No País em que latrocidas e estupradores são chamados de “reeducandos”,
o governo federal quer que o policial que mata um sequestrador para salvar o
refém seja chamado de “homicida”
JOSÉ MARIA E SILVA
Criar um “SUS” da segurança
pública, unificar as polícias e despir a PM de sua farda – eis as propostas que
prometem revolucionar a segurança pública no País. Praticamente unânimes entre
os acadêmicos especializados na área, essas ideias conquistam cada vez mais
adeptos em Brasília. É o que se percebe nas discussões da Comissão Especial de
Segurança Pública do Senado, instalada em 2 de outubro deste ano com o objetivo
de debater e propor soluções para o financiamento da segurança pública no
Brasil. Criada por iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros
(PMDB-AL), a comissão é presidida pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e tem
como relator o senador Pedro Taques (PDT-MT).
“O sistema de segurança pública no
Brasil está absolutamente falido” – com essa declaração, proferida numa
audiência pública realizada no dia 13 de novembro último, o senador Pedro
Taques resumiu um sentimento das ruas que hoje encontra guarida até nos
quartéis. Cada vez mais estão surgindo depoimentos de policiais militares
colocando em descrédito a própria corporação a que pertencem. É o caso do livro
O Guardião da Cidade (Editora
Escrituras, 2013, 256 páginas), do tenente-coronel Adilson Paes de Souza, fruto
de sua dissertação de mestrado “A Educação em Direitos Humanos na Polícia
Militar”, defendida na Faculdade de Direito da USP em 2012, sob a orientação do
cientista político Celso Lafer.
Nesse trabalho acadêmico,
festejado por toda a imprensa, o tenente-coronel da PM paulista defende a
ampliação da carga horária do estudo de direitos humanos na formação dos
oficiais da Polícia Militar, como forma de combater a tortura. Em artigo anterior,
procurei demonstrar que se trata de uma falácia. O Curso de Formação de
Oficiais é praticamente um curso completo de Direito e, como se sabe, é impossível
estudar qualquer disciplina do Direito sem tratar dos direitos humanos, uma vez
que a Constituição de 88, base legal de todas as disciplinas jurídicas, é
alicerçada, de ponta a ponta, nos direitos da pessoa humana.
Sobrevivendo na Gestapo brasileira
Em vários momentos do livro, influenciado
por pensadores de esquerda, que vêm na polícia um braço armado do sistema
capitalista, Paes de Souza, de modo quase indisfarçável, compara a Polícia
Militar brasileira com a Gestapo de Adolf Hitler. Chega a descrever o produto
das ações da PM como um novo campo de concentração nazista. Com base em artigo
da psicóloga e psicanalista Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes,
sintomaticamente intitulado “Violência, Massacre, Execuções Sumárias e
Tortura”, o tenente-coronel cita como exemplo desses casos, os 111 mortos do
Carandiru, em 1992, os 493 mortos quando dos ataques do PCC em 2006 e a
Operação Castelinho em 2002, “que constituiu uma emboscada”, com 12 mortos –
todos bandidos do PCC, acrescente-se, já que o coronel não o faz em sua tese.
Para a psicóloga Maria Auxiliadora
Arantes, citada no livro O Guardião da
Cidade, tais acontecimentos “são crimes filhotes de um Estado que deixou
intacto um aparelho de matar e que não puniu os que o montaram”. O
tenente-coronel Adilson Paes de Souza corrobora literalmente suas palavras,
tanto que acrescenta a elas a seguinte frase: “De fato, Auschwitz faz-se
presente”. Reparem: Paes de Souza está comparando o trabalho da Polícia Militar
– instituição em que atuou durante 28 anos, chegando a tenente-coronel – com a
violência das forças nazistas nos campos de concentração de Hitler. Justamente
num momento em que a PM está sob o fogo cerrado dos formadores de opinião.
