas públicas, e não de uma inovação
no âmbito dos direitos fundamentais, cuja teoria e prática
conheceram, desde o início do constitucionalismo, os direitos
sociais.”, Ibdem p. 35
41
TORRES, Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 08
42
“A proteção do mínimo existencial, sendo pré-constitucional,
está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor,
nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na idéia
de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e
da dignidade humana.”, Ibidem p. 13
43
TORRES, Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 14
44
A efetivação dos direitos fundamentais através das normas
infraconstitucionais dos diversos ramos do direito serão objeto de
analise em capítulo posterior.
45
TORRES, Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 83-84
46
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso
de Direito Constitucional.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 294
47
Ibidem p.295
48
TORRES,
Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p.
90
49
Ibdem p. 317
50
No original, o núcleo essencial “equivale a la naturaleza
jurídica de cada derecho que se considera preexistente al momento
legislativo; en este sentido se puede hablar de una
recognoscibilidad de ese tipo abstracto en la regulación concreta,
de forma que los especialistas en Derecho pueden responder si lo que
el legislador ha regulado se ajusta o no a lo que generalmente se
entiende por un derecho de tal tipo [...]” (LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004 p.77)
51
MENDES,
Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso
de Direito Constitucional.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 317
52
LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004 p. 77
53
Nas palavras de Gilmar Mendes, a crítica às teorias se desenvolve
da seguinte forma: “ É verdade que a teoria absoluta , ao acolher
uma noção material do núcleo essncial, insuscetível de redução
por parte do legislador, pode converter-se, em muitos casos, numa
fórmula vazia, dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade
de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse
mínimo essencial. É certo, outrossim, que a idéia de uma proteção
ao núcleo essencial do direito fundamental, de difícil
identificação, pode ensejar o sacrifício do objeto que se
pretende proteger. Não é preciso dizer também que a idéia de
núcleo essencial sugere a existência clara de elementos centrais
ou essenciais e elementos acidentais, o que não deixa de preparar
significativos embaraços teóricos e práticos. [...] Por seu
turno, a opção pela teoria relativa pode conferir uma
flexibilidade exagerada ao estatuto dos direitos fundamentais o que
acaba por descaracteriza-los como princípios centrais do sistema
constitucional. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio.;
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 317-318
54
TORRES,
Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p.
90
55
Traduzido do original: “Estos métodos de delimitar el contenido
esencial no son alternativos, sino que se pueden considerar
complementarios, de modo que, al enfrentarse con la determinación
del contenido esencial de todo concreto derecho, pueden ser
conjuntamente utilizados, para contrastar los resultados a los que
por una u otra vía pueda llegarse.” (LUNO,
Antonio E. Perez Los
Derechos Fundamentales.
8 ed. Madrid. Tecnos, 2004. p. 77)
56
TORRES, Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 43
57
O autor enumera as principais características da seguinte forma:
“a) todos os direitos sociais são direitos fundamentais sociais;
b) os direitos fundamentais sociais são plenamente justificáveis,
independentemente da intermediação do legislador; c) os direitos
sociais fundamentais são interpretados de acordo com os princípios
da interpretação constitucional, tais como os da máxima
efetividade, concordância prática e unidade da ordem jurídica.”
Ibidem p. 45
58
Ibidem p. 53
59
Ibdem p. 42
60
O tema será desenvolvido em capítulo próprio.
61
NABAIS, José Casalta. Por Um Estado Fiscal
Suportável: estudos de direito fiscal.
