segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Remédios sem impostos: solução ou auto-engano?


Entidades ligadas à área farmacêutica iniciaram uma campanha pela redução ou extinção de tributos em remédios. Será uma boa ideia? 
Por Klauber Cristofen Pires
Interfarma - Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, a Abrafarma - Associação Brasileira de Redes de Farmácia e Drogarias e outras entidades ligadas ao setor farmacêutico iniciaram uma campanha visando reduzir ou eliminar os impostos sobre remédios, batizada de "Sem imposto, tem remédio" (Acesse o site da campanha aqui). 
No balcão de atendimento de uma dada rede de farmácias, encontro uma cesta de medicamentos indicando o preço total, incluídos os impostos, somando R$ 924,22, tendo ao seu lado o valor de R$ 597,97, representando uma diferença de 55%!
Indubitavelmente, a iniciativa vem carregada de boas intenções. Porém, será uma boa ideia?

Tendo visitado os sites da Abrafarma e da Interfarma, deparei-me, para minha felicidade, com a afirmação de ambas de defenderem os valores do livre mercado, da ampla concorrência e de repudiarem a indevida intervenção estatal no setor em que atuam. Portanto,  teço aqui os meus elogios porquanto o que tenho mais visto até então foram campanhas de índole socialista, do tipo "responsabilidade social". 
No site da campanha, consta a informação relevante de que "a carga tributária sobre os remédios comercializados no país é de quase 34%. Em países como Portugal, Suíça e Holanda, os medicamentos são tributados em, no máximo, 10%. No Reino Unido e Canadá, as pessoas simplesmente não pagam impostos quando compram remédio. Lá, a tributação é ZERO!"
Lembro aos leitores que impostos como o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, e o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, contêm cláusulas constitucionais de seletividade, pelas quais os impostos devem ser reduzidos, em razão de sua essencialidade, a ver:
IPI:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
IV - produtos industrializados;
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
ICMS:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: 
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;
Para bom entendimento do leitor não tão conhecedor da linguagem jurídica, o termo "poderá", que é usado no inciso II do parágrafo 2º do Art. 155, que cria o ICMS, deve ser entendido como "deverá".
Ambas as disposições constitucionais foram criadas com o intuito - vejam bem, caríssimos leitores - de orientar os respectivos governos federal (IPI) e estaduais (ICMS) a estipularem alíquotas mais módicas quando se tratar de produtos e serviços considerados "essenciais". 
Entretanto....como o Brasil é o país das maravilhas, a essencialidade tem sido usada para gravar mais pesadamente os tributos, contrariando frontalmente a Constituição, sob a lógica mais óbvia que dos produtos e serviços essenciais as pessoas quase não têm como se furtar, além de serem de mais fácil fiscalização, dado que são poucos os contribuintes recolhedores. Eis porque o preço das contas dos combustíveis, energia elétrica e de telefonia, por exemplo, são mais altas do que as de outros produtos e serviços. 
Sempre faço também questão de lembrar do velhaco cálculo de cobrança do ICMS, que majora na prática o valor nominal da alíquota, chamado de "por dentro", isto é, que usa a alíquota como um desconto do preço final, de forma que o imposto forme parte do próprio produto. Se alguém ainda não entendeu, o ICMS é cobrado sobre o produto e sobre o próprio ICMS relativo àquele produto. Assim é, por exemplo, que uma alíquota nominal de 35% sobre a fatura de energia elétrica significa realmente 54%!
Há ainda um bom exemplo de como isenções setoriais pouco ajudam a nos dar esperanças de pagarmos uma menor carga tributária. Refiro-me especialmente ao Art. 150, V, d, que estipula a imunidade tributária "aos livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a sua impressão".  Afinal, todos bem sabem o quanto são caros os livros no Brasil, apesar de usufruírem do privilégio tributário.
Francamente, sinto-me no dilema de Sofia: devo aderir à causa, como uma forma de apoiar a redução de impostos aqui, e aguardar novas campanhas para reduzir também ali e acolá, ou devo ser firme na proposta de uma redução geral de tributos, com uma correspondente diminuição do estado?
Do primeiro lado, se pensarmos bem, foi esta mesma a estratégia que os diferentes governos esquerdistas fizeram para majorar tributos e impor mais burocracia, isto é, a cabo de medidas casuístas e particularizantes. Consistiria uma campanha semelhante em estratégia, mas de sentido inverso, em um empreendimento bem-sucedido?
Em via inversa, não se enrola novamente um novelo de lã do mesmo modo que se fez para emaranhá-lo.  A coisa é mais complicada. Por exemplo, nós temos preços abusivamente altos para veículos, sendo grande parte representada por impostos. Países como Argentina e México produzem automóveis com preços até 50% mais baratos que no Brasil. Então a questão é: para um estado glutão, uma decisão de reduzir impostos em um setor não acabará resultando em onerar mais outros setores?
Em uma sociedade livre, todos os produtos e serviços interagem no processo produtivo: espera-se que, nominalmente, os preços dos remédios tornem-se mais baratos a partir do momento em que se tornarem isentos de tributos, mas todas as outras coisas necessárias à produção de remédios ficarão mais caras se o governo decidir transferir a carga tributária para outros setores, de modo que os remédios ficarão mais caros por conta da majoração dos custos de produção. 
A história das intervenções socialistas em diversos países tem demonstrado à exaustão que é assim que acaba acontecendo, e pior ainda, que impuseram à população um empobrecimento relativo ou absoluto. Neste sentido, assim se expressa o filósofo e economista Hans Hermann-Hoppe, em sua obra "Uma teoria sobre Capitalismo e Socialismo":
"Conseqüentemente temos, por exemplo, efeitos positivos altamente visíveis das políticas socialistas tais como “alimentos baratos”, “aluguéis baixos”, isto ou aquilo “grátis”, que não são apenas coisas positivas flutuando no ar, desconectadas de qualquer coisa, mas antes, são fenômenos que têm de ser pagos de alguma forma: pela escassez ou queda na qualidade dos alimentos, pelo déficit habitacional, decadência e favelas, filas e corrupção, e adiante, pela queda dos padrões de vida, reduzida formação de capital e/ou aumento de consumo de capital".  
A boa compreensão nos aconselha a persistir pelo segundo caminho: impostos e leis iguais para todos: impostos módicos e leis justas e não intrusivas. Reitero que transmito os parabéns à Interfarma e à Abrafarma porque entendo a questão de fundo que as move, mas sugiro que se mobilizem por uma campanha cívica em prol de uma diminuição geral da carga tributária para todas as atividades, demonstrando o quanto é cara a vida aos cidadãos, especialmente para os mais pobres,  quando temos de pagar pesados tributos, e que se não contivermos o estado em sua voracidade tributária, vamos todos sofrer com várias privações, entre as quais a de comprar remédios. 


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