A Coluna de Celso Ming no Estadão do dia 19 de
novembro de 2013, intitulada “Entenda
a Deflação”, leva-me a indagar se a obstinação pela doutrina keynesianista
constitui um caso de ignorância dolosa, que aflige primeiro o agente para que
este em seguida saia por aí proclamando suas falácias acreditando piamente no
que fala.
Por Klauber Cristofen Pires
Em seguida, vou comentar os principais parágrafos do
seu artigo:
“Muita gente no Brasil acha que deflação é uma queda geral de
preços apenas episódica que não dura mais que dois meses. Isso não é deflação,
é inflação negativa. A deflação acontece quando os preços caem de maneira
constante durante um período relativamente longo.”.
O parágrafo não explica qual a diferença essencial
entre o que chama de inflação negativa e o que tem propriamente por deflação.
Etimologicamente, ao menos, observa-se uma contradição em termos: imagine uma
pessoa que tenha emagrecido, mas que, dado que isto se deu em um período
relativamente curto de tempo, haveríamos de afirmar que ela “engordou
negativamente”, ou ainda, pensemos em um pneu murchando que alguém avise: “-
este pneu está inflando negativamente!”. É de doer, não é?
Os efeitos
da deflação são tão ou mais perniciosos do que os produzidos pela inflação. E é
mais fácil compreender a deflação pelos seus efeitos do que pelo seu conceito.
Aqui o autor deveria explicar por que no século XIX
houve uma deflação continuada por mais de cinqüenta anos em países como os EUA
e a Alemanha sem que tenha havido nada de pernicioso, pois as pessoas tiveram
aumentado seu poder de compra incrivelmente, sem que tenha havido endividamento
público ou privado. Isto eu explicarei mais à frente.
Uma
deflação é uma tragédia para grandes devedores, porque os compromissos
permanecem os mesmos enquanto preços e renda caem. Ou seja, na prática, a
dívida fica mais alta. Quem, por exemplo, comprou uma casa e tem muitos anos
para pagar prestações mais ou menos fixas, em caso de deflação acabará pagando
mais do que vale a casa - se sobreviver financeiramente até lá. Por aí já se vê
que, em tempo de deflação, a regra geral é evitar levantamento de empréstimos e
a atividade bancária é prejudicada.
No caso de dívidas de longo prazo com prestações
fixas, muitas pessoas podem tentar renegociá-las, sendo que os credores terão
interesse em aceder, tendo conhecimento que é melhor oferecer algum desconto do
que ter suas hipotecas simplesmente abandonadas. Vale também lembrar que estas
mesmas pessoas vão lucrar com bens e serviços mais baratos, tendo, pois, à sua
disposição mais capital disponível para pagar suas dívidas.
Da mesma forma que os indivíduos antecipam-se perante
expectativas de inflação, assim o fazem também em tempos de deflação. Os
empresários operam com previsões de custo e lucro, de modo que renegociarão com
seus fornecedores os preços dos seus produtos.
Dizer que em tempos de deflação a regra geral é
evitar o levantamento de empréstimos e que a atividade bancária é prejudicada
requer uma explicação mais minuciosa: desde Bretton Woods, vivemos em um regime
monetário caracterizado pelo papel-moeda de curso forçado, isto é, sem
absolutamente nenhum lastro e que circula as mais das vezes por força de leis
que obrigam a sua aceitação em regime de monopólio contra moedas de outros
países, ou contra moedas em metal valioso. A este fenômeno, por sua vez, surgiu
o sistema bancário de reservas fracionárias, que consiste basicamente no fato
de que os bancos podem emprestar o mesmo dinheiro aos clientes A, B, C..., isto
é, praticamente sem solução de continuidade. Se você, leitor, comparou isto a
um ato de estelionato, tenha certeza: é isto mesmo!
Portanto, tanto os governos, por meio de emissão
desmedida de moeda sem a correspondente geração de riqueza, quanto os bancos,
ao emprestar dinheiro que não existe, dão margem ao crédito fácil, confundindo
o mercado o mercado, que por sua vez investe largamente em atividades não
produtivas e de menor urgência para as pessoas em geral.
