Entidades ligadas à área farmacêutica iniciaram uma campanha pela
redução ou extinção de tributos em remédios. Será uma boa ideia?
Por Klauber Cristofen Pires
A Interfarma - Associação da Indústria Farmacêutica
de Pesquisa, a Abrafarma - Associação Brasileira de Redes de
Farmácia e Drogarias e outras entidades ligadas ao setor farmacêutico iniciaram
uma campanha visando reduzir ou eliminar os impostos sobre remédios, batizada
de "Sem imposto, tem
remédio" (Acesse o
site da campanha aqui).
No balcão de atendimento de uma dada rede de farmácias, encontro
uma cesta de medicamentos indicando o preço total, incluídos os impostos,
somando R$ 924,22, tendo ao seu lado o valor de R$ 597,97, representando uma
diferença de 55%!
Indubitavelmente, a iniciativa vem carregada de boas intenções.
Porém, será uma boa ideia?
Tendo visitado os sites da Abrafarma e da Interfarma, deparei-me, para minha felicidade, com a afirmação de ambas de
defenderem os valores do livre mercado, da ampla concorrência e de repudiarem a
indevida intervenção estatal no setor em que atuam. Portanto, teço aqui
os meus elogios porquanto o que tenho mais visto até então foram campanhas de
índole socialista, do tipo "responsabilidade social".
No site da campanha, consta a informação relevante de que
"a carga tributária sobre os remédios comercializados no país é de
quase 34%. Em países como Portugal, Suíça e Holanda, os medicamentos são
tributados em, no máximo, 10%. No Reino Unido e Canadá, as pessoas simplesmente
não pagam impostos quando compram remédio. Lá, a tributação é ZERO!"
Lembro aos leitores que impostos como o IPI - Imposto sobre
Produtos Industrializados, e o ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços, contêm cláusulas constitucionais de seletividade, pelas quais os
impostos devem ser reduzidos, em razão de sua essencialidade, a ver:
IPI:
Art. 153.
Compete à União instituir impostos sobre:
IV
- produtos industrializados;
§ 3º - O
imposto previsto no inciso IV:
I
- será seletivo, em função da essencialidade do produto;
ICMS:
Art.
155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
§
2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
III
- poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos
serviços;
Para bom entendimento do leitor não tão conhecedor da linguagem
jurídica, o termo "poderá", que é usado no inciso II do parágrafo 2º
do Art. 155, que cria o ICMS, deve ser entendido como "deverá".
Ambas as disposições constitucionais foram criadas com o intuito -
vejam bem, caríssimos leitores - de orientar os respectivos governos federal
(IPI) e estaduais (ICMS) a estipularem alíquotas mais módicas quando se tratar
de produtos e serviços considerados "essenciais".
Entretanto....como o Brasil é o país das maravilhas, a
essencialidade tem sido usada para gravar mais pesadamente os tributos,
contrariando frontalmente a Constituição, sob a lógica mais óbvia que dos
produtos e serviços essenciais as pessoas quase não têm como se furtar, além de
serem de mais fácil fiscalização, dado que são poucos os contribuintes
recolhedores. Eis porque o preço das contas dos combustíveis, energia elétrica
e de telefonia, por exemplo, são mais altas do que as de outros produtos e
serviços.
Sempre faço também questão de lembrar do velhaco cálculo de
cobrança do ICMS, que majora na prática o valor nominal da alíquota, chamado de
"por dentro", isto é, que usa a alíquota como um desconto do preço
final, de forma que o imposto forme parte do próprio produto. Se alguém ainda
não entendeu, o ICMS é cobrado sobre o produto e sobre o próprio ICMS relativo
àquele produto. Assim é, por exemplo, que uma alíquota nominal de 35% sobre a
fatura de energia elétrica significa realmente 54%!
Há ainda um bom exemplo de como isenções setoriais pouco ajudam a
nos dar esperanças de pagarmos uma menor carga tributária. Refiro-me
especialmente ao Art. 150, V, d, que estipula a imunidade tributária "aos
livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a sua impressão".
Afinal, todos bem sabem o quanto são caros os livros no Brasil, apesar de
usufruírem do privilégio tributário.
Francamente, sinto-me no dilema de Sofia: devo aderir à causa,
como uma forma de apoiar a redução de impostos aqui, e aguardar novas campanhas
para reduzir também ali e acolá, ou devo ser firme na proposta de uma redução
geral de tributos, com uma correspondente diminuição do estado?
Do primeiro lado, se pensarmos bem, foi esta mesma a estratégia
que os diferentes governos esquerdistas fizeram para majorar tributos e impor
mais burocracia, isto é, a cabo de medidas casuístas e particularizantes.
Consistiria uma campanha semelhante em estratégia, mas de sentido inverso, em
um empreendimento bem-sucedido?
Em via inversa, não se enrola novamente um novelo de lã do mesmo
modo que se fez para emaranhá-lo. A coisa é mais complicada. Por exemplo,
nós temos preços abusivamente altos para veículos, sendo grande parte representada
por impostos. Países como Argentina e México produzem automóveis com preços até
50% mais baratos que no Brasil. Então a questão é: para um estado glutão, uma
decisão de reduzir impostos em um setor não acabará resultando em onerar mais
outros setores?
Em uma sociedade livre, todos os produtos e serviços
interagem no processo produtivo: espera-se que, nominalmente, os preços
dos remédios tornem-se mais baratos a partir do momento em que se tornarem
isentos de tributos, mas todas as outras coisas necessárias à produção de
remédios ficarão mais caras se o governo decidir transferir a carga tributária
para outros setores, de modo que os remédios ficarão mais caros por conta da
majoração dos custos de produção.
A história das intervenções socialistas em diversos países tem
demonstrado à exaustão que é assim que acaba acontecendo, e pior ainda, que
impuseram à população um empobrecimento relativo ou absoluto. Neste sentido,
assim se expressa o filósofo e economista Hans Hermann-Hoppe, em sua obra
"Uma teoria sobre Capitalismo e Socialismo":
"Conseqüentemente
temos, por exemplo, efeitos positivos altamente visíveis das políticas
socialistas tais como “alimentos baratos”, “aluguéis baixos”, isto ou aquilo
“grátis”, que não são apenas coisas positivas flutuando no ar, desconectadas de
qualquer coisa, mas antes, são fenômenos que têm de ser pagos de alguma forma:
pela escassez ou queda na qualidade dos alimentos, pelo déficit habitacional,
decadência e favelas, filas e corrupção, e adiante, pela queda dos padrões de
vida, reduzida formação de capital e/ou aumento de consumo de capital".
A boa compreensão nos aconselha a persistir pelo segundo caminho:
impostos e leis iguais para todos: impostos módicos e leis justas e não
intrusivas. Reitero que transmito os parabéns à Interfarma e à Abrafarma porque
entendo a questão de fundo que as move, mas sugiro que se mobilizem por uma
campanha cívica em prol de uma diminuição geral da carga tributária para todas
as atividades, demonstrando o quanto é cara a vida aos cidadãos, especialmente
para os mais pobres, quando temos de pagar pesados tributos, e que se não
contivermos o estado em sua voracidade tributária, vamos todos sofrer com
várias privações, entre as quais a de comprar remédios.
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