por Steve Patterson,
O setor privado e suas empresas são frequentemente retratados como sendo rudes e cruéis. De acordo com a narrativa popular — a visão de mundo típica de Charles Dickens —, o setor privado é repleto de avarentos insensíveis que dão mais valor ao lucro do que ao povo.
Esse retrato está em profundo contraste com a bondade e o altruísmo das instituições de caridade, das entidades sem fins lucrativos e dos governos, os quais supostamente existem e foram criados para ajudar o povo. A caridade, em particular, é vista como sendo eticamente superior aos negócios do setor privado e da livre iniciativa. Afinal, o que poderia causar um maior impacto no mundo do que dar aos necessitados?
Essa visão do mundo, obviamente, é míope. Embora seja verdade que a caridade ajuda as pessoas, o setor privado e a livre iniciativa fazem uma contribuição muito maior à humanidade. Virtualmente todos os aumentos no padrão de vida da sociedade ocorreram por causa do simples comércio; e são os pobres, em especial, que mais se beneficiam. Para entender por quê, é necessário examinar as diferentes fórmulas sob as quais a caridade e o setor privado operam.
Caridades lidam com a redistribuição de riqueza: elas coordenam a transferência do "excedente" de algumas pessoas para suprir a "escassez" de outras. Os negócios do setor privado, por outro lado, lidam com a criação de riqueza por meio da produção e venda de bens e serviços que as pessoas querem e desejam.
A criação de riqueza vem antes
Sem essa anterior criação de riqueza, as instituições de caridade não teriam nada para distribuir. Na nossa atual situação de pujança, é fácil nos esquecermos de que a pobreza é o estado natural da existência humana. A riqueza não é encontrada pronta na natureza; ela tem de ser criada e transformada, e esta é precisamente a função dos capitalistas e empreendedores.
Capitalistas e empreendedores são a força que nos retiram do estado brutal da natureza — a pobreza — e nos elevam à pujança. Todos os casos de pobreza têm a mesma solução: a cura não está na distribuição de riqueza, mas sim na criação de riqueza. E isso não é um argumento meramente teórico. Ele pode ser testemunhado em todos os pontos do globo.
Quanto mais pesquisamos, mais claro tudo se torna. Pense, por exemplo, na máquina de lavar. Trata-se de um recurso que consideramos trivial e ao qual não damos a devida importância. Mas a máquina de lavar mudou as vidas de centenas de milhões de pessoas. Não é nenhum exagero dizer que seu inventor mudou o curso da história.
Como?
Reduzindo dramaticamente a quantidade de trabalho manual necessário para fazer a lavagem das roupas sujas. Milhões de pessoas ao redor do globo — mulheres, em especial — foram liberadas da faina de ter de despender várias horas semanais perante um tanque tendo de lavar manualmente as roupas da família. Com a invenção da máquina de lavar, essas mulheres passaram a poder dedicar mais tempo a outros afazeres, como dar mais atenção aos filhos.
Façamos uma estimativa bastante conservadora e digamos que a máquina de lavar poupa cinco horas de trabalho por semana. Se 100 milhões de pessoas possuem uma máquina de lavar, então 500 milhões de horas de trabalho são poupadas por semana — um número tão grande que é difícil sequer imaginá-lo. São 500 milhões de horas que agora podem ser aplicadas em outras funções mais prementes, como: adquirir educação e cultura, passar mais tempo com a família, trabalhar e adquirir renda, fazer serviços voluntários etc.
O impacto da criação de riqueza e do empreendedorismo sobre as pessoas é enorme, ainda que o engenheiro que criou a máquina de lavar tenha sido uma pessoa egoísta. E essa é a beleza do capitalismo. Talvez a única motivação do criador da máquina de lavar tenha sido ganhar dinheiro. Pode até ser que ele tenha bondosamente pensado "Puxa, gostaria muito que as mulheres não tivessem de gastar tantas horas da semana lavando roupa. Vou inventar algo!", mas isso é improvável. De qualquer maneira, o resultado foi o mesmo. O mundo mudou por causa da sua invenção.