O cientista político Celso Lafer, responsável
pela dissertação de mestrado de Adilson Paes de Souza na USP, deveria ter-lhe feito
uma pergunta singela antes de aceitar a orientação de seu trabalho: “Onde o
senhor estava, na condição de tenente-coronel da Polícia Militar, quando seus
subordinados de farda se tornaram exemplos atuais da Gestapo de Hitler,
torturando e executando pessoas?” Antes de pontificar sobre os problemas da
Polícia Militar, apresentando soluções mirabolantes do conforto de uma cátedra
universitária, o tenente-coronel deveria ter respondido para si mesmo essa
pergunta. Na condição de tenente-coronel da Gestapo brasileira (a se crer nos
seus próprios conceitos), ou Paes de Souza foi cúmplice do holocausto que
denuncia ou foi omisso diante dessa carnificina que imputa à PM. Em qualquer dos
casos, deveria refletir com mais profundidade sobre o assunto, antes de se
arvorar a defender tese, escrever livro e contribuir, ainda que involuntariamente,
para a difamação sistemática de que a PM é vítima na imprensa e nas universidades.
Não é possível sobreviver durante 28
anos num aterro sanitário moral e dele sair com a alma cheirando a talco, como
canta Gilberto Gil. Em seu livro, citando o economista Albert Hirschman, Paes
de Souza fala que os membros de uma instituição podem abandoná-la ou criticá-la
quando se sentem descontentes. O autor não diz, mas, no caso da Polícia
Militar, a via mais frequente é a omissão: o policial se esconde numa carreira
burocrática, evitando o confronto das ruas e, com isso, pode pontificar sobre
direitos humanos sem correr riscos. O tenente-coronel sobreviveu ao horror que
denuncia foi por essa terceira via? Sem essa explicação, suas reflexões e
denúncias sobre a PM perdem muito da autoridade que poderiam ter.
Depoimentos de PM homicidas
Para exemplificar as críticas que
faz à polícia, Adilson Paes de Souza colheu o depoimento de dois policiais
militares condenados por homicídio e se valeu também de dois depoimentos
colhidos pelo jornalista Bruno Paes Manso, do jornal O Estado de S. Paulo. Em junho de 2012, Manso defendeu no
Departamento de Ciências Políticas da USP a tese de doutorado “Crescimento e
Queda dos Homicídios em São Paulo entre 1960 e 2010”, em que faz uma “análise
dos mecanismos da escolha homicida e das carreiras no crime”. Essa tese de Manso
já havia lhe rendido o livro O Homem X:
Uma Reportagem sobre a Alma do Assassino em São Paulo (Editora Record,
2005), no qual o tenente-coronel buscou os dois depoimentos.
Os policiais ouvidos por Paes de
Souza ganharam os apelidos de “Steve” e “Mike”, geralmente dados aos policiais
que trabalham nas ruas. O policial Steve foi condenado a mais de 20 anos de
reclusão por um homicídio a tiros e facadas. “No auge da prática do ato, senti
que estava cheio de ódio e acabei descarregando tudo sobre o corpo da vítima. Tinha
um sentimento de ódio generalizado de tudo”, afirma o policial. De origem
nordestina, ele contou que seu pai era PM aposentado e costumava conversar com
toda a família na hora do jantar sobre o sentimento de honra que envolvia a
profissão. Inspirando-se no pai, Steve, ao completar 18 anos, ingressou na polícia,
por meio de concurso público.
“Fui designado para trabalhar numa
unidade da Polícia Militar na periferia da cidade de São Paulo. Comecei a ver
uma realidade que não conhecia: favelas, meninas estupradas, pessoas pobres vítimas
de roubo, o que causou revolta”, conta Steve. Movido por essa revolta, diz que começou
a trabalhar além do horário normal, prendendo o máximo possível de bandidos, na
esperança de acabar com a criminalidade na região. O PM conta que, numa
ocasião, prendeu em flagrante dois ladrões que tinham roubado um supermercado,
mas na noite do mesmo dia viu os dois na rua. Quando os abordou, soube que
fizeram um acordo com o delegado, inclusive deixando na delegacia uma parte da
propina para o policial.
“Nesse momento, percebi que a
corrupção existente nos distritos policiais da área onde trabalhava gerava a
impunidade dos delinquentes”, afirma Steve, que passou a frequentar velórios de
policiais mortos em serviço, alimentando ainda mais sua revolta com a impunidade
dos bandidos. Foi aí que decidiu fazer justiça com a própria farda: “Eu era
juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um
minuto para oração e a sentenciava a morte”. Essa vida de justiceiro fardado
destruiu sua família. Sua mulher chegou a tentar o suicídio. E, na cadeia,
sofreu maus-tratos e não teve a solidariedade dos colegas: os policiais que o
visitavam estavam mais preocupados em sondá-lo para saber se não seriam
delatados, em virtude de outras ocorrências.