Coimbra: Almedina, 2005 p. 10
62
Ibidem p. 13
63
“[...]deveres jurídicos do homem e do cidadão que, por
determinarem a posição fundamental do indivíduo, têm especial
significado para a comunidade e podem por esta ser exigidos. Uma
noção que, decomposta com base num certo paralelismo com o
conceito de direitos fundamentais, nos apresentam deveres
fundamentais como posições jurídicas passivas, autônomas
subjetivas individuais, universais e permanentes e essenciais
NABAIS, José Casalta. O
Dever
Fundamental de Pagar Imposto. 3ª
ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 64
64
Ibidem p. 31
65
Ibdem p. 19
66
Ibdem p.15
67
Ibdem p. 16-17
68
Ibdem p. 19
69
ORTEGA Y GASSET, José A
rebelião das Massas. Martins
Fontes, São Paulo, 2002 p. 41-48
70
Nas palavras do autor, “[...] eu nunca disse que a sociedade
humana deve ser aristocrática, mas muito mais que isso. Disse e
continuo acreditando, cada dia com mais convicção, que a sociedade
humana é sempre aristocrática, queira ou não, por sua própria
essência, a ponto de ser sociedade na medida em que é
aristocrática, e deixa de sê-lo na medida em que se
desaristocratiza.” Ibidem p.50
71
Ibdem p. 52
72
Nesse sentido, Ortega y Gasset expõe “[...] as massas conhecem
e empregam hoje, com relativa eficiência, muitas das técnicas que
antes só eram empregadas por indivíduos especializados. E não só
as técnicas materiais, como também, o que é mais importante, as
técnicas jurídicas e sociais. No século XVII, certas minorias
descobriram que todo ser humano, pelo simples fato de nascer, e sem
necessidade de nenhuma qualificação especial, possuía certos
direitos políticos fundamentais, os chamados Direitos do Homem e do
Cidadão, e que, a rigor, esses direitos comuns são os únicos
existentes. [...] A soberania do indivíduo não qualificado, do
indivíduo humano genérico e como tal, passou de idéia ou ideal
jurídico que era a um dote psicológico constitutivo do homem
médio. E note-se bem: quando algo que foi ideal torna-se
ingrediente da realidade deixa, inexorávelmente, de ser ideal. O
prestígio e a magia autorizante, que são seu efeito sobre o homem,
se volatizam. Os direitos niveladores da generosa inspiração
democrática se converteram, de aspirações e ideais, em apetites e
supostos inconscientes. Pois bem, o sentido daqueles direitos não
era outro senão o de libertar aquelas almas humanas de sua servidão
interior e proclamar dentro delas uma certa consciência de domínio
e dignidade.” Ibdem p. 53
73
Esta passagem, em especial, faz jus a uma transcrição literal no
corpo do texto. Qualquer tentativa de resumi-la sacrificaria a
originalidade e o brilhantismo do raciocínio do filósofo espanhol.
Ibdem p. 65-66
74
Ibidem. p. 121
75
Ibidem p. 122
76
Ibidem p. 89
77
Será deveras pertinente estabelecer uma conexão entre esta
abordagem e a reserva do possível, a ser desenvolvida na terceira
parte desta monografia. Ibidem p. 77-83
78
Ibidem. p. 78
79
Ainda, o filósofo complementa que “[...]é falso dizer que são
as “circunstâncias que decidem”. Ao contrário: as
circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos que
nos decidir. Mas o que decide é o nosso caráter.” Idem
80
TORRES,
Ricardo Lobo, Tratado
de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário.
15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009
p. 11
81
Idem
82
FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos
Humanos Fundamentais.
9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 14
83
ORTEGA Y GASSET, José A
rebelião das Massas. Martins
Fontes, São Paulo, 2002 p. 15
84
Ibidem p. 82
85
Idem
86
Por óbvio, a acessibilidade neste caso é relativa. Mesmo para as
classes mais baixas, os bens essenciais à subsistência são mais
acessíveis que para a população pobre de um século atrás, por
exemplo.
87
Faz-se jus a transcrição, neste ínterim, do texto original: “por
mais rico que um indivíduo fosse em relação aos demais, como a
totalidade do mundo era pobre, a esfera de facilidades e comodidades
que sua riqueza podia proporcionar era muito reduzida. A vida do
homem médio de hoje é mais fácil, cômoda e segura que a do mais
poderoso homem de outros tempos. O que importa não ser mais rico
que os outros se o mundo lhe proporciona magníficos caminhos,
estradas de ferro, telégrafo, hotéis, segurança física e
aspirina?”ORTEGA Y GASSET, José A
rebelião das Massas. Martins
Fontes, São Paulo, 2002 p. 88
88
TORRES,
Ricardo Lobo, Tratado
de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário.
15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009
p. 13
89
Ibidem pg -71-72
90
GALDINO, Flávio. Introdução
à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005 p.153-155
91
NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento
econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas
Emendas à Constituição da República de 1988.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
92
TORRES,
Ricardo Lobo, Tratado
de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário.