Considerando o caso em comento pelo autor, isto é, da
última tendência deflacionária enxergada nos países europeus, o que se vê aí
não é uma deflação virtuosa como se viu nos EUA do Século XIX, causada pelo
aumento da poupança e aprimoramento dos meios de produção, mas ao contrário,
trata-se de um refluxo conseqüente a um período prévio de abusados gastos
públicos e de empréstimos a perder de vista. Não deixa, porém, de constituir-se
num momento saneador, embora doloroso.
“Numa
situação de deflação, empresas e consumidores adiam compras, porque apostam em
que, mais à frente, serão beneficiados pela rebaixa de preços. Menos compras e
menos investimentos tendem a puxar para baixo a atividade econômica e a
contratação de pessoal. É também o que vai derrubar os salários e as rendas e,
por sua vez, contrair ainda mais o consumo. Em países cuja população está mais
insegura em relação ao futuro, o consumo cai por uma razão adicional: pelo
aumento da poupança. As pessoas economizam mais porque imaginam que, lá na
frente, vão precisar de mais dinheiro. Esse é, por exemplo, um fenômeno
particularmente grave no Japão.”
Aqui o economista Celso Ming exala o odor
keynesianista por todos os seus poros; com todas as letras, louva o consumo
desmesurado como indutor da economia, lastreado em dívida, que sacrifica o
futuro em benefício do presente, e não na poupança, que gera riqueza para a
posteridade. O caso do Japão é um acumulado de erros, pois sua economia é fortemente
protegida, sendo antes este o fator de baixo crescimento do que de poupança
propriamente. Em qualquer caso, o Japão tem se saído muito melhor do que a
Europa, e que se diga: mil vezes a crise japonesa do que a brasileira.
Ademais, não passa de um mito afirmar que as pessoas
vão segurar seu dinheiro pra sempre. Basta verificarmos o caso dos computadores
e das tv’s de tela fina (Plasma, LCD e LED), cujos preços vêm baixando e que
continuam vendendo muito bem, ou dos celulares do tipo Smartphone, que são um
sucesso de vendas, embora venham baixando significativamente de preço. O que
passa a existir, sim é um fenômeno saneador das atitudes dos consumidores e dos
investidores. Sem dinheiro para pessoas que não produzem, que são as primeiras
a recebê-lo em tempos de inflação, e sem crédito ilimitado, as pessoas passam a
estimar suas prioridades de consumo com mais juízo e comedimento, e o dinheiro
passa a fluir menos para o consumo imediato e mais para os investimentos, que
gerarão maior poder de compra no futuro.
“Como a
arrecadação do setor público está quase inteiramente baseada nos preços e nos
valores, uma queda persistente dos preços tende a derrubar a arrecadação. O
efeito seguinte é menos despesa pública, mais recessão, mais vida dura.”
De novo, o apelo keynesianista ao endividamento
público como motor da economia. Eu aposto que o leitor intuitivamente já
discorda deste princípio. O genial economista Ludwig von Mises afirmava que os
economistas que ele mais admirava eram as donas de casa. Dou-lhe inteira razão.
Não há nada na condução da economia de um país que, guardadas as proporções,
diferencie-se do cuidado com o orçamento doméstico. Então, se você se endivida
hoje, amanhã, inexoravelmente, o dinheiro à sua disposição irá diminuir, e você
empobrecerá.
Além disso, há sim uma diferença crucial: o pai ou
mãe de família aplica o seu próprio dinheiro no que acredita ser mais urgente e
necessário, sob pena de sofrer diretamente com as decisões erradas que tomar.
Já os governos gastam prodigamente o dinheiro dos outros, e dado que sua renda
provém de impostos, são os cidadãos, e não ele próprio, que sofre por sua
incúria.
Então, devemos lamentar que o governo deva passar a
gastar menos, ou louvar tal mudança de rumo na administração dos recursos
públicos?