O comerciante que encomenda e revende máquinas de lavar, os engenheiros que inventam novos e melhores modelos, os empreendedores e capitalistas do ramo siderúrgico que descobrem maneiras mais baratas de criar as matérias-primas essenciais para a fabricação da máquina de lavar — todos eles contribuem para um aumento exponencial no padrão de vida das pessoas.
O empreendedorismo e seus efeitos propagadores
Os benefícios do empreendedorismo não apenas são imediatos, como também criam um efeito borboleta.
Considere o que ocorre com crianças que nascem em famílias que possuem máquinas de lavar. Elas, também, se beneficiam do fato de suas respectivas mães terem mais tempo livre. Elas podem ser mais bem cuidadas e mais bem educadas. Com mais tempo livre, suas mães podem até trabalhar fora e ajudar no orçamento da família, o que permite que a criança vá a uma boa escola e até mesmo se torne um engenheiro ou empreendedor. Quem sabe? Talvez a invenção da máquina de lavar tenha dado uma contribuição essencial para a cura de várias doenças. Afinal, as crianças que crescerem e se tornaram médicas tiveram de ter um padrão de vida alto o bastante que as permitisse cursar uma boa universidade de medicina.
Mas os efeitos propagadores não param por aí. Pense nos indivíduos que são salvos pelo médico que faz cirurgias complexas. Eles, e suas famílias, também se beneficiaram da existência da máquina de lavar, e, consequentemente, poderão continuar trabalhando e produzindo ainda mais para o resto da sociedade.
Em outras palavras, a criação de riqueza é exponencial, e literalmente muda o curso da história. Um capitalista ganancioso pode se preocupar apenas consigo próprio, mas as invenções que ele financia, bem como sua eficiência, acabam beneficiando a sociedade de uma maneira extraordinária.
Agora, compare isso à caridade. Dar uma máquina de lavar para uma pessoa irá mudar a vida dela, sem dúvida nenhuma. E certamente criará benéficos efeitos propagadores. Mas criar uma máquina de lavar — ou inventar uma melhor — é o que muda o mundo. Até mesmo suprir as indústrias com as matérias-primas necessárias para a construção da máquina de lavar muda o mundo. Os trabalhadores das mineradoras, ou mesmo a garçonete que serve o almoço para esses trabalhadores, estão diretamente envolvidos nesse processo de retirar as pessoas da pobreza.
Isso não diminui o papel da caridade; ela também desempenha uma função valiosa. Se você é como eu — se você não é um engenheiro ou um empreendedor —, então a caridade é uma maneira essencial de ajudar o seu semelhante. Nem todo mundo tem as habilidades necessárias para criar uma nova invenção ou para se tornar um empreendedor de sucesso. Mas isso não as impede de fazer uma diferença positiva para mundo.
Entretanto, temos de ser realistas: uma doação para uma instituição de caridade não cria os mesmos efeitos propagadores que vender comida boa e barata, ou vender máquinas e utensílios domésticos, para todos.
Várias verdades econômicas funcionam desta maneira. Somos rápidos em elogiar aquilo que vemos — uma instituição de caridade que distribui comida para os miseráveis —, mas negligenciamos ou até mesmo condenamos aquilo que não vemos: todo o trabalho e cooperação que foram necessários para produzir e distribuir comida. O agricultor, o açougueiro, o caminhoneiro, o cozinheiro, o engenheiro, o empreendedor e o capitalista também deveriam ser louvados pelo seu trabalho que possibilitou a existência daqueles pratos de comida que agora saciam os esfomeados.
Sem tais pessoas, não haveria nenhum excedente de comida para que a instituição de caridade aplacasse a fome dos necessitados.
Steve Patterson é escritor freelancer, produtor audiovisual, e autor de What's the Big Deal About Bitcoin? Ele é o criador da popular série educacional da BBC The Truth About... . Veja seu website.
Fonte: Instituto Ludwig von Mises
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