15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009
p. 70-73
93
Ricardo Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p. 44-48
94
Idem
95
Segundo o autor, “[...] o texto da Lei Fundamental brasileira –ao
contrário da alemã- não permite tal interpretação. O Poder
Constituinte de 1988, face aos enormes desafios do poder público na
área social, inseriu uma vasta gama de direitos sociais,
localizando-os no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do
Título II da Carta, denominado “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”. KRELL, Andréas J. Direitos
Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os
(des)caminhos de um direito constitucional comparado.
Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2002, p. 49
96
TORRES,
Ricardo Lobo, Tratado
de Direito Constitucional: Financeiro e Tributário.
15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009,
p.13-14
97
Ibidem, p. 16
98
Ibidem p. 13-16
99
Ibidem p. 13-16
100
TIMM, Luciano Benetti; MACHADO, Rafael Bicca Direito,
Mercado e Função Social.
http://www.viadesignlabs.com/lawandeconomics/Direito_Mercado_Funcao_Social.pdf
.Acesso em 19/08/2009
101
TIMM, Luciano Benetti; SCHAFER, Hans-Bernd; COOTER, Robert. Direito
e Desenvolvimento: qual a melhor política pública para o Estado
dirigir o Desenvolvimento?
http://www.cmted.com.br/restrito/upload/artigos/38.pdf
Acesso em 19/08/2009.
102
Ibiden
103
Ibiden
104
NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento
econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas
Emendas à Constituição da República de 1988.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
105
MOREIRA, Egon Bockmann. Desenvolvimento
econômico, políticas públicas e pessoas privadas (passado,
presente e futuro de uma perene transformação)
Revista de Direito do Estado – RDE, Rio de Janeiro, ano 3, n. 10,
p. 195-222, abr/jun. 2008
106
NABAIS, José Casalta. O
Dever
Fundamental de Pagar Imposto. 3ª
ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 97
107
Ibidem. P. 119
108
Ibidem p. 185
109
Ibidem p. 185
110
Ibidem p. 186
111
Ibidem p. 192-193
112
Ibidem p. 193
113
Ibidem p. 195
114
De acordo com NABAIS, “A “estadualidade fiscal” significa,
pois, uma separação fundamental entre o Estado e a economia e a
conseqüente sustentação financeira daquele através da sua
participação nas receitas da economia produtiva pela via do
imposto. Só essa separação permite que o estado e a economia
actuem segundo critérios próprios ou autônomos.O Estado está
orientado pelo interesse geral ou comunitário da realização da
justiça, critério que pode falhar uma vez que nem sempre o mesmo é
suficientemente claro, para além das vias para a sua efetivação
não estarem totalmente isentas de conduzirem a avaliações erradas
ou mesmo a confusões do interesse geral com os interesses
particulares.” (NABAIS, José Casalta. Por
Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal.
Coimbra: Almedina, 2005 p. 47)
115
Será mais oportuno estabelecer considerações acerca do assunto no
desenvolvimento do princípio da subsidiariedade.
116
NABAIS, José Casalta. Por
Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal.
Coimbra: Almedina, 2005 p. 52
117
Ibidem p. 63
118
Ibidem p.52
119
“Não podem ser colocados numa frasquia tão baixa que equivalha,
ao fim e ao cabo, abandonar os contribuintes à “ferocidade” do
fisco, o que ocorrerá seguramente se a tributação, de alguma
maneira, se aproximar da verificação da chamada “lei do bronze
do imposto”, segundo a qual “ao particular deve ser deixado só
o mínimo necessário para o seu consumo de modo que junto dele não
se possa constituir qualquer energia econômica potencial”Ibidem
p. 52-53
120
Ibidem. p. 45-49
121
Trata-se de um dos maiores economistas do século XX. Foi vencedor
do prêmio Nobel de economia em 1974, sendo sua mais famosa obra “Os
Caminhos da Servidão”, tendo também escrito sobre direito,
sobretudo no livro “Direito, Legislação e Liberdade”. Foi um
notável teórico e defensor do liberalismo, ou o que se
convencionou chamar de neoliberalismo. A presente monografia não
visa adotar a teoria integral sobre o liberalismo do autor, tampouco
defende um Estado “Ultra-Mínimo”. Antes busca alguns elementos
críticos sobre as idéias de liberdade e de intervenção do Estado
na sociedade. Convém asseverar que as noções de liberdade
expostas pelo autor austríaco não se restringem tão-só à esfera
econômica: muito mais que isso, trata-se do direito fundamental à
liberdade em sentido amplo, que inclui a liberdade econômica.