Um dos entrevistados pelo repórter
Bruno Paes Manso, citado na dissertação do tenente-coronel Paes de Souza, também
relata que se via em guerra contra os criminosos e, movido pelo ideal de resolver
o problema da criminalidade, trabalhava praticamente o dobro: as oito horas
regulamentares pagas pelo Estado somadas às oito em que combatia o crime de
graça, por sua própria conta e risco. Esse policial contou ter deparado com
vários casos graves, que só via em filmes. Certa vez, atendeu a uma ocorrência
em que uma criança de quatro anos foi estuprada e ele, junto com outros
policiais militares, evitou o linchamento do estuprador. “Nesse momento, achou um
contrassenso ter que proteger quem havia praticado uma monstruosidade contra
uma menina. Sentiu revolta”, relata Paes de Souza.
Mais confrontos, mais mortes
Esse é praticamente o padrão dos
depoimentos de policiais militares condenados por homicídio: 1) imersão
idealista do policial no combate ao crime; 2) revolta com a impunidade dos
criminosos; 3) justiça com a própria farda; 4) prisão, arrependimento e
transferência da culpa para a corporação militar. O livro Sangue Azul (Editora Geração Editorial, 2009), baseado no
depoimento de um soldado da PM do Rio de Janeiro ao documentarista Leonardo
Gudel, também segue esse padrão. E, de acordo com as entrevistas concedidas
pelo autor, parece que o recém-lançado Como
Nascem os Monstros (Editora Topbooks, 2013, 606 páginas), romance do
policial carioca Rodrigo Nogueira, condenado e preso por homicídio, também não
foge à regra.
Um sargento preso por homicídio e
ouvido por Bruno Paes Manso explica que o “assassinato é uma importante
ferramenta no cotidiano perigoso do policial militar que trabalha na rua”, e
acrescenta que “se os policiais fossem proibidos de matar seria melhor que parassem
de trabalhar”. Esse mesmo policial diz ainda: “Sem contar que a bandidagem está
cada vez ficando mais ousada, mais armada e respeita cada vez menos a polícia. Isso
é explicado dessa forma, isso não foi a polícia que motivou. Hoje tem muito
mais reação, o pessoal enfrenta, por isso tem mais morte”. O tenente-coronel
Paes de Souza, do alto de sua tese da USP, classifica essa fala do sargento
como simplista, por afirmar que mais criminalidade significa mais confronto e,
consequentemente, mais mortes.
Ora, simplista é o modo como o
tenente-coronel, desprezando seus 28 anos de experiência como policial, deixa-se
seduzir pela inútil retórica da academia e utiliza esses depoimentos para
corroborar teses injuriosas a respeito da Polícia Militar, que a acusam de ser
uma máquina assassina, nazista, semelhante a Auschwitz. Quando atribuem à
Polícia Militar o suposto “genocídio da juventude negra”, calúnia que já foi
corroborada até por membros do Poder Judiciário, os acadêmicos escondem dois
detalhes cruciais: primeiro, muitos jovens negros das periferias são recrutados
pelo narcotráfico e matar ou morrer são verbos que conjugam
diariamente; segundo, a Polícia Militar emprega muito mais negros do que as
universidades que a criticam. Então, a ser verdade o que diz a academia, esses
policiais não seriam genocidas, mas suicidas: estariam matando deliberadamente
seus próprios familiares.
O tenente-coronel e os demais acadêmicos
que escrevem teses sobre segurança pública acreditam que basta perorar sobre
direitos humanos no ouvido de um soldado para que ele saia à rua com flores na
boca do fuzil, ajudando velhinhas no semáforo e pegando crianças no colo, até
que surja um marginal armado e esse policial, consciente de seus deveres, saque
da farda um exemplar da Constituição e atire no rosto do bandido seus direitos
humanos, para que o criminoso estenda os pulsos com cidadania e seja algemado
com dignidade. É óbvio que a terrível complexidade da segurança pública não se
rende a golpes de retórica sobre direitos humanos.