O risco de
deflação foi o principal fator que levou e continua levando grandes bancos
centrais a emitir trilhões em moeda nacional. O Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) inventou o quantitative easing, que é a recompra de
títulos no mercado à proporção de US$ 85 bilhões por mês que despeja dólares no
mercado. O Banco Central Europeu (zona do euro) adotou o Mecanismo Europeu de
Estabilidade (ESM) para socorrer os bancos e acaba de derrubar os juros básicos
para 0,25% ao ano. O Banco do Japão, orientado pelo primeiro-ministro Shinzo
Abe, também está emitindo moeda, experiência que hoje está sendo chamada
Abenomics.
A inflação é um roubo, causado pela expansão
monetária. É como se o governo diluísse o leite diário do café da manhã de cada
cidadão com um pouco de água, ficando com a respectiva parte para si para
gastar. A inflação é também um crime de estelionato criado pelo sistema
bancário de reservas fracionárias, pois o dinheiro do depositante permanece-lhe
disponível, em concorrência com os tomadores de empréstimos, resultando que
ambos vão disputar os mesmos bens e insumos disponíveis no mercado, gerando a
alta de preços pelo aumento anormal da demanda e assim confundindo todo o
planejamento dos empreendedores. Em uma sociedade cujo regime é o padrão-ouro,
o dinheiro dos depositantes torna-se indisponível até o fim do contrato, quando
então são remunerados pelo dinheiro que alimentaram o sistema de captação
bancário. Isto entendido, compreende-se que o que o autor cita acima não passa
de uma tentativa de os governos mancomunados com os bancos de manterem o atual
estado de usurpação de riqueza produtiva, cujo resultado será o de provocar uma
crise de ainda maior gravidade em um futuro qualquer.
“Também é
a principal razão pela qual, nos países em que vigora o regime de metas, os
bancos centrais nunca perseguem uma inflação inferior a 2,0% ao ano. Se
errassem para menos, poderiam atolar a economia na deflação, de saída difícil.”
Se uma deflação é algo ruim, então o seu antídoto
deve ser, logicamente, a inflação. Agora, baseado em tal premissa, em que uma
baixa inflação pode ser aceitável e uma inflação alta, não? Uma inflação de 2%
ao ano resulta em diminuir o poder de compra em 50% em cerca de trinta anos!
Isto é ou não um considerável confisco de renda?
Um movimento de deflação pode sim gerar alguns
inconvenientes, mas no geral, se estamos falando de uma sociedade pautada pela
poupança e pelo dinheiro com lastro, é até bastante benéfica, no tanto que os
salários são beneficiados cada vez mais por bens e serviços mais baratos.
Citando
Frank Hollenbeck, “What’s so scary about
deflation?” (O que é tão amendrontador na deflação[i]?”
É verdade
que a Grande Depressão e a deflação andaram juntas em alguns países; mas, nós
temos de ser muito cuidadosos ao distinguir entre associação e causalidade, e
então corretamente encontrar a direção da causa. Um recente estudo por Atkson e
Kehoe por sobre um período de 180 anos em 17 países não encontrou nenhuma relação
entre deflação e depressões. Na verdade, o estudo encontrou um número maior de
episódios de depressão com inflação do que com deflação. Sobre este pe´riodo,
65 dos 73 episódios de deflação não estavam acompanhados de depressão, e 21 de
29 depressões não tinham deflação.
Concluindo, Celso Ming está examinando um período de
deflação que vem acontecendo na Europa em decorrência de um prolongado período
de expansão monetária e crédito fácil e ilimitado, quando os governos
sacrificaram a atividade produtiva de seus respectivos países com suas
políticas de Welfare State, e confunde a febre do paciente, que revela o
seu estado de recuperação, com a própria doença que o acometeu. Daí a receitar
mais açúcar para o diabético, para ficarmos numa expressão que já se tornou
clichê, mas que funciona por sua gritante clareza.
Outros artigos sobre deflação interessantes:
[i] It is true that the Great Depression and deflation went hand in hand in
some countries; but, we must be careful to distinguish between association and
causation, and to correctly assess the direction of causation. A recent study
by Atkeson and Kehoe spanning a period of 180 years for 17 countres found no
relationship between deflation and depressions. The study actually found a
greater number of episodes of depression with inflation than with deflation.
Over this period, 65 out of 73 deflation episodes had no depression, and 21 out
of 29 depressions had no deflation.
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