122
HAYEK, F. V. Direito,
Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos princípios
liberais de justiça e economia política.
v.1 São Paulo: Visão, 1985. p. 43
123
Ibidem p. 43
124
Ibidem p..48-49
125
Ibidem. p.. 49-50
126
NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento
econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas
Emendas à Constituição da República de 1988.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
127
Nesse sentido, o economista frisa que “[E]mbora provavelmente todo
aperfeiçoamento benéfico deva ser feito pouco a pouco, se cada
passo não for orientado por um corpo de princípios coerentes o
resultado tenderá a ser uma supressão da liberdade individual.”
HAYEK, F. V. Direito,
Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos princípios
liberais de justiça e economia política. v.1 São
Paulo: Visão, 1985.
p.
63
128
Ibidem p. 65
129
“[A] idéia de que não temos inteira liberdade de escolha e
seguir qualquer combinação de características que desejamos
conferir à nossa sociedade, ou de agregá-las num conjunto viável
–ou seja, de que não podemos compor uma ordem social desejável
como um mosaico, pela seleção dos elementos de nossa preferência,
e que muitas medidas bem-intencionadas podem ter uma longa série de
conseqüências imprevisíveis e indesejáveis -, parece intolerável
ao homem moderno. Foi-lhe ensinado que pode alterar à vontade tudo
o que ele mesmo fez e, inversamente, que tudo que é capaz de
alterar deve também ter sido feito por ele. Ainda não aprendeu que
essa idéia ingênua deriva da ambigüidade da palavra ’feito’[...]”
Ibidem p. 66-67
130
Ibidem p. 68-69
131
NICZ, Alvacir Alfredo; DINIZ, Cláudio Smirne. O desenvolvimento
econômico segundo o pensamento neoliberal e seus reflexos nas
Emendas à Constituição da República de 1988.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 6, n. 24, p. 9-23, out/dez.. 2008
132
NABAIS, José Casalta. Por
uma Liberdade com Responsabilidade. Lisboa:
Coimbra editora, 2007, p. 87
133
Ibidem p. 88
134
Ibidem p. 88-89
135
Ibidem p. 89-90
136
Ibidem p. 91-92
137
Ibidem p. 93-95
138
Ibidem p. 95-97
139
Ibidem p. 97-98
140
FABER TORRES, Silvia. O
Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo.
Rio de Janeiro: Renovar,
2001 p. 1-3
141
Neste sentido, Silvia FABER TORRES expõe de forma mais
minuciosamente o tema: “[A] alternativa que se vislumbra para que
se estabeleça um equilíbrio entre a ideologia interventiva e a
supressora do Estado na ordem econômica e social, a revelar um novo
paradigma de legitimidade do papel do Estado, é resgatada da
doutrina social da Igreja Católica, que concebe o princípio da
subsidiariedade como justificativa de substituição do Estado de
Bem-Estar Social, hoje em refluxo, em homenagem à valorização da
sociedade e à liberdade humana, que têm como pressuposto a livre
iniciativa e a responsabilidade dos indivíduos e grupos menores no
exercício de seus direitos e obrigações. [...] O princípio da
subsidiariedade vem contribuir para o estabelecimento de uma relação
equilibrada entre o poder público e os cidadãos e, de um ponto de
vista jurídico, indicar os parâmetros para uma distribuição
subsidiária das competências e de poderes entre autoridades de
distintos níveis, públicas ou não, visando ao atendimento das
demandas sociais de modo mais eficiente, observando, sempre, os
valores e vontades da sociedade.” Ibidem p. 3
142
Ibidem p. 7
143
Senão vejamos, in verbis, o exposto na Encíclica: “[D]issemos
que não é justo que o indivíduo ou a família sejam absorvidos
pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que aquele e esta tenham
a faculdade de proceder com liberdade, contando que não atentem
contra o bem geral, e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos
governantes pertence proteger a comunidade e as suas partes: a
comunidade, porque a natureza confiou a sua conservação ao poder
soberano, de modo que a salvação pública não é somente aqui a
lei suprema, mas é a própria a causa e a razão de ser do
principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não
deve visar só os interesses daqueles que têm o poder nas mãos,
mas ainda o bem dos que lhe estão submetidos. Tal é o ensino da
filosofia, não menos que da fé cristã. Por outra parte, a
autoridade vem de Deus e é uma participação da Sua autoridade
suprema; desde então, aqueles que são os depositários dela devem
exercê-la à imitação de Deus, cuja paternal solicitude se não
estende menos a cada uma das criaturas em particular do que a todo o
seu conjunto. Se, pois, os interesses gerais, ou o interesse duma
classe em particular, se encontram ou lesadós ou simplesmente
ameaçados, e se não for possível remediar ou obviar a isso doutro
modo, é de toda a necessidade recorrer à autoridade pública. PAPA
LEÃO XIII, Rerum
Novarum. Extraída
do site:
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html,
acesso na data de 8/7/2009.