Policial só se equipara a médico
Uma análise verdadeiramente
profunda dos depoimentos dos homicidas da PM revela a complexa natureza do
trabalho policial, que, em qualquer tempo e lugar, é inevitavelmente insalubre
para a alma. O policial é como o médico: sem uma dose sobre-humana de frieza,
ele não será capaz de proteger vida nenhuma, pois o medo do sangue, da
mutilação, do cadáver, irá acovardá-lo diante do dever a ser cumprido. Por
isso, ser policial não é para qualquer um. Os policiais homicidas tentam
enganar a própria consciência quando dizem que a corporação os transformou em
violentos. O potencial de violência já estava presente neles ou não teriam
sonhado em ser policial, uma profissão que, em algum momento, há de exigir
violência para que as leis sejam cumpridas. Afinal, se bandido ouvisse conselho,
não entraria no crime.
Polícia não é assistência – é
contenção. Ela é chamada justamente quando as normas da cultura e os
mandamentos da lei já não são suficientes para manter o indivíduo no bom
caminho e alguém precisa contê-lo. Por isso, a polícia tem de ser viril. A testosterona
que faz o bandido violento é a mesma que faz o policial corajoso. Daí a importância
de se separar ontologicamente o policial do criminoso. Ao contrário do que
acreditam os acadêmicos, o policial tem que tratar o bandido como inimigo, sim.
O soldo sozinho – por maior que seja – não é capaz de separar o policial do
criminoso, pois a natureza mais profunda de ambos e o ambiente em que vivem se
alimentam da mesma virilidade masculina, responsável por mais de 90% dos crimes
violentos em qualquer cultura humana em todos os tempos.
O policial de rua, obrigado a
enfrentar o crime de arma em punho e não de uma sala refrigerada da USP, é como
um médico num campo de refugiados ou em meio a uma epidemia letal: se trabalhar
só pelo dinheiro, ele voltará para casa na hora, pois não há salário que pague
sua própria vida, permanentemente em risco. Para compensar os riscos da
profissão, o policial precisa ser tratado como herói. Especialmente num País
como o Brasil em que a criminalidade soma cerca de 63 mil homicídios por ano
(de acordo com estudos do Ipea). O policial precisa ter a certeza de que, ao
tombar no campo de batalha, sua morte não será em vão: a sociedade irá
cultuá-lo como herói diante de sua família enlutada e o bandido que o matou será
severamente punido.
No Brasil, ocorre justamente o
contrário: enquanto a morte de bandidos é cercada de atenção pelas ONGs dos
direitos humanos e gera violentos protestos de rua em São Paulo e Rio, a morte
de um policial não passa de uma efêmera nota de rodapé no noticiário e, em
muitos casos, sua família não recebe nem mesmo a visita das autoridades da
própria segurança pública, temerosas do que possam pensar os formadores de
opinião. Já em países como os Estados Unidos, um bandido reluta em matar um
policial, pois sabe que o assassinato será motivo de comoção pública e a pena
que o aguarda será à altura dessa indignação cívica com a morte de um agente da
lei.
Completa inversão de valores
Mas não basta tratar como herói o
policial – também é preciso tratar o bandido como bandido. O ser humano é um
ser relativo e não consegue julgar em absoluto, mas somente por meio de comparação.
Por isso, ao mesmo tempo em que se enaltece o policial corajoso e honesto, é
preciso punir verdadeiramente o criminoso, para marcar a diferença entre ambos.
O policial se revolta ao proteger de linchamento o estuprador de uma criança ou
ao levar para o hospital o bandido ferido que tentou matá-lo porque sabe que
seu trabalho heroico e humanitário foi inútil: logo, esses bandidos serão postos
na rua para cometer novos homicídios e estupros.
Mesmo o estuprador de uma criança
ou o homicida que queima viva sua vítima têm direito a todas as regalias da
legislação penal, travestidas de direitos humanos. Até criminosos que matam ou
estupram mulheres gozam de benefícios absurdos, como a famigerada visita íntima.
A Resolução CNPCP Nº 4, de 29 de junho de 2011, do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária, instituiu de vez a visita íntima como um
direito do preso qualquer que seja a gravidade do seu crime. No seu artigo 4º, a
resolução deixa claro que “a visita íntima não deve ser proibida ou suspensa a
título de sanção disciplinar”; ou seja, mesmo se o preso promover rebeliões e
mortes na cadeia, a visita íntima continuará sendo assegurada a ele como um direito
sagrado, à custa da segurança da sociedade. É óbvio que a mulher que se presta
a lhe servir de repasto sexual também há de lhe fazer outros favores associados
diretamente ao crime, como passar recados para seus comparsas que estão fora
das grades.