144
[...]assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem
efectuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à
colectividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais
elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é
uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O
fim natural da sociedade e da sua acção é coadjuvar os seus
membros, não destruí-los nem absorvê-los. PAPA
PIO XI, Quadragesimo
Anno
Extraída do site:
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html,
acesso na data de 8/7/2009
145FABER
TORRES, Silvia. O Princípio
da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001 p. 15-17
146
Ibidem p. 09
147
Ibidem p. 18-19
148
Ibidem p. 35
149
Ibidem p. 68
150
Ibidem p. 69-70
151
Ibidem p. 72
152
Ibidem p. 73-80
153
Ibidem p. 76
154
Ibidem p. 81-83
155
Ibidem p. 83-88
156
Ibidem p. 88- 92
157
Ibidem p. 152-153
158
NABAIS, José Casalta. Por
Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal.
Coimbra: Almedina, 2005 p. 205
159
Ibidem p. 205
160
Ibidem p. 205
161
PAPA JOÃO XXIII, Matre
et Magistra
http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_jxxiii_enc_15051961_mater_po.html.
Acesso no dia 19/08/2009
162
NABAIS, José Casalta. O
Dever
Fundamental de Pagar Imposto. 3ª
ed. Coimbra: Almedina, 2007 p. 211
163
FABER TORRES, Silvia. O
Princípio da Subsidiariedade no Direito Público Contemporâneo.
Rio de Janeiro: Renovar,
2001 p. 211-212
164
JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria
geral das concessões de
serviço público, São
Paulo, Dialética, 2003, p. 12.
165
Ricardo
Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009
p.103
166
WANG, D. W. L. Escassez de
recursos, custos dos direitos e reserva do possível na
jurisprudência do STF.
Revista Direito GV, v. 4, p. 539-568, 2009. p. 24
167
Esta frase comporta a seguinte tradução: “Nada que custe
dinheiro pode ser absoluto” SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The
Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova
Iorque-Londres: Norton, 1999 p. 97
168
Ibiden pg 23-24
169
Ricardo
Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009
p. 105
170
GALDINO, Flávio. Introdução
à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 333
171
NABAIS, José Casalta. Por
Um Estado Fiscal Suportável: estudos de direito fiscal.
Coimbra: Almedina, 2005. p. 51-56
172
Segundo estes
autores, “[A]ll rights are claims to an affirmative governmental
response. All rights, descriptively speaking, amount to entitlements
defined and safeguarded by law. A cease-and-desist order handed down
by a judge whose injunctions are regulary obeyed is a good example
of government “intrusion” for the sake of individual liberty.
But government is involved at an even more fundamental rights that
such judges protect. Every thou-shalt-not, to whomever it is
addressed, implies both an affirmative grant of right by the state
and legitimate request for assistance addressed to an agent of the
state.” SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The
Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova
Iorque-Londres: Norton, 1999 p.