É por isso que quando uma patrulha
da PM leva um criminoso ferido para o hospital, muitas vezes junto com um
policial também ferido na troca de tiros, os policias que assim agem precisam
ser tratados como heróis. É sua única recompensa. Não há salário que pague esse
gesto. Não é fácil para nenhum ser humano salvar a vida de seu próprio algoz
sabendo que aquele criminoso que tentou matá-lo não será punido como merece,
pois, na cadeia, continuará comandando o crime, com direito a saídas
temporárias, visitas íntimas e outras regalias. A legislação penal é tão
moralmente hedionda que um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, depois de
preso, jogou água quente em sua companheira dentro da própria cela. E esse novo
crime bárbaro só foi possível porque o Estado brasileiro – cúmplice contumaz de
bandidos – garante a famigerada visita íntima até para um monstro dessa espécie.
Feministas contra a polícia
Mas, por incrível que pareça, até as
feministas – que criticam violentamente a polícia – defendem as visitas íntimas
para presos, consideradas uma extensão dos direitos humanos e classificadas
como “direitos sexuais”. Ora, direito sexual é como o direito de expressão: toda
pessoa tem o direito de falar, mas não tem o direito de obrigar o outro a
ouvi-la. O preso não pode ser impedido de sonhar com uma mulher ou até de
satisfazer solitariamente sua libido. Mas isso não significa que ele tem o
direito de manter relações sexuais dentro da cadeia, mesmo que seja com sua
esposa. E a razão é simples: seu desejo sexual não pode ser posto acima da
segurança da sociedade. É óbvio que, durante a visita íntima, não há meio de controlar
o preso. Ele pode usar a visita – e sempre usa – para transmitir recados aos comparsas
fora da cadeia, daí o comando que o cárcere continua tendo sobre o crime organizado.
Praticamente todas as centrais telefônicas do PCC são administradas por
mulheres de presidiários. E mulher de preso inevitavelmente o obedece, sob pena
de ser morta.
O mesmo se dá com a alimentação do
preso. Não deixar um latrocida morrer de fome e sede na cadeia é garantir-lhe
um direito humano básico, mas permitir que ele escolha o cardápio, por meio de rebeliões,
como ocorre com muita frequência nos presídios brasileiros, não passa de um abuso
com o dinheiro de suas vítimas. Hoje, até o criminoso que queima sua vítima
viva tem direito a remissão de pena não por dias trabalhados, por horas de
estudo e, pasmem, até pela simples leitura de romances na cadeia. Ou seja, o
que os acadêmicos chamam de “direitos humanos” são, na verdade, privilégios
civis, que deveriam ser privativos do cidadão que respeita as leis e não do
bandido que fere o contrato social e, por isso, tem de ser excluído da esfera
da cidadania enquanto cumpre sua pena.
Hoje, a inversão de valores é
tanta que, oficialmente, por meio das políticas públicas do governo federal, o
policial militar se tornou o inimigo público número um, enquanto se concede ao criminoso
o monopólio dos direitos humanos. A Resolução nº 8, de 21 de dezembro de 2012,
da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, sob o comando
da ministra Maria do Rosário, estabelece em seu artigo 1º que, quando um
bandido morre em confronto com a polícia, na descrição de sua morte nos
registros oficiais não deve mais ser usada a expressão “resistência seguida de
morte” e, sim, “homicídio decorrente de intervenção policial”.
A alegação é que os policiais
utilizam o chamado “auto de resistência” para esconder execuções. Ora, nos
casos em que isso ocorre, não vai ser mudando as palavras que o crime deixará
de ser praticado. Mais do que a nomenclatura, o que importa em qualquer crime é
a investigação. E essa não deixará de ser feita caso um auto de resistência
levante suspeitas, a não ser que as autoridades responsáveis pelo controle
externo da polícia se omitam. Prova disso é que dezenas de policiais militares
são expulsos da corporação em todo o País. Classificar esse tipo de ocorrência
como “resistência seguida de morte” é uma questão de respeito com o policial. É
um absurdo que, após uma troca de tiros com assaltantes de bancos armados de
fuzil, o policial tenha de descrever a morte de um dos bandidos como “homicídio
decorrente de intervenção policial”.