44
173
José Casalta NABAIS ressalta, nesse sentido, que “[...]os custos
dos direitos sociais concretizam-se em despesas públicas com
imediata expressão na esfera de cada um de seus titulares, uma
esfera que assim se aplica na exacta medida dessas despesas. Uma
individualização que torna tais custos particularmente visíveis
tanto do ponto de vista de quem os suporta, isto é, do ponto de
vista do estado, ou melhor, dos contribuintes, como do ponto de
vista de quem deles se benificia, isto é, do ponto de vista dos
titulares dos direitos sociais.” NABAIS, José Casalta. O
Dever Fundamental de Pagar
Imposto. 3ª ed. Coimbra:
Almedina, 2007 p. 31
174
Ainda, acerca do assunto, cumpre destacar novamente os ensinamentos
do jurista português: “[J]á os custos dos clássicos direitos e
liberdades se materializam em despesas do estado com a sua
realização e protecção, ou seja, com despesas com serviços
públicos adstritos basicamente à produção de bens públicos em
sentido estrito. Despesas essas que, não obstante aproveitarem aos
cidadãos na razão directa das possibilidades de exercício desses
direitos e liberdades , porque não se concretizam em custos
individualizáveis junto de cada titular, mas em custos gerais
ligados à sua realização e proteção, têm ficado na penumbra ou
mesmo no esquecimento” Ibidem p. 22
175
SUSTEIN, Cass; HOLMES, Stephen. The
Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. Nova
Iorque-Londres: Norton, 1999 p. 59-76
176
Ricardo
Lobo, Direito
ao mínimo existencial.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009 p.105-106
177
ORTEGA Y GASSET, José A
rebelião das Massas. Martins
Fontes, São Paulo, 2002 p. 89
178
GALDINO, Flávio. Introdução
à teoria dos Custos dos Direitos: Direitos não nascem em árvores.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p.333
179
NABAIS, José Casalta. Por
uma Liberdade com Responsabilidade. Lisboa:
Coimbra editora, 2007, p. 87
180
Faz-se jus transcrever o raciocínio de José CASALTA NABAIS: “[A]
separação em causa não só permite a realização estadual de
interesses gerais, como impede automaticamente que a sua realização
subverta o sistema autônomo (livre). É que, tendo o Estado Fiscal
um interesse próprio, se bem que indirecto, nas receitas da
economia, ele não pode, a título das suas tarefas de controlo e
correcção ou a qualquer outro, afectar inteiramente a
produtividade da economia. É que as suas missões de ordenação e
de providência, assim como seus obectivos sociais e culturais,
apenas podem ser prosseguidos se e na medida em que o sector
produtivo se mantenha duradouramente numa situação de propiciar os
meios necessários às tarefas comunitárias. Pois um estado que,
através da regula(menta)cão exarcebada ou de impostos exagerados,
estorve, paralize ou destrua a produtividade da economia, destrói-se
como estado fiscal, pois que, ao minar a sua base, mina, ao fim e ao
cabo, automaticamente a sua própria capacidade financeira. [O]
estado fiscal é assim, por natureza, um estado separado da economia
e, simultaneamente e por consequência, um estado limitado no que ao
domínio econômico concerne. O que, naturalmente, não significa
que ele tenha de ser um estado aeconómico, como a doutrina e a
teoria de estado do século passado qualificou o estado liberal, ou
um estado econômico negativo como hoje se designa o estado
oitocentista. Efectivamente, o estado fiscal não está impedido de
se assumir como um estado econômico positivo, como é o actual
estado capitalista, reconhecido, de resto, tanto por keynesianos
como por neoliberais, uma vez que o que distingue estas doutrinas
econômicas, quanto ao aspecto aqui em consideração, é tão-só é
um maior ou menor grau de intervenção e acção econômica do
estado contemporâneo. Nomeadamente, ninguém contesta que este tem
de ser o responsável pelo equilíbrio global da economia e que lhe
cabe um insubstituível na sua direcção, sobretudo ao nível da
macroeconomia. O que o estado fiscal não pode, sob pena de se negar
enquanto tal, é atingir uma dimensão tal que ponha em causa o
princípio da subsidiariedade ou supletividade do estado no domínio
econômico ou, o que é a mesma coisa vista de outro lado, não pode
pôr em causa a primazia da liberdade dos indivíduos ou o princípio
da repartição.” NABAIS, José Casalta. O
Dever Fundamental de Pagar
Imposto. 3ª ed. Coimbra:
Almedina, 2007 p. 198-199
181
ORTEGA Y GASSET, José A
rebelião das Massas. Martins
Fontes, São Paulo, 2002 p. 78
182
Ibidem p. 70
183
Ibidem p. 77-78
184
Ibidem p. 78
185
MARÍAS, Julian. Tratado
Sobre a Convivência. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 23
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