Criminoso é “reeducando”, policial é “homicida”
A sociedade honesta e
trabalhadora, que não se acumplicia com bandidos, não pode aceitar essa calúnia
legalizada contra a polícia, tachando previamente de “homicida” o policial que
mata para proteger a sociedade, cumprindo seu dever constitucional. Se numa
investigação sobre um auto de resistência ficar provado que não houve
confronto, mas execução, então que o policial seja punido. O que não se pode
aceitar é que o policial seja antecipadamente tachado de homicida mesmo quando é
obrigado a matar para proteger vidas. Na prática, é essa a mancha que o
policial terá de carregar em sua imagem, caso seja obrigado a registrar a morte
de um bandido em confronto como “homicídio”. Isso é ainda mais grave quando se
compara o tratamento de “homicida” que querem dar ao policial com o tratamento
de “reeducando” que a Justiça dá a latrocidas e estupradores nas cadeias.
Atentem para esta fórmula de
inversão dos valores: policial que mata um sequestrador é “homicida”, até que
prove o contrário; já o sequestrador que mata o refém vira “reeducando” quando
é preso e condenado pela Justiça. Como se pode notar, há uma completa inversão
dos valores morais: o policial é culpado até que prove sua inocência; já o
bandido é inocente como uma criança de escola (“reeducando”), justamente quando
sua culpa foi provada e sentenciada nos tribunais. Esses fatos mostram que os
acadêmicos que criticam a Polícia Militar não estão preocupados com a segurança
da população honesta e trabalhadora – querem é atacar a sociedade capitalista,
como se não fossem justamente os mais pobres os que mais perdem com o
enfraquecimento da polícia? Os ricos podem contratar segurança privada. E os
pobres? E a classe média? O que será deles sem a polícia?
A grande verdade é que a Polícia Militar
não é necessariamente pior do que as demais instituições humanas. Convém
relembrar uma máxima do economista Albert Hirschman não aproveitada na tese do
tenente-coronel Paes de Souza: “Sob qualquer sistema econômico, social ou
político, indivíduos, firmas e organizações, em geral estão sujeitas a falhas
de eficiência, racionalidade, legalidade, ética ou outros tipos de
comportamento funcional. Não importa quão bem estabelecidas as instituições
básicas de uma sociedade; alguns agentes, ao tentarem assumir o comportamento
que deles se espera, estão fadados ao fracasso, ainda que por razões acidentais
de quaisquer tipos”.
Ou seja, todas as demais
instituições indispensáveis à Justiça, como o Judiciário, o Ministério Público,
a OAB, a Polícia Federal e a Polícia Civil, para citar as principais, estão
sujeitas a gravíssimas falhas por parte de seus membros. Um juiz que mata um
inofensivo e desarmado vigilante de supermercado, como já ocorreu no Brasil, é infinitamente
mais criminoso do que um policial desesperado, que, depois de escapar por pouco
das balas de um assaltante, resolve terminar de matá-lo ao se dar conta de que ele
está ferido. É errada essa atitude do policial? Sem dúvida. Mas é
compreensível, tanto que a maioria da população, equivocadamente, a aprova. E a
única forma de inibir essa justiça vicária feita com a própria farda é dar ao
policial a certeza de que ele pode entregar o bandido aos tribunais, que a
sociedade será vingada mesmo assim – sem visitas íntimas, sem saídas
temporárias, sem indultos de Natal, sem celulares na prisão, sem regime
semiaberto, sem remissão de pena e sem as demais regalias dadas ao criminoso.
É bom lembrar que leis mais duras
serviriam inclusive para punir os maus policiais, que também existem, mas,
hoje, acabam ingressando no crime organizado ao serem expulsos da corporação. Se
os maus elementos de cada instituição humana fossem enforcados nas tripas dos
maus elementos das outras, não sobrariam condenados nem tripas. A maldade
humana está relativamente bem distribuída em todas as instituições. Por isso, é
tolice creditar os problemas da segurança pública à Polícia Militar, como
insistem em fazer os acadêmicos e até policiais influenciados por eles.
Tortura, corrupção e truculência não são privativas da PM. E a injustiça com a
PM é ainda mais grave quando se leva em conta o contexto em que a corporação
atua – a miséria moral dos mais ferozes criminosos, que não têm o menor
respeito pela vida humana. Por isso, é tolice achar que, desmilitarizando a PM,
se resolvem todos os problemas da segurança pública. Mesmo se isso fosse
verdade, seria um desatino desmilitarizar a polícia justamente quando os
bandidos andam com fuzis nas ruas e transformaram até as cadeias em quartéis
crime